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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
E chegou o Natal. Comércio cheio, donos de lojas com olhinho brilhando de satisfação, casais, famílias espremendo-se nos corredores dos shoppings mirando extática e freneticamente para as ofertas, buscando a lembrancinha que falta pra colocar na árvore. Também os supermercados fervilham: castanhas, passas, bacalhau ( ainda bem que não tem cabeça, pra ninguém saber que peixe realmente está comprando), frutas frescas, panetones, perus, uma montanha de calorias sendo preparadas para receber a família, os amigos, todo mundo junto e misturado. Além das últimas festas da firma, os amigos ocultos , e lá vai mais um dinheirinho pra comprar o presente mais bacaninha porque deu azar e você pegou logo o seu chefe de departamento. Enfim, uma verdadeira travessia para tudo ficar pronto pra grande festa em homenagem ao menino Jesus.
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Para os religiosos, some-se a tudo isso ainda as missas, principalmente a missa do Galo, que é meia noite. Uma agenda das mais intensas. Mas vale a pena, porque o homenageado merece. Não esqueçamos que também o nascimento dele foi um perrengue danado e, mesmo assim, teve convidados e teve presentes e teve muita luz e alegria ali na manjedoura, com os bichinhos todos que fizeram companhia pra Maria e pro José, tão preocupados com seu rebento.
Poucas festas mobilizam tanto a vontade de não ter confusão, de todo mundo deixar as rusgas em suspenso e se abraçar e se emocionar com as lembranças e os discursos, e ficar meio alegrinho com as espumantes, desde as mais simplezinhas, com alumínio cor de rosa, até as mais sofisticadas, secas e rascantes, com lindos rótulos cor de laranja. Além das divergências, os regimes alimentares também são suspensos , o que franqueia o consumo dos salpicões e canudinhos de maionese, junto com uma porção farta de fio de ovos e pêssegos em calda, que acompanha o porquinho assado lentamente ao longo de todo o dia, ou o peru de pele crocante .
O Natal é o grande desfecho do ano atribulado e cheio de preocupações desestabilizadoras, das contas para pagar que nunca terminam, das crises de depressão ou da vontade de largar tudo e sumir no mundo, das incertezas sobre o que vem pela frente ou se ainda seremos atropelados pelo que deixamos para trás. Tudo isso junto dá uma vontade de chorar ou de rir desbragadamente, de dançar em frenesi ou dormir por dois dias seguidos. Mas então tem o Natal e , como um milagre de Jesus, que as escrituras esqueceram de registrar, saímos fazer compras para agradar nossos filhos, pais, esposas, maridos, amigos e amigas queridos. E enfurnamo-nos na cozinha e fazemos pratos elaborados. E limpamos a casa e enfeitamos a mesa e gastamos o dinheiro que não temos para deixar tudo lindo e recebemos nossos convidados e os abraçamos , retendo seus corpos por mais tempo do que o aconselhável junto ao nosso, passando e recebendo a energia do Natal, a energia do compartilhamento da esperança de que, afinal, ainda estamos vivos e estamos aqui, para o que der e vier.
Penso que essa é a grande lição dessa data. Deus, depois de ter abandonado Adão e Eva, só porque eles foram imperfeitos, resolveu mandar seu próprio filho para testar essa experiência de ser humano. E sentir, na própria pele ( já que Pai e Filho são um só, como até hoje), as hesitações, os medos, as alegrias, os desejos, a ira e a comiseração que só nós somos capazes. O nascimento de Jesus foi a grande aposta de Deus em si mesmo, na sua reciclagem como Pai, ao aprender , por meio de seu Filho, a natureza surpreendente da nossa humanidade. Confusa, contraditória, ambígua, um tanto cínica mas, também, maravilhosamente espontânea e camarada. Como um Natal em família.
Mazal Tov.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros
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