Webinário reuniu Ronaldo Christofoletti, Patrícia Morellato, Paulo Artaxo e Tasso Azevedo – Imagem: Reprodução
Por – André Julião | Agência FAPESP / Neo Mondo
Primeira menção formal ao fim dos combustíveis fósseis, aprovação de um fundo de perdas e danos para países em desenvolvimento e acordo para criar métricas capazes de medir adaptação às mudanças climáticas foram alguns dos destaques da conferência, avaliam especialistas
O anúncio da entrada do Brasil numa versão estendida da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28) pode ter sido decepcionante para alguns observadores. Ainda mais o leilão de 600 blocos de exploração de petróleo, alguns deles na Foz do Amazonas, no último dia do evento.
Findo o evento, no entanto, pela primeira vez os combustíveis fósseis entraram no texto final de uma COP e, a partir de agora, a questão será cada vez mais aprofundada rumo à extinção do seu uso, segundo participantes do webinário “Caminhos para o Brasil pós-COP28”, realizado pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Transmitido ao vivo no dia 19 de dezembro, o webinário trouxe um balanço dos avanços alcançados na conferência (COP28) ocorrida em Dubai, nos Emirados Árabes.
“O documento final trouxe uma série de questões importantes para o planeta como um todo. Pela primeira vez, foram mencionados os combustíveis fósseis e que eles devem ser eliminados da matriz energética global. Muitos comemoram a frase, apesar de a ciência preconizar isso há pelo menos 30 anos”, afirmou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coordenador do PFPMCG.
Para Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas e do Observatório do Clima, ainda que tenha demorado tanto para entrar nos acordos, a menção aos combustíveis fósseis é uma sinalização política muito importante para as próximas COPs.
“É um sinal de mudança de expectativa. Nesse tema, as sinalizações de para onde se está caminhando são muito importantes para formar uma tendência. Dizer que começa a transição energética ainda nesta década vai fazer com que haja uma ruptura rápida. É como pôr o pé na porta. Se pôs o tema na discussão e agora ela só vai se aprofundar. Não mais vai se lutar para o tema entrar na pauta, como foi até aqui”, analisa.
Tanto Azevedo quanto Artaxo destacaram ainda a importância da constituição de um fundo de perdas e danos, em que os países ricos compensariam os países em desenvolvimento pelos impactos trazidos pelas mudanças climáticas.
“O texto coloca que há um acordo para operacionalizá-lo e compromissos para esse fundo que já totalizam US$ 700 milhões. Obviamente, as necessidades são muito maiores do que US$ 100 bilhões por ano e a iniciativa é limitada, administrada pelo Banco Mundial, em que os Estados Unidos têm um controle muito rígido, o que desagradou alguns países”, destacou Artaxo.
“Tivemos uma COP muito diferente em 2023, com cerca de 100 mil participantes, um recorde. E a participação muito expressiva do Brasil, que foi a maior em tamanho de delegação, desde a participação do presidente e ministros até muitos grupos de empresários, ambientalistas e cientistas”, lembrou Patrícia Morellato, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, e membro da coordenação do PFPMCG, que mediou o debate.
O webinário teve ainda a participação de Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos.
Adaptação
Os participantes destacaram ainda outro avanço importante da COP28, que deve ganhar destaque na COP30 em 2025, a ser realizada no Brasil. Trata-se de uma meta global de adaptação, que deverá ser discutida para que se chegue a um acordo dentro de dois anos.
“A ideia é ter algo parecido com a meta de não ultrapassar o 1,5o C, uma métrica para mitigação das mudanças climáticas, para a adaptação. A ideia é que se chegue em 2030 com indicadores qualitativos e quantitativos para que se possa medir o avanço na adaptação e então ter uma meta”, explicou Azevedo.
Sem uma métrica dessas, afirmou o ativista, é difícil fazer a pressão necessária e quantificar os esforços e investimentos que serão requeridos.
“A adaptação foi uma das questões principais dessa COP”, afirmou Christofoletti. O pesquisador destacou que as cidades costeiras, em que vive cerca de metade da população mundial hoje, são as que sofrem alguns dos maiores impactos e precisam se adaptar com urgência. No Brasil, cerca de 25% da população vive nessas regiões, impactadas diretamente pelo aumento do nível do mar e pelas tempestades mais frequentes.
Para Artaxo, algumas “tarefas de casa” para o Brasil até 2030 são o redirecionamento da geração elétrica para fontes renováveis, zerar o desmatamento e iniciar o grande projeto que está sendo chamado de Arco do Reflorestamento, medida anunciada na COP28 que prevê recursos para reflorestar a região conhecida como Arco do Desmatamento, que vai do sudeste do Pará até o Acre.
“São tarefas dificílimas, mas que a sociedade brasileira, com os poderes Legislativo, Judiciário e governos estaduais e municipais, têm de se empenhar, sob a liderança do governo federal”, encerrou.
O webinário pode ser visto na íntegra AQUI.