A morte dos corais relacionada ao aquecimento dos oceanos ocorre por um processo chamado de branqueamento, causado quando a temperatura da água fica 1°C acima da média a longo prazo – Imagem: Doug Monteiro / WWF-Brasil
POR – WWF-BRASIL / NEO MONDO
Os corais do Atlântico Sul são essenciais para a sobrevivência da biodiversidade marinha e das comunidades costeiras
Um comunicado conjunto da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês) e da Iniciativa Internacional para Recifes de Coral (ICRI, na sigla em inglês) publicado nesta segunda-feira (15) alerta que o mundo passa por um novo episódio de branqueamento em massa de corais. Segundo cientistas, este pode se tornar o pior período de branqueamento já registrado, mais uma tragédia ambiental, consequência do superaquecimento do oceano, gerado pela crise climática. O fenômeno chamou muita atenção na Grande Barreira de Corais da Austrália, no entanto, também vem sendo constatado em outros países, inclusive no Brasil.
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“É algo semelhante às enormes queimadas que vimos acontecer recentemente no Pantanal, na Amazônia, nos Estados Unidos, na Europa, e que sensibilizaram profundamente a sociedade. Mas nesse caso, está ocorrendo embaixo da água. A maior parte das pessoas não percebe, mas o estrago ecológico e social é o mesmo, se não maior”, alerta Marina Corrêa, analista de Conservação do WWF-Brasil, especialista em corais e oceanos.
Uma em cada quatro espécies marinhas vive, ou passa parte da vida, nos recifes de coral, como peixes, moluscos, algas e crustáceos. Neles estão cerca de 65% dos peixes marinhos. “Quando os corais morrem, toda a biodiversidade que ele abriga e alimenta também se perde”, explica Marina. Isso tem impacto na vida das populações costeiras, que vêm sua fonte de renda e alimentação, relacionada à pesca, diminuir.
Pela sua beleza, os corais são também atrativos para atividades relacionadas ao lazer, turismo e culturas locais. Outra grande contribuição desses ecossistemas é servir como uma barreira natural, protegendo as praias do impacto de ondas, reduzindo consequências da erosão, inundações tempestades e furacões, fenômenos que devem aumentar com a crise climática.
Um estudo realizado pela Fundação Grupo Boticário e Bloom Ocean em 2023 mostrou que os recifes de coral podem dissipar até 97% da energia das ondas. Eles também contribuem com quase 10% do valor de turismo em áreas costeiras no mundo, movimentando, em média, US$ 36 bilhões por ano.
Aquecimento global e branqueamento de corais
A morte dos corais relacionada ao aquecimento dos oceanos ocorre por um processo chamado de branqueamento, causado quando a temperatura da água fica 1°C acima da média a longo prazo. Diante desse estresse térmico, os corais expulsam as algas que vivem em seus tecidos, as zooxantelas, o que leva à perda de suas cores vibrantes, revelando seu esqueleto calcário, que é branco. Por meio da fotossíntese, as zooxantelas garantem nutrientes aos corais. Sem essas algas, eles conseguem sobreviver por algum tempo, mas ficam mais sujeitos a doenças e à morte.
Nos últimos 12 meses a temperatura média da atmosfera terrestre esteve quase 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Em fevereiro de 2024 a temperatura da superfície dos oceanos, em todo o mundo, foi a maior já registrada. A média para o mês chegou a 21,06°C, quebrando o recorde de agosto de 2023, de 20,98°C, segundo dados do observatório climático europeu Copernicus.
Junto com o fenômeno El Niño, o aquecimento da terra potencializado pela ação humana está levando a um calor oceânico inédito. “Mesmo limitando o aumento da temperatura global em 1.5°C, o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 2018 mostra que podemos perder entre 70% e 90% dos corais do mundo por causa do branqueamento”, explica Marina Corrêa.
Branqueamento no Brasil
Os únicos recifes de coral do Atlântico Sul se concentram no Nordeste brasileiro, estendendo-se por cerca de 3.000 km ao longo da costa, desde o Maranhão até o sul da Bahia. O Brasil possui 24 espécies de corais duros, sendo que algumas são encontradas somente no país.
Segundo o acompanhamento feito pelo Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste, vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), já foram identificados desde o início deste ano branqueamento de corais nas costas de Pernambuco e Sergipe.
“Este já é o quarto evento de branqueamento em massa global. Em 2019 e 2020 vimos que o Brasil não está imune, com corais de toda a costa brasileira sendo afetados. Agora, em 2024, estamos presenciando mais um evento desta magnitude”, aponta a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Beatrice Padovani. Segundo ela, não apenas a frequência das anomalias térmicas no oceano está aumentando, mas também o tempo que elas duram e sua intensidade. “Isso significa que nossos corais estão extremamente ameaçados. Assim como os fenômenos de seca e queimadas, o branqueamento dos corais aponta para o risco de sobrevivência da humanidade frente às mudanças climáticas”, completa.
De acordo com o estudo feito pela Fundação Grupo Boticário e Bloom Ocean em 2023, cerca de 275 milhões de pessoas vivem a até 30 km de recifes de coral que se concentram ao longo da costa brasileira. Estima-se que esses ecossistemas sejam responsáveis por 30 milhões de empregos e que 850 milhões de pessoas dependam e se beneficiem dos serviços deles provenientes.
O valor da proteção costeira de cerca de 170 Km2 de recifes na região Nordeste é de aproximadamente R$ 160 bilhões por ano. “Isto quer dizer que, ao conservar nossos corais, diminuímos a vulnerabilidade da costa em situações de eventos climáticos, como tempestades, furacões etc. Dessa forma economizamos R$ 941 milhões por Km2 em perdas materiais e imateriais”, explica a analista de Conservação.
Já o turismo em recifes de coral na costa do Nordeste pode gerar mais de R$ 7 bilhões por ano. “Ou seja, investir na conservação e restauração dos nossos corais é um ótimo negócio não apenas social e ambiental, mas econômico. Afinal, esses três segmentos estão totalmente relacionados”, aponta Marina Corrêa.
Soluções
O aquecimento dos oceanos é um fenômeno global e tem sido mais frequente devido às mudanças climáticas. Por isso, Marina Corrêa ressalta a importância de explicitar e enfatizar o assunto em reuniões e tratados internacionais, como o encontro da Cúpula de Líderes do G20 que, neste ano, acontece no Rio de Janeiro.
“Entre os temas prioritários estabelecidos pelo governo brasileiro para o GT de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas estão os oceanos. Esperamos sair dali com os países comprometidos em garantir meios de implementação para ações de conservação marinha e costeira como medidas para mitigar a crise climática e promover adaptação. Será crucial que essas medidas sejam incluídas nos seus Planos de Ação perante a Convenção do Clima (Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs)”, salienta Marina Corrêa. Já em nível local ela argumenta que é necessário investir na conservação das paisagens em que há recifes de coral, aumentando sua resiliência por meio da diminuição dos impactos cumulativos que afetam sua saúde. “Nesse sentido, o papel do poder público é fundamental para criar políticas e direcionar recursos financeiros que permitam criar uma rede robusta de Unidades de Conservação (UC) e monitoramento, além de promover pesquisas, melhorar o saneamento básico e fortalecer comunidades locais, o turismo e a pesca sustentáveis”, conclui.
Nesse sentido, o WWF-Brasil tem como prioridade ampliar a escala de ações de proteção de espécies ameaçadas de extinção por meio da incidência para a conservação da biodiversidade em políticas públicas.