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POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO E ELENI LOPES, COO DE NEO MONDO
Nesta entrevista exclusiva, o prof. Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, fala sobre a construção de um futuro mais sustentável para o nosso oceano
No dia 13 de setembro, Salvador (BA) será o epicentro de uma discussão crucial para o futuro do oceano: o Ocean Dialogues, parte da programação do 11º Festival das Baleias.
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O evento, que acontecerá na Doca 01, no bairro do Comércio, busca promover um debate aprofundado sobre a economia sustentável do oceano e a relação da sociedade com o meio marinho, alinhado aos esforços globais da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).
O objetivo final do Ocean Dialogues é gerar um documento com recomendações para a agenda de oceano, a ser entregue aos chefes de estado do G20, que se reúnem em novembro, no Rio de Janeiro (RJ). Esse documento será produzido pelo Oceans20, um grupo de engajamento da sociedade civil sobre oceano.
Para saber mais sobre o Ocean Dialogues, entrevistamos Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. Ele irá mediar o painel “Saúde Única Azul”, para aprofundar as discussões sobre as soluções que podem emergir desse evento e as expectativas para o legado do Ocean Dialogues na construção de um futuro mais sustentável para o nosso oceano.
Confira a entrevista:
Aproximação com a Sociedade
O Ocean Dialogues tem como um de seus principais objetivos aproximar o oceano da sociedade. Quais são os principais desafios que você enxerga nessa conexão entre a sociedade e o meio marinho, especialmente em grandes cidades costeiras como Salvador?
De fato, o Ocean Dialogues pretende fazer esse movimento de aproximação entre a sociedade e o oceano, mais especialmente entre a sociedade e o oceano e a tomada de decisão.
O oceano não está bem. E esse é um dos grandes desafios das regiões costeiras mais adensadas em termos populacionais, como Salvador e outras capitais que temos na região costeira, além de grandes cidades, como Santos. Nessas regiões, há uma tendência de degradação ambiental mais intensa, uma piora da qualidade ambiental, o que leva também a uma piora em outras questões, em outros aspectos relacionados à própria qualidade de vida das pessoas, ou mesmo a queda do interesse turístico por uma dada região, uma vez que ela está contaminada por esgoto urbano, com lixo, porque a paisagem está degradada e não é mais um lugar tão bonito. Muitas vezes todas essas situações são associadas ao aumento da violência, então está tudo associado.
O oceano está doente porque a sociedade está doente. As nossas atitudes vão ferindo o oceano, vão machucando o oceano. Na medida em que ele fica doente, a gente fica mais doente ainda, porque a nossa saúde depende do oceano.
Então, é um ciclo vicioso que precisa ser estancado, parado e revertido para um ciclo virtuoso em que o cuidado com o oceano faz com que a gente consiga ter mais qualidade de vida, mais prosperidade, que essa prosperidade seja distribuída, uma vez que a gente tem essa relação intrínseca com ele.
Integração entre Ciência e Tomada de Decisões
Como o Ocean Dialogues pretende integrar a ciência e a tomada de decisões para promover uma economia oceânica sustentável? Quais mecanismos ou práticas já foram identificados como eficazes nesse processo?
A integração entre ciência e tomada de decisão é um elemento fundamental para a gente transformar o oceano, transformar a humanidade de forma sustentável. O melhor conhecimento disponível, seja ele científico ou tradicional, traz objetividade que precisa ser considerada na tomada de decisão.
Dentre os vários exemplos que temos de avanços no conhecimento que foram importantes para a tomada de decisão, especialmente no momento em que a gente discute recomendações para o G20, é tentar identificar mecanismos de uma relação com o oceano mais harmoniosa, tanto do ponto de vista de uma economia sustentável do oceano, quanto do ponto de vista de uma relação voltada para a recreação, para aspectos culturais que não necessariamente podem ser materializadas, inclusive o lado espiritual.
É necessário fortalecer a ciência e buscar a tecnologia e a inovação dos mais variados tipos para que a gente possa gerar tecnologias transformativas ou soluções transformativas para que a gente resolva os problemas e contribua para fortalecer as oportunidades que a gente pode explorar em relação ao oceano.
Década da Ciência Oceânica
Considerando que o evento faz parte da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, como você avalia o progresso global e local até agora? O que ainda precisa ser feito para que os objetivos dessa década sejam alcançados?
O Festival das Baleias e o Ocean Dialogues, o evento paralelo que nós vamos fazer e que é ligado ao G20, estão associados à década do oceano.
Isso significa que o Ocean Dialogues tem um alinhamento conceitual e principiológico com a década do oceano, visando trazer dois elementos importantes. Um é a economia sustentável do mar, que é uma forma diferente de ver como a gente se relaciona com o oceano, como a gente o conserva, como a gente produz de forma sustentável e como a gente distribui mais equitativamente a prosperidade. Esses três elementos são indissociáveis e, ao mesmo tempo, a gente discute o conceito de saúde única azul, que traz a possibilidade de entender de forma bastante abrangente e conectada todos os sistemas da Terra e como o Oceano tem um papel bastante relevante. A gente está falando de qualidade, do funcionamento dos ecossistemas e o uso deles do ponto de vista sustentável. Isso tudo está interligado e a gente precisa fomentar.
Esses são os pontos que vão ser discutidos no evento e estão fortemente alinhados com os preceitos com que a década do oceano preconiza.
Documentos e Recomendações para o G20
O Ocean Dialogues resultará em um documento de recomendações para a agenda do oceano, a ser entregue aos chefes de estado do G20. Quais são as principais propostas que você acredita que devem estar nesse documento? Como essas recomendações podem influenciar as políticas públicas?
Os Ocean Dialogues foram pensados para serem um processo de escuta da sociedade, para levar recomendações para o G20. Nós temos diferentes fases nas quais essas recomendações vão ser encaminhadas, recomendações para a presidência brasileira e para o processo como um todo, incluindo aí o que vai acontecer nos próximos anos.
Nesse momento, a nossa maior atenção está voltada para que o oceano não seja apenas um momento durante a presidência brasileira, que ele seja um tema recorrente nas próximas presidências do G20, que vão ser na África do Sul e nos Estados Unidos nos dois próximos anos.
A gente tem a possibilidade concreta de refletir porque o oceano tem que estar no G20 e de que forma apodemos fazer com que ele se perpetue, trazendo à tona a importância dos dois temas centrais do evento, que é a economia sustentável do mar e a saúde única azul, a saúde única do oceano.
Em termos de recomendações para o G20, temos vários subsídios dos diferentes Ocean Dialogues que foram realizados e que trazem uma clareza muito grande de que temos que fazer o planejamento do uso do espaço marinho, que é uma ferramenta concebida pela Unesco e que vem sendo executada no Brasil, mas não necessariamente no resto do mundo.
É fundamental também que a gente consiga fortalecer o nexo entre o oceano e o clima, entendendo o oceano como um importante agente de mitigação e de adaptação às mudanças do clima, um grande aliado da sociedade em relação a essa temática. Com isso iremos ter um oceano limpo, saudável, resiliente, produtivo, seguro, previsível, inspirador e envolvente. Tudo isso que a década do oceano prevê e pretende que a gente tenha no futuro.
Painéis de Discussão
Quais são as expectativas para os painéis “Economia Sustentável do Oceano” e “Saúde Única Azul”? Como esses temas contribuem para a visão mais ampla de um oceano sustentável e saudável?
Essas duas vertentes, a economia sustentável do oceano e o saúde única azul, são duas formas de congregarmos dois elementos importantes que andam juntos e que precisam evoluir na medida em que se promove a transição para um oceano sustentável.
É fundamental entender que o oceano continue funcionando adequadamente, que ele continue saudável. Isso significa diminuir as comorbidades que comprometem a sua saúde. Vamos correlacionar isso pensando como um paciente que sofre de diabetes, ou hipertensão, e isso pode ser entendido como a quantidade de esgoto que está no mar, a quantidade de lixo, a retirada excessiva de recursos, as próprias mudanças do clima com ondas de calor da água do mar. Tudo isso, essas comorbidades, tiram a saúde do oceano e reduzem a sua capacidade de lidar com problemas do futuro.
É muito importante entendermos que um oceano saudável possibilita novas formas de atividades econômicas, especialmente atividades que promovem o compartilhamento da prosperidade gerada, como turismo de base comunitária, atividades imateriais relacionadas ao oceano, como, por exemplo, a contemplação, a pesquisa científica, atividades educativas, ou mesmo atividades espirituais, que são importantes elementos relacionados ao oceano.
Ao promover a saúde única azul, também estamos promovendo a economia sustentável do mar e vice-versa, no sentido de que a gente caminha no futuro para um oceano que tem qualidade, mas que também é utilizado. Ou seja, não necessariamente estamos falando de áreas não utilizadas, e sim de um uso racional desse importante espaço.
Salvador como Cenário do Ocean Dialogues
Salvador, com sua vasta costa e biodiversidade marinha, é o cenário do Ocean Dialogues. Como a cidade pode se tornar um modelo para outras regiões costeiras do Brasil em termos de sustentabilidade e proteção do oceano?
Salvador é uma cidade oceânica, marítima. O Brasil também é uma nação oceânica, uma nação marítima.
Em Salvador, que também é denominada a capital da Amazônia Azul, a gente tem a possibilidade de resgatar um histórico de relacionamento com o oceano que traz aí diversos tipos de manifestações: religiosas, relacionadas à pesca, música, dança etc, manifestações diversas que são fundamentais para entendermos a magnitude da importância do oceano nas nossas vidas e vice-versa.
Então, Salvador, em função das suas belezas, em função dos seus predicados, em função dos seus desafios, pode ser um grande dinamizador de um processo de transformação, dando exemplo de como podemos, de forma dialogada, de forma estruturante e estruturada, fazer esse processo de transformação acontecer na medida em que a gente reforça, resgata a nossa relação com o oceano e reforça os vínculos que nos associaram até aqui.
Esse é um grande potencial que nós temos no Festival dos Baleias, com a presença das crianças, com a possibilidade de elas dialogarem com os tomadores de decisão do Estado, trazendo os seus sonhos, trazendo as suas visões de futuro. E, com isso, podemos ter em Salvador uma grande expectativa de como faremos essa transformação.
Legado do Ocean Dialogues
Quais são suas expectativas em relação ao legado que o Ocean Dialogues pode deixar, tanto para a comunidade científica quanto para a sociedade em geral? Como esse evento pode influenciar futuras ações e políticas em prol dos oceanos?
O principal legado do Ocean Dialogues é criar um mecanismo de diálogo continuado de oceano, não só no G20, mas em todos os lugares, que é fazer com que consigamos efetivamente entender que tudo o que acontece no planeta acaba dependendo direto e indiretamente do oceano e acaba afetando direta e indiretamente o oceano.
Nesse sentido, a grande expectativa é que a gente tenha na África do Sul e nos Estados Unidos – e na sequência dos países que vierem – esse tema com destaque, tanto do ponto de vista individual, ou seja, ele tem uma certa centralidade, mas ele tem uma transversalidade que precisa ser cada vez mais exercitada entre os diferentes temas que são tratados no G20.
O principal tema que ampara o G20 é a economia e o oceano é um elemento fundamental para trazer resiliência, trazer segurança econômica no mundo em vários aspectos.
Desta forma, é fundamental que os países entendam isso e fortaleçam essa discussão para que a gente consiga explorar de forma bastante racional a potencialidade que o oceano tem de gerar e compartilhar prosperidade.
A gente imagina que o oceano do futuro vai ser aquele que a gente deseja, vai ser aquele que é generoso, aquele que é inclusivo, aquele que é pujante, que é próspero, que é azul, considerando-se os mais variados tons. É isso que vamos buscar, o oceano para todos!