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ARTIGO
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Por – Gesner Oliveira* e Roberto Gianetti da Fonseca*, para Neo Mondo
A recém-aprovada Reforma Tributária almeja promover o crescimento da economia brasileira, mas algumas distorções na sua recente regulamentação podem causar alguns desastres setoriais. O caso do setor de saneamento constitui o exemplo mais escandaloso. Se nada for feito, um setor tão crucial para a saúde e meio ambiente sofrerá uma criminosa elevação da carga tributária.
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A razão é simples. Atualmente, os serviços de água e esgoto são tributados pelo PIS/COFINS, sem incidência de ICMS ou ISS. A substituição do PIS/COFINS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) a partir de 2027, seguida pela introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) entre 2029 e 2033, resultará em um ônus tributário inédito para o setor. Estudo minucioso realizado pela GO Associados e validado pela equipe de especialistas da Kaduna Consultoria mostrou que na ausência de um tratamento diferenciado, a tarifa de água e esgoto subirá em média algo próximo a 18% para a população brasileira!
Reajustes dessa ordem de magnitude em setores regulados, como o de saneamento básico, provocam profundos desequilíbrios nos contratos, comprometendo os investimentos indispensáveis para que este serviço essencial seja fornecido para toda população brasileira, conforme estabelecido pelo novo marco legal do saneamento (Lei 14026/20).
Atualmente mais de 30 milhões de pessoas no país ainda não recebem água tratada, quase metade da população não tem coleta de esgoto, e mais da metade do esgoto gerado é devolvido in natura para as lagoas, rios, e oceano. Não surpreende que o país enfrente toda sorte de doenças por veiculação hídrica, como o surto de virose que assola o litoral do estado mais rico do país. Além dos aspectos sanitários, a disponibilidade de saneamento é uma questão de dignidade humana.
Estima-se que sejam necessários algo entre R$ 500 bilhões e R$ 800 bilhões para eliminar esta vergonha nacional. Assim, aumentar a carga tributária sobre o setor é irracional e contrário à própria diretriz da Reforma Tributária, de criar no Brasil uma estrutura tributária menos regressiva e mais justa socialmente.
Lembre-se que diferentemente de outros setores regulados, como energia elétrica e telecomunicações, a regulação no saneamento é extremamente pulverizada: são mais de uma centena de reguladores municipais, intermunicipais e estaduais! Isso torna ainda mais difícil e morosa a tarefa de reequilibrar os contratos para assegurar o investimento, comprometendo a meta de universalização.
A ideia de que o mecanismo de cashback poderia compensar os efeitos sobre a tarifa é pura fantasia. Para além das inúmeras dificuldades práticas de aplicação em áreas informais e remotas do país e das diversas possibilidades de fraude, o mecanismo deixa de lado um contingente estimado de 90 milhões de pobres que não estão incluídos no cadastro do Cadúnico. Mas o pior é que ao não evitar o enorme desequilíbrio contratual, compromete a universalização dos serviços, deixando desatendidos precisamente as camadas mais pobres da população que habitam as áreas mais desassistidas de saneamento básico.
Há uma solução óbvia que poderia vir a ser implementada tendo em vista a tramitação de projeto de lei complementar sobre a matéria da reforma tributária. Urge equiparar o tratamento do setor à saúde, permitindo redução de 60% da alíquota. Isso nada mais seria do que fazer o certo do ponto de vista da ciência: tratar o saneamento como um vetor de saúde pública pela simples razão de que saneamento é de fato saúde! Isso minimizaria os impactos para os consumidores e manteria os investimentos no setor, acarretando efeito imaterial sobre a alíquota efetiva média da tributação sobre consumo de bens e serviços.
O Brasil tem apresentado um atraso histórico neste setor desde os tempos coloniais. Uma Reforma Tributária em prol do desenvolvimento sustentável exige a coragem de fixar prioridades e romper com tal negligência perversa. Isso passa por evitar uma verdadeira derrama sobre o setor reconhecendo o óbvio: saneamento é saúde!
*Gesner Oliveira – Ex-presidente da Sabesp, Professor da FGV e sócio da GO Associados.
*Roberto Gianetti da Fonseca – Economista, empresário e Presidente da Kaduna Consultoria.