Da esquerda para direita: Marcio Astrini, Ana Toni e Marcos Woortmann – Imagem: Divulgação
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Como evitar que as mudanças climáticas e outros problemas socioambientais graves sejam financiados pelo setor financeiro? Essa foi apenas uma das questões levantadas no painel “Alignment of financial regulations regarding climate, environmental and social risk management” (em português, Alinhamento das regulações financeiras em relação aos riscos climáticos, ambientais e sociais), que reuniu especialistas da sociedade civil e do executivo federal durante a Conferência do Clima da ONU, que está sendo realizada em Baku, no Azerbaijão. O objetivo foi debater uma proposta de regulação financeira uniforme que se aplique a todas as instituições financeiras – bancárias, seguradoras, entidades de previdência e gestoras de investimentos – a adotar critérios que de fato impeçam o envolvimento em atividades que causam danos climáticos ou socioambientais.
Sabe-se que as atividades econômicas dependem de recursos financeiros para se desenvolver – rurais ou urbanas, de pequeno, médio ou grande porte, a maior parte dos empreendimentos recorre ao setor financeiro em algum momento para se financiar. Isso pode acontecer buscando crédito em um banco, recursos de investidores no mercado aberto de capitais (Bolsa de Valores, corretoras, etc), grandes investidores que negociam diretamente com as empresas ou ainda com a intermediação de uma gestora de ativos.
Mas a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas também dependem de recursos financeiros – e o tema central desta COP 29 é o montante de recursos que será investido nisso, sobretudo, por parte dos países desenvolvidos, que, proporcionalmente, foram e são responsáveis pela maior parcela das emissões de gases de efeito estufa que levou o mundo à situação atual.
Para esclarecer como funcionam as regulações financeiras no Brasil, Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica e fundadora da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), explicou que o Brasil possui quatro reguladores financeiros distintos: Banco Central, regulador bancário e autoridade monetária; CVM, regulador de mercado de capitais; SUSEP, regulador de seguros e previdência complementar aberta; e PREVIC, regulador de entidades de previdência complementar fechada. Atualmente, a forma como cada um deles atua é heterogênea, levando ao que se chama de “arbitragem regulatória” – quando um ator do mercado compara regras para optar pela que é mais favorável ao seu negócio.
Crédito rural tem regulação abrangente
Um bom exemplo é o do agronegócio brasileiro, que tem recorrido cada vez mais ao mercado de capitais para se financiar, escapando, assim, das exigências socioambientais do crédito rural, que não existem nos produtos financeiros do mercado de capitais, por exemplo. Luciane Moessa ressaltou que, apesar de haver ainda pontos de aprimoramento necessários, a regulação e a supervisão do crédito rural no Brasil é o que há de mais avançado nesse sentido, não apenas quando comparada com a do mercado de capitais (incluindo investimentos em geral, não somente os do agronegócio), mas também a de seguros e até mesmo às demais operações de crédito.
Luciane ressaltou ainda cinco pontos importantes da regulação do crédito rural, que precisam ser seguidos pelos demais entes do setor financeiro e pelas demais operações de crédito: a definição clara do universo de transações que deve passar por avaliação de risco socioambiental e climático (o que não existe em nenhum outro universo de operações, deixando de fora na prática uma série de transações com riscos e impactos negativos); conhecimento da localização exata do empreendimento financiado: diligências socioambientais obrigatórias claramente definidas, incluindo o cumprimento da legislação socioambiental aplicável à atividade econômica; base de dados ambientais e sociais proveniente de outros entes públicos integrada à base de dados do crédito rural, além de algumas informações facultativas sobre desempenho climático e socioambiental, e essa base de dados é compartilhada com as instituições financeiras, e consequências claras para as hipóteses de descumprimento das regras, tais como o impedimento da concessão do crédito rural.
Claudio Filgueiras, Chefe do Departamento de Crédito Rural do Banco Central do Brasil, explicou que seu departamento tem um fluxo anual de 2,3 milhões de operações, num total de US$74 bilhões de dólares. Devido ao sistema de integração de bases de dados, que inclui o Serviço Florestal Brasileiro, IBAMA, ICMBio, FUNAI, INCRA, Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça, Agência Nacional de Águas, INMET e Ministério Público Federal, somente em 2024 mais de US$ 1 bilhão foram bloqueados em razão de terem sido encontradas irregularidades sociais ou ambientais.
O sistema inclui monitoramento de imóveis por satélite e, no momento, está sendo desenvolvida uma parceria com a Embrapa e o INPE que permitirá um conhecimento amplo de cada imóvel rural que solicita crédito. Claudio Filgueiras esclareceu que existem planos para incluir operações do mercado de capitais e que, desde a Resolução BCB 204, que criou o CACR, o pilar da transparência tem sido fortalecido nas operações de crédito rural.
Já Ana Toni, Secretária Nacional de Mudanças do Clima, que nesta conferência atua ainda como Conselheira da Presidência, defendeu que o diálogo entre o setor financeiro e a área ambiental é fundamental e vê como muito positiva a participação de Ministros das Finanças nas conferências do clima. A questão climática, apontou ela, ainda costuma ser vista como um nicho por muitos, “mas é uma questão fundamental transversal a toda a economia”. Sobre o tema central desta conferência (contribuição para o financiamento climático e a fonte de recursos), Ana enfatizou que o valor definido precisa ser suficiente, acessível e chegar a tempo onde é necessário, mas que será preciso “usar um leque de instrumentos financeiros para dar conta disso.”
Marcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, um dos debatedores, afirmou que esse quadro só vai ser alterado com a aplicação efetiva das normas pelos entes públicos competentes. A diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, Raissa Ferreira, por sua vez, apresentou a campanha lançada em abril deste ano pela organização, “Bancando a Extinção”, que tem como objetivo estimular mudanças sistêmicas no setor financeiro. Ela explicou que no início o foco da campanha foi o crédito rural. Por isso, foi feito um estudo abrangendo operações firmadas entre 2018 e 2022, antes de algumas alterações regulatórias realizadas em 2023. Foram encontrados casos de crédito rural concedido para imóveis com sobreposição com terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas não destinadas, imóveis embargados pelo IBAMA (mesmo no bioma Amazônia), entre outros. Mesmo com as mudanças já realizadas em 2023, o Greenpeace defende que outras alterações são necessárias, como vedar crédito para o imóvel embargado por uso ilegal de fogo e a exigência de rastreabilidade do gado, o que impediria o financiamento também de entes da cadeia de produção.
O painel foi mediado por Marcos Woortmann, Diretor Adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade. Marcos frisou a importância de que outros reguladores financeiros, que não contam com a mesma estrutura do Banco Central do Brasil, ao invés de duplicar esforços, atuem de forma integrada para tornar mais eficiente a atuação da administração pública. Ele disse que, ao longo deste ano, 11 organizações da sociedade civil trabalharam muito para apresentar ao governo uma proposta de Decreto federal sobre o tema. Além de SIS, IDS, Greenpeace e Observatório do Clima, que participaram do painel, as setes outras são: Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Ethos, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), Instituto Cerrado do Brasil, Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente (ABRAMPA) e Instituto de Direito Coletivo (IDC). A proposta elaborada pelas organizações pode ser acessada aqui.