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ARTIGO
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POR – DIEGO FERNANDES*, ESPECIAL PARA NEO MONDO
O problema global das mudanças climáticas ganha cada vez maior atenção em âmbito local, onde seus graves impactos tornam-se evidentes e frequentes. A tragédia do Rio Grande do Sul, com perdas humanas e significativos prejuízos materiais, expôs um cenário mais amplo de vulnerabilidade em todo o Brasil. E aqueceu o debate sobre as formas de adaptação das cidades à nova realidade.
Estão em voga infraestruturas resilientes, construções projetadas para suportar condições adversas, sistemas de drenagem eficientes, pavimentos permeáveis e construções elevadas, entre outras soluções para prevenção e redução de danos em casos de eventos extremos.
O tema merece, no entanto, ser inserido em um planejamento urbano mais amplo, e ganhar da administração pública uma contribuição efetiva e crucial, como contratações públicas, incluindo critérios de sustentabilidade e resiliência nos editais de licitação. Isso garantiria que as empresas contratadas pelo setor público utilizassem materiais e técnicas apropriados para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, como tempestades e enchentes. Adaptar as licitações públicas também permite a adoção de tecnologias inovadoras e sustentáveis, incentivando padrões de construção mais seguros e duráveis.
No Brasil, já há normas que permitem uma atuação proativa da administração pública neste sentido. O princípio constitucional da eficiência, por exemplo, exige que a administração pública adote soluções que maximizem os benefícios ao menor custo possível. Infraestruturas resilientes garantem maior eficiência ao reduzir os custos com reparos frequentes e aumentar a durabilidade das obras, tornando-se soluções mais econômicas a longo prazo. O princípio do desenvolvimento nacional sustentável, incluído na nova Lei de Licitações, é outro exemplo de norma que orienta gestores públicos a priorizar materiais e práticas que respeitem o meio ambiente, garantindo que as contratações públicas contribuam para a sustentabilidade.
No contexto das mudanças climáticas, a aplicação destes princípios significa projetar e construir infraestruturas que respondam às novas realidades ambientais. Embora o custo inicial de tais obras possam ser mais elevado, sua durabilidade e capacidade de proteção a longo prazo justificam o investimento.
No âmbito federal, o Novo PAC, lançado em 2023, destina recursos para Cidades Sustentáveis e Resilientes, englobando áreas como esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e prevenção de desastres por meio de contenção de encostas e drenagem urbana. Essas iniciativas demonstram que o setor público brasileiro pode (ou deve) desempenhar um papel central na promoção de infraestruturas resilientes, embora sua adoção como regra das licitações públicas ainda pareça estar distante.
Exemplos externos
Ao redor do mundo, países como a Bélgica já avançam no sentido de exigir serviços confiáveis em face de impactos climáticos em contratos públicos. Mas não são muitos: a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em estudo de 2017, aponta que o exemplo belga não inspirou efetivamente a União Europeia e poucos países incorporam amplamente a resiliência climática em suas contratações públicas, apesar da tendência crescente de “compra verde”.
No âmbito internacional, o tema é tratado pela Agenda 2030 e pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura) e o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis), que fornecem diretrizes para integrar a resiliência climática nas práticas administrativas, visando criar comunidades mais seguras e adaptáveis às mudanças climáticas.
O Brasil está no início da jornada de implementação dos ODS. Um primeiro passo é a elaboração do Plano Clima, que definirá diretrizes para a política climática nacional até 2035. No legislativo, alguns projetos de lei abordam a adoção dos ODS por entidades que recebem verba pública, além de prever regras orçamentárias para a prevenção de desastres, com a implementação de infraestruturas resilientes.
Urgência e determinação
Dados do Atlas Digital de Desastres do Brasil mostram que, entre 2014 e 2023, 83% dos municípios do país foram afetados por eventos decorrentes das mudanças climáticas, gerando prejuízos de mais de R$ 421 bilhões. Um total de 1,5 milhão de moradias foram danificadas e quase 5 milhões de pessoas foram diretamente atingidas. A plataforma AdaptaBrasil revela que mais da metade dos municípios brasileiros apresenta alta vulnerabilidade a desastres, como enchentes e deslizamentos, enquanto 48% têm baixa capacidade para enfrentar secas.
Esses dados reforçam a necessidade urgente de infraestruturas adaptadas, que resistam e protejam as cidades. Ao incluir critérios de sustentabilidade e resiliência nas licitações públicas, o setor público pode não apenas reduzir custos futuros com reparos, mas também cumprir seu papel constitucional de eficiência e proteção ambiental.
A implementação das diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o avanço de programas como o Novo PAC são passos importantes, mas é necessário que se convertam em práticas concretas.
Para enfrentar as mudanças climáticas, o Brasil precisa de uma ação coordenada, que envolva todos os níveis de governo e fomente parcerias com o setor privado. Apenas assim será possível transformar a resiliência em uma prioridade, promovendo cidades que estejam realmente preparadas para os desafios do futuro.
*Diego Fernandes é counsel na área de Direito Público e Assuntos Governamentais do Campos Mello Advogados em cooperação com o DLA Piper.