Remendos e buracos nas estradas, avenidas e ruas do País pouco têm a ver com a qualidade do material aplicado – Foto: Ricardo Barros/Secom – Governo de Rondônia
Por – Hugo Luque, Jornal da USP / Neo Mondo
Kamilla Vasconcelos Savasini destaca que a boa qualidade das vias requer projetos de maior durabilidade, manutenções de forma mais regular e investimentos
É de conhecimento quase geral que o motorista brasileiro sofre com ruas e estradas esburacadas, mas um estudo feito em 2023 pelo portal CupomVálido, com dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do portal britânico Compare The Market, analisou o tema de forma mais objetiva. Na compilação de dados, que avaliou pontos como nível de mortalidade no trânsito, congestionamentos e alto custo de manutenção dos veículos em relação à renda da população, o que mais chamou a atenção foi a qualidade das vias. No âmbito geral, o Brasil foi considerado o segundo pior país do mundo para se dirigir, atrás somente da Rússia. No quesito asfalto, a classificação foi a mesma: russos na liderança e brasileiros logo em seguida em pior qualidade.
Entretanto, Diego Ciufici, superintendente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Asfaltos (Abeda), garante que os remendos e buracos nas estradas, avenidas e ruas do Brasil pouco têm a ver com a qualidade do material aplicado. Ele explica que, na verdade, “o que a gente tem não é um asfalto ruim, o que tem é um desgaste de uma malha que é usada para escoar 75% da produção brasileira. O Brasil tem essa particularidade de ser um país rodoviário e, junto com as proporções continentais, tem todo esse escoamento de produção via malha rodoviária e falta de investimento. O que há é uma saturação da malha. Não quer dizer que o asfalto seja ruim, quer dizer que não se está investindo o suficiente para manter ele bom”. Para se ter uma ideia, no Brasil, são 61 mil km de estradas federais sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
Ciufici explica que o asfalto representa muito pouco no volume de materiais utilizados na pavimentação e atua apenas como ligante, quase a cereja no bolo. Por conta disso, não basta apenas ter uma boa superfície. É necessário, antes, estabelecer uma base sólida.
Além disso, outras questões não previstas também interferem e formam os temidos buracos, como explica a professora Kamilla Vasconcelos Savasini, coordenadora do Laboratório de Tecnologia de Pavimentação da Escola Politécnica (Poli) da USP. “Pode ser um problema do projeto da estrutura do pavimento como, por exemplo, um tráfego que está diferente do previsto, as condições climáticas que também não foram consideradas nesses projetos, como grandes incidências de calor e chuva. Elas são muito prejudiciais para os pavimentos.”
Asfalto de qualidade
Apesar do que possa parecer para a população – e para as suspensões dos veículos -, a qualidade do asfalto brasileiro é boa. Tanto Kamilla quanto Ciufici confirmam. Muito disso se deve à proximidade entre essa indústria e pesquisadores. Dentro da USP, por exemplo, foram realizados diversos estudos e até mesmo alternativas sustentáveis de pavimentação foram desenvolvidas. No entanto, nada disso adianta sem o suporte necessário na hora da prática, quando o asfalto dá forma e cor escura às ruas e estradas.
“O Departamento de Engenharia de Transportes da Poli-USP já vem desenvolvendo pesquisa nessa temática há vários anos. Porém, ainda existem algumas dificuldades que a gente considera técnicas e operacionais, muitas vezes econômicas também, para que essas soluções ou essas técnicas sustentáveis sejam efetivamente implementadas na pavimentação em uma escala maior”, detalha a especialista.
Ela ainda destaca que a boa qualidade das vias requer “projetos feitos para durar mais com manutenções de forma mais regular. Para isso, sem dúvida, é necessário maior investimento”.
Não adianta apenas tapar buracos
No fim, a conclusão é que a conta pelas ruas e estradas esburacadas, feitas em grande parte com dinheiro dos contribuintes, é do poder público. Afinal, com um material de qualidade disponível e os impostos em dia, o mínimo que os condutores esperam é uma direção sobre um pavimento liso e confortável. “Infraestrutura passa por políticas públicas. Passa pelo governo determinar o quanto ele quer investir em política pública para o setor”, ressalta o superintendente da Abeda.
Ele completa ao enfatizar que é puramente uma questão de planejamento e orçamento. “Então, se a gente tem uma malha deficitária em relação ao que a gente precisa, é uma questão de decisões políticas e alocação de orçamento, de elaboração, de plano de execução etc. Com certeza, no final do dia, não deixa de ser uma decisão política.”
Ciufici completa com uma crítica às chamadas operações tapa-buraco, tão divulgadas por gestores das cidades brasileiras. Para o executivo, essas ações se mostram como um atestado de que foi priorizado o investimento em quantidade em detrimento da qualidade na aplicação do asfalto. “Chega uma hora, na verdade, que o tapa-buraco deixa de fazer efeito. Você tem que tirar o que está ali e refazer, porque o tapa-buraco é paliativo. Talvez se gaste até mais dinheiro fazendo isso do que se fizer uma obra de recapeamento geral.”
Resposta do DNIT
Em nota, o DNIT afirma que monitora regularmente as estradas pelo Índice de Condição da Manutenção (ICM) e que no ano passado 65,4% dos 61 mil km de estradas cuidadas pelo órgão foram avaliados com ICM Bom. Sobre a opinião dos especialistas e a posição do Brasil no ranking mundial de qualidade de estradas, o DNIT não se manifestou. Leia abaixo a íntegra da nota:
“O DNIT informa que monitora mensalmente a condição da malha rodoviária sob sua jurisdição e trabalha para garantir o melhor nível de serviço dentro da disponibilidade orçamentária. Esse monitoramento é realizado por uma metodologia própria de avaliação das condições da manutenção do pavimento e da conservação das rodovias federais em todo o Brasil. O Índice de Condição da Manutenção (ICM) tem o objetivo de manter uma radiografia atualizada das condições da malha federal sob jurisdição da autarquia, que considera a situação da pista, sinalização, funcionamento dos dispositivos de drenagem, entre outros itens. O ICM é dividido em quatro faixas classificadas como: Bom, Regular, Ruim e Péssimo. O monitoramento do ICM busca ainda utilizar as informações apuradas na tomada de decisões sobre investimentos.
A partir de um planejamento integrado, de valorização da gestão técnica e ampliação dos investimentos do Governo Federal ao longo de 2023 foi possível assegurar a manutenção da malha rodoviária e dar celeridade ao andamento de obras estruturantes em todo o País. Desta forma, no geral – dos cerca de 61 mil quilômetros de estradas cuidadas pelo DNIT – 65,4% (39,5 mil km) terminaram 2023 com ICM Bom.
O DNIT planeja para 2024 dar continuidade às ações consideradas estruturantes para o desenvolvimento da infraestrutura de transportes do País, garantindo os serviços de manutenção/conservação necessários para ampliar a qualidade das rodovias brasileiras e elevar o índice na faixa Bom.