POR – EMBRAPA
Ao mesmo tempo em que contribuem diretamente para a agricultura e a produção de alimentos – cerca de 70% das plantas de importância para a alimentação humana dependem de polinização – as abelhas estão entre as principais vítimas dos sistemas agrícolas convencionais. Para discutir a importância dos serviços de polinização e a adoção de medidas prementes em prol da preservação desses insetos, o Congresso de Agroecologia promoveu na tarde de ontem (13/09) a mesa redonda “Abelhas e os serviços de polinização”, coordenada pela pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Carmen Pires, com a participação das professoras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Blandina Viana e Faavizia Freitas, e da professora da Universidade de Brasília (UnB) Luísa Carvalheiros.
A síndrome conhecida como Distúrbio do Colapso das Colônias (CCD) já é uma realidade nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Nos EUA, os números são alarmantes. Na década de 1940, dados apontavam a existência de 5,9 milhões de colônias de abelhas. Em 1998, esse número caiu para 2,5 milhões. No Brasil, a CCD ainda não está comprovada, apesar de relatos de declínio e perda de colônias, especialmente nos estados de São Paulo e Santa Catarina. A principal vítima é a espécie mais abundante, a Apis melífera, também conhecida como abelha europeia, mas as espécies nativas do Brasil também estão em risco.
Polinização impacta na quantidade, mas também na qualidade dos produtos agrícolas
Além de impactar diretamente na quantidade de espécies cultivadas – no Brasil, das 141 espécies de plantas cultivadas para uso na alimentação humana, produção animal, biodiesel e fibras, aproximadamente 60%, ou seja, 85 espécies dependem da polinização animal – a visitação de abelhas nas culturas agrícolas influencia também a qualidade das plantas. Carmen pôde comprovar essa característica in loco quando participou da Rede de Polinizadores do Algodoeiro no Brasil, que avaliou os efeitos da polinização em plantas de algodão em regiões de agricultura intensiva e em lavouras agroecológicas de várias regiões.
Na cotonicultura tradicional, foram encontradas apenas três espécies de abelhas, enquanto que nos plantios agroecológicos, sem o uso de agrotóxicos, esse número chegou a 35. Os estudos realizados pela Rede comprovaram que a polinização feita por abelhas aumenta em cerca de 16% o peso da fibra, com 17% mais sementes por fruto, além de sementes mais vigorosas.
Favízia Freitas apresentou a importância das abelhas como componentes da biodiversidade. Há uma ampla diversidade de animais que participam da polinização. São aves, mamíferos como morcegos e alguns roedores e insetos Mas, entre todos esses os principais são os insetos, responsáveis por 90% dos serviços de polinização. Entre os insetos, as abelhas são protagonistas, com 85% da polinização de plantas agrícolas de importância para a alimentação humana.
Luísa Carvalheiros ressaltou que a combinação que embasa a agricultura convencional intensiva (terra + agrotóxico + fertilizantes) é um ciclo perigoso para a biodiversidade e para a própria agricultura. Hoje, dois bilhões de pessoas dependem diretamente da agricultura em pequenas propriedades. Para ela, o conceito que deve ser fortalecido no cenário agrícola mundial é o da intensificação ecológica.
Brasil em alerta: abelhas estão ameaçadas
As principais ameaças às abelhas são a supressão de seus habitats naturais pela expansão da fronteira agrícola e o uso excessivo de agrotóxicos. Mas, há formas de reverter ou, pelo menos, atenuar a perda de colônias no Brasil. O uso de práticas agroecológicas amigáveis ao meio ambiente é fundamental nesse sentido. Entre essas, destacam-se: manejo inteligente da paisagem, com a adoção de cultivos heterogêneos e conectados, conservação do solo, redução na aplicação de defensivos químicos ou, pelo menos, utilização mais racional com aplicações em horários não compatíveis com a visitação das abelhas. Paralelamente, é premente também investir na capacitação dos agricultores.
Blandina Viana falou sobre a IPBES (The Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), da qual é membro, Trata-se de uma iniciativa internacional que reúne 124 representantes de países membros da ONU em prol da adoção de boas práticas na agricultura mundial.
O desaparecimento de abelhas foi considerado como prioritário para a Plataforma e resultou na definição de 10 diretrizes para auxiliar os governantes mundiais na elaboração de políticas públicas voltadas à preservação dos polinizadores em nível global. As orientações foram aprovadas na Conferência das Partes, realizada ano passado em Cancun, México, o que significa que passam a ter status de políticas regionais a serem adotadas pelos países membros, entre os quais se inclui o Brasil. São elas:
1 – Aprimorar os padrões regulatórios de pesticidas.
2 – Promover o manejo integrado de pragas (MIP).
3 -Incluir efeitos indiretos e subletais na avaliação de riscos de culturas geneticamente modificadas.
4 – Regular o movimento dos polinizadores manejados entre os países.
5 -Desenvolver incentivos, tais como seguros, para incentivar os agricultores a utilizar serviços ecossistêmicos, como polinização, ao invés de agroquímicos.
6 – Reconhecer a polinização como um insumo agrícola nos serviços de extensão.
7 – Apoiar sistemas agrícolas diversificados.
8 – Conservar e restaurar os habitats de polinizadores nas paisagens agrícolas e urbanas.
9 – Desenvolver o monitoramento de polinizadores a longo prazo
10 – Financiar pesquisas participativas para intensificar o uso de práticas de agricultura orgânica, diversificada e ecologicamente correta.
Essas diretrizes foram também tema de artigo na revista Science em 2016, do qual Blandina e Carmen participaram como autoras.
Instrução normativa do Ibama aumenta a rigidez a aprovação de agrotóxicos
Um dos impactos positivos dessas diretrizes no Brasil foi a aprovação da Instrução Normativa nº 2 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 10 de fevereiro de 2017 , que torna mais rígida a avaliação de risco de agrotóxicos que ainda não existem no Brasil e também a reavaliação de produtos que já se encontram no mercado brasileiro. O documento é resultado do esforço conjunto do Ibama, Embrapa e representantes da Academia e da Industria, que em 2015, constituíram um grupo técnico de trabalho (GTT) para discutir procedimentos de avaliação de risco com foco nos polinizadores, mais especificamente as abelhas.
Mas, ainda há muitas lacunas no País no que se refere à preservação de insetos polinizadores. Por isso, os pontos abordados durante a mesa redonda vão resultar em um documento a ser encaminhado a órgãos legisladores e fiscalizadores com orientações para auxiliar os governantes brasileiros na definição de políticas públicas que auxiliem o Brasil a proteger a sua biodiversidade, incluindo as abelhas.