O empreendedorismo é um dos caminhos para desenvolver a economia e criar acesso e inclusão econômica a milhares de pessoas – Imagem: Divulgação
ARTIGO
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Por – Elisângela Furtado, professora da Fundação Dom Cabral, especial para Neo Mondo
O ano era 2010. Entre os assuntos mais comentados por calouros em administração, estava o caminho que cada um iria trilhar. Evidentemente, as possibilidades eram inúmeras para os jovens entusiasmados, mas duas sobressaiam; abrir o próprio negócio e, a mais popular, obter uma posição em uma multinacional. Essas são lembranças do meu primeiro semestre na graduação, mas poderiam pertencer a tantas outras pessoas.
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Passados 14 anos, é possível compreender em uma perspectiva mais ampla o sentido das escolhas para as pessoas e os reflexos para o país. Ao longo da formação em gestão, a lógica é a de abraçarmos todas as tecnologias capazes de maximizar resultados e diminuir riscos. Soma-se a isso diversas gerações que viveram a instabilidade da “década perdida”, nome dado aos anos 80, em função da recessão econômica no Brasil. Por motivos diversos, passamos a valorizar a segurança e a estabilidade e sob essas condições, por muito tempo, a busca por um emprego pareceu ser a escolha mais óbvia.
Atualmente, o período histórico em que fomos capazes de alcançar capacidade de produção e processamento de informação sem precedentes divide lugar no cenário com os eventos extremos, tais como crises econômicas, políticas, migratórias, climáticas além da sanitária, discutida em 2012 no Fórum Social Temático Crise capitalista, justiça social e ambiental, em Porto Alegre (RS). Lidar com tantos avanços e desafios juntos demandam novas habilidades e, consequentemente, novos valores.
A quantidade de estudos que indicam o empreendedorismo como via para o crescimento econômico é enorme. A importância desse conhecimento é ainda maior para o Brasil, já que o país enfrenta desafios sociais que impactam a produtividade e a performance das empresas. De acordo com dados do IBGE, o percentual de pessoas vivendo na pobreza em 2023 foi de 31,6%, o que representa uma melhora em relação a 2021 (36,7%). Mesmo assim, o país contém a segunda maior população abaixo da linha da pobreza, considerando os demais no G20, o que significa que mais de 67 milhões de pessoas vivem com menos de R$640 por mês.
A desigualdade é uma das pedras no caminho do desenvolvimento do país, porque ela reflete uma situação na qual as pessoas não veem perspectiva. A luta diária por elementos básicos à sobrevivência não oferece condições e instrumentos de mudança e, principalmente, reduz a busca de alternativas para o curtíssimo prazo, como o que comer no dia seguinte. Fenômenos sociais são influenciados por diversos fatores, mas outro dado que indica alerta para a falta de perspectiva é a quantidade de pessoas que não estudam ou trabalham no Brasil, que em 2023 representou cerca de 19% da população. Não é gratuito o crescimento vertiginoso das Bets, que saltou de R$10,2 bilhões em 2020 para a projeção de R$130 bilhões em 2024. O mercado de apostas esportivas cresce entre um público bastante específico, as classes C e D. O volume movimentado parece ser a razão pela qual mesmo após melhora nos índices de emprego, esses grupos não tenham recuperado poder de compra.
Mudar é possível. Mais que isso, é preciso.
Precisamos reconhecer nossas pedras e aprender a usá-las como degraus. Uma sociedade marcada por desigualdade, violência e má qualidade de vida não é capaz de oferecer ambiente adequado para a prosperidade das empresas.
No início do século XX, um dos maiores dilemas socioeconômicos nos EUA era a baixa produtividade. O modelo de produção em massa idealizado por Henry Ford se tornou uma solução famosa e reproduzida à exaustão. O lado oculto desta história é que um dos fatores que fez com que sua proposta ganhasse tamanha proporção foi o desenvolvimento de um sistema de pagamentos com bônus e altos salários, que proporcionou a inclusão econômica dos funcionários. Ao imaginá-los como potenciais clientes e garantir a viabilidade desse processo, Ford deu início a uma transformação com proporção global, que elevou o padrão produtivo, popularizou os veículos e promoveu o crescimento da atividade econômica por impactar empresas e sociedade.
Esse caso pode criar a ilusão de que o insumo mais importante para o empreendedorismo seja a criatividade. Não é possível negar sua importância, mas é preciso mais do que isso para aprender a transformar pedras em algo diferente. Você é capaz de imaginar como a mudança da curva demográfica brasileira a partir de 2030, momento em que nos tornaremos a quinta maior população idosa do mundo, irá alterar nossa estrutura de mercado? Ou como o fato de que até 2050, uma a cada quatro pessoas no mundo será africana, proprietários de minerais críticos para a transição energética, pode indicar tendências em negócios?
A habilidade de transformar pedras em degraus exige criatividade, mas também demanda coragem para reconhecer os dilemas, conhecimento para desenvolver soluções, pensamento sistêmico para ler e analisar contingências. Nesses termos, o empreendedorismo é um dos caminhos que temos para desenvolver nossa economia e criar acesso e inclusão econômica a milhares de pessoas.