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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
O futuro não é mais como já foi um dia, isso sabemos. Havia um horizonte bem definido, e hoje já não há. Nós, os mais velhos, lembramos. Os mais jovens não, pois vivem imersos nesse presente permanente sem saber o que virá . E o que é pior: se virá.
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Há pelo menos 4 marcas sombrias pairando sobre as gerações Z e Alfa, como os 4 cavaleiros da história de João.
O primeiro é o cataclisma climático. Um futuro com 2,5 a 3 graus mais quente é uma incógnita sobre a possibilidade de sobrevivência. E se houver, em que condições será. Não só o calor, não só o derretimento das geleiras, não só as fúrias incontroláveis dos furacões e dos tornados, não só os incêndios imensuráveis, as secas devastadoras, mas todas as consequências disso tudo para a vida comum, para o sonho da vida estável, profícua, feliz.
O segundo é o cataclisma da poluição do oceano. O colapso da capacidade de reprodução da vida marinha está próximo e , pelo jeito, inevitável. Em 2050 teremos mais plásticos no oceano do que peixes. A poluição e o aquecimento alteram drasticamente as condições de vida nas águas e, junto com a pesca industrial – com redes que vão arrastando tudo no fundo dos mares – tudo aponta para uma hecatombe da vida oceânica e a formação de imensos desertos marinhos.
O terceiro cataclisma é a epidemia de dissociação cognitiva, fruto da imersão nas redes sociais das gerações mais jovens do planeta. Quanto mais expostos às mentiras e invenções dos aplicativos de mensagens e aos falsos mundos de perfeição e abundância das redes, menos capazes os jovens serão de desenvolver alguma consciência do perigo que os cerca. A pandemia foi, sem dúvida, o primeiro e perigoso sinal do quanto o negacionismo pode por em risco a vida de todos. A negação das crises do clima e da poluição , substituídas por discussões inócuas e absurdas sobre a conveniência ou não de banheiros únicos nas escolas ou sobre a exigência do ensino criacionista, expõe a todos para o caos de uma sociedade que , como na imagem famosa do avestruz, enfia a cabeça no chão julgando estar protegendo-se dos perigos. Isso sem falar de outra epidemia, de depressão, ansiedade e melancolia, de automutilações e suicídios de crianças e jovens, também associada a esta exposição intensa e infernal aos aplicativos digitais, que ocultam a vida real, como em uma inversão muito preocupante, na qual o falso é o verdadeiro e o verdadeiro é o impossível.
O último cataclisma é o do consumo excessivo, muito além do que o planeta, já há tempo, é capaz de suportar. Uma ideia de futuro calcada no sucesso econômico e nas manifestações materiais desse sucesso criaram uma demanda excessiva sobre o planeta. Todo mundo querendo carros potentes, querendo casa na praia, querendo viagens pelo mundo, querendo roupas de grife, comidas exóticas, e mais e mais, imaginando que haverá sempre um lugar para guardar tudo o que sobra e tudo o que não serve mais, sem inconvenientes, e que há uma fonte inesgotável de energia e matéria prima para produzir tudo de novo, sempre novo, com um design melhor, com a cor da moda do ano, com a paisagem perfeita e o clima calmo e sossegado para desfrutar o resultado do sucesso. Quase não há mais paisagens disponíveis para esse delírio. E não há um lugar para jogar fora as coisas que não servem mais . Na verdade, não há um fora .
Portanto, diante de um futuro com essas perspectivas climáticas, de crise da saúde física e mental, de esgotamento do planeta, isso sem falar de todas as incertezas que a tecnologia da Inteligência Artificial promove no futuro do trabalho e da educação, temos a vontade de gritar: impeçam esse futuro!
Isso tudo, inclusive, ajuda a entender a virada conservadora – e mesmo reacionária, medieval – de parte expressiva da juventude atual. Na falta de perspectivas melhores para o futuro, nada melhor do que se refugiar em um passado imaginado, um passado no qual as coisas são palpáveis e reconhecíveis e que o “certo era o certo” e o “errado, errado”.
Fartos do futuro, os jovens ignoram as urgências do presente e, com isso, diminuem a chance de fazer algo sobre esses problemas agora. Como lembrou o pensador israelense Yuval Harari, o paradoxo dos nossos dias é que precisamos “desacelerar rapidamente”. Mas, para isso, é preciso que reconheçamos que há um problema que afetará a todos nós agora, amanhã, muito em breve. Isso quer dizer que o trabalho de rever nosso modelo de viver nesse mundo é uma tarefa para ontem.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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