Fêmea de pararu-espelho em cativeiro – Carlos Keller.
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Nova análise renova esperança de que a pequena pomba ainda seja encontrada na natureza, depois que uma oportunidade para salvar a espécie foi perdida
Uma equipe de cientistas do Brasil, Argentina e Reino Unido reuniu todos os registros históricos da pararu-espelho (Claravis geoffroyi, ou Paraclaravis geoffroyi), espécie criticamente em Perigo de extinção, em um artigo que acaba de ser publicado pela revista científica “Frontiers in Ecology and Evolution”. O artigo mostra como ao longo das décadas a espécie ficou restrita a uma área cada vez menor de floresta no Sudeste do Brasil e Norte da Argentina, aumentando suas chances de desaparecimento.
Uma pombinha enigmática
Algumas aves na Mata Atlântica são naturalmente raras, e outras, pouco conhecidas, principalmente pela ausência ou insuficiência de pesquisas sobre essas espécies. Por essa razão, muitas se tornam ameaçadas de extinção sem que as pessoas percebam.
Foi o que aconteceu com a pombinha pararu-espelho, encontrada apenas em pequenos fragmentos de floresta na Mata Atlântica do Brasil, Argentina e Paraguai. A espécie é especialmente sensível ao desmatamento e fragmentação de seu habitat, uma vez que depende de bambus nativos em floração. Por conta disso, não há fotografias publicadas ou gravações sonoras dessas espécies na natureza – apenas espécimes antigos e relatos de avistamentos.
“No início, achei muito difícil que a pararu-espelho conseguisse evitar ser fotografada pelo número cada vez maior de observadores de aves interessados na espécie, munidos de câmeras e uma incansável persistência. Mas nossa análise do registro de avistamentos oferece um vislumbre de esperança de que a espécie ainda exista, especialmente nas florestas tropicais do norte da Argentina”, comenta o autor principal do artigo, Alexander Lees, da Universidade Metropolitana de Manchester.
Mudanças na lei
A equipe de pesquisadores entrevistou criadores de aves, pois a pomba era conhecida por ter sido mantida em cativeiro por avicultores até o início da década de 1990, quando o governo proibiu a reprodução da espécie na tentativa de protegê-la de armadilhas ilegais.
“A perda da preciosa população de cativeiro foi um duro golpe para os esforços de conservação – a legislação tinha boas intenções, mas foi totalmente equivocada, pois perdemos a melhor chance de salvar a espécie da extinção”, comenta outro coautor do artigo, Luis Fabio Silveira, da Universidade de São Paulo.
Um desses criadores da década de 1990, Carlos Keller, que posteriormente foi convidado para participar do artigo, pôde compartilhar os primeiros vídeos e gravações sonoras da espécie, junto com notas detalhadas sobre seu manejo e hábitos. E esse material vai auxiliar os pesquisadores a implantar dezenas de gravadores de som autônomos no final do ano, perto das florações de bambu, em um esforço para encontrar a espécie.
“O tesouro de dados de Carlos Keller nos oferece informações que podem ser muito importantes para encontrar a espécie na natureza novamente, e seu conhecimento sobre a criação em cativeiro da pararu-espelho pode ser crítica se pudermos encontrá-la e estabelecer um programa de reprodução para conservação”, comenta Ben Phalan, chefe de conservação do Parque das Aves.
Perda de habitat e os bambus nativos
Floradas de bambu nativo da Mata Atlântica são o principal habitat da pararu-espelho. Como ela se alimenta das sementes dessas taquaras, que após espalhar suas sementes, morrem, a pomba leva uma existência nômade – um estilo de vida que é muito difícil de manter quando fragmentos de floresta podem ser separados por dezenas de quilômetros de fazendas de terras cultivadas.
“O declínio dessa espécie é um sinal de que as florestas ricas em bambu e as espécies associadas a elas estão sob ameaça. A melhor esperança para a sobrevivência a longo prazo da pararu-espelho é a proteção de grandes extensões de floresta tropical com bambus nativos, cuja importância ecológica muitas vezes não é apreciada”, diz Juan Areta, coautor do artigo.
Cerca de 90% da Mata Atlântica foi desmatada e, embora agora haja sinais de regeneração em algumas áreas, essa perda de habitat levou a um declínio abrupto da população de pombos no século 20.
Uma luz de esperança para diversas espécies
A pararu-espelho é ave pequena e cinza que tem esse nome por apresentar manchas de brilho metálico em suas asas, lembrando espelhos. E Claravis vem do latim, de Clarus, clarens, que significa “iluminado, claro, brilhante”, e avis, “ave”, foi até mesmo inspiração para a mudança de rumo do trabalho do Parque das Aves, em Foz do Iguaçu.
Na época que o desaparecimento da espécie foi notada na região onde fica o Parque, a diretora geral do atrativo, Carmel Croukamp, decidiu focar todos os esforços na conservação de espécies da Mata Atlântica, com a missão de impedir que outras espécies de aves desaparecessem.
“Chega o momento de repensar uma ação mais efetiva do Parque para os próximos anos com o objetivo de lançar luz sobre esse tema, destacando que todos temos a responsabilidade de apoiar e proteger”, conta Carmel.
Hoje, um instituto foi criado pelo Parque das Aves para trabalhar com espécies ameaçadas, em homenagem à pararu-espelho: o Instituto Claravis.
Imagem – Divulgação