Resiliência urbana é questão de saúde pública – Imagem: Freepik
ARTIGO
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Por – William Freitas, presidente do REDEMAR Brasil, especial para Neo Mondo
Estava no Rio de Janeiro participando do capítulo sobre os oceanos no G20 na semana em que a sensação térmica chegou à casa dos 60° graus. Saindo do ambiente onde as tecnologias amenizavam esse impacto, fui andar pela cidade, principalmente em bairros de vulnerabilidade social.
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Cheguei no piscinão de Ramos, na favela da Maré, partindo do bairro da Barra da Tijuca, com construções projetadas, estudos de sombreamento significativamente verde e todos com ar condicionado. Desloquei-me de UBER até o piscinão, passando por viadutos subterrâneos (essa é uma história para outro dia). Cheguei na AV. Brasil, onde o motorista parou para abastecer o carro à gás e por isso tivemos que saltar.
Foi justamente nessa hora que o impacto das mudanças climáticas me saltou ao rosto, um bafo quente do vento daquele lugar com todas as toxinas da combustão dos carros que estavam rodando e mais a sensação de estar sem oxigênio, impressão que me deixou bem desconfortável e posso garantir que, para mim que venho de uma cidade litorânea, Salvador, nunca tinha vivido essa sensação. Como bom observador, olhei o cenário em volta, a quantidade de casas, a ausência do verde e a precariedade dos serviços ecossistêmicos, bem diferente de onde estava hospedado.
Pensei com certeza que essas condições afetam diretamente a saúde respiratória de quem vive isso diuturnamente. Iniciei logo uma conversa com a frentista, que diante daquele cenário insalubre disse que estava acostumada a essa tipo de situação. Seguimos o papo e ela falou o quanto sofria com a saúde por viver esse tipo de situação, que pra mim beirava uma espécie de condenação, até chegar no piscinão, onde tive a sensação de extrema dificuldade em continuar respirando, cansaço extremo e muito suor.
Ali percebi que o consumo de álcool é muito grande, sem nenhuma intercalação com água. Imaginei os corpos das pessoas pedindo água e recebendo álcool, a longo prazo, temos aí vários indicativos de doenças, considerando que a maioria das pessoas no local eram pessoas pretas. Vi que as doenças hereditárias advêm desde as senzalas, das más condições de vida, desde o tráfico do povo preto (também romantizado como diáspora). A formação e mutação genética se dá de forma não espontânea por conta das nossas condições de sobrevivência, alinhado ao que hoje se chama de “Cultural”, mas na verdade é estrutural. Enfim, percebo que além da nossa total falta de consciência ambiental, vivemos relegados do básico para manter a nossa qualidade de vida (resiliência urbana), seguindo como norte as condições sub-humanas, sem nenhum direito básico garantido.
A Constituição brasileira determina que é direito de todos os cidadãos ter acesso a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e para que isso seja possível, possuímos leis e diretrizes nas quais é possível identificar ferramentas para a tarefa da conservação e manejo do meio ambiente. É papel do Poder Público assegurar esse direito ao cidadão, sendo sua primeira atribuição “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas” (BARBOSA; VIANA, 2014).
Leis que nesses lugares parecem que não existem e não são para aquelas pessoas, que são julgadas pela grande sociedade por invadirem e estarem morando ali (resiliência urbana). A sentença de morte, quer seja pela criminalidade, pela precariedade de vida ou pela ausência de qualidade dos serviços ecossistêmicos, minam a vida e impõe duras consequências advindas desse estilo de vida brutal, que ao longo dos anos vem sendo normalizado.