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POR – ROBERTA CIPOLONI TISO
As palavras moldam o mundo. Elas definem o que vemos, como interpretamos a realidade e, principalmente, onde escolhemos agir. Diante das inúmeras mudanças no início do novo governo dos Estados Unidos, uma em especial chamou minha atenção: a substituição de “mudança climática” por “resiliência” nos documentos oficiais. Não é apenas um detalhe linguístico — é uma redefinição estratégica do que será prioridade. Quando mudamos as palavras, também mudamos a direção da ação.
Essa escolha sugere um deslocamento do foco: em vez de combater as causas, ajustamo-nos às consequências. Mas podemos nos dar ao luxo de apenas resistir?
O poder da narrativa
A forma como falamos sobre o clima revela muito sobre nosso compromisso com o futuro. “Mudança climática” exige transformação. “Resiliência” sugere adaptação. No fundo, a questão não é semântica, mas estrutural: queremos resolver ou apenas suportar?
O problema não pode ser reduzido a um dilema entre adaptação e mitigação. Ambos são necessários. Não podemos nos contentar em construir diques mais altos e redes elétricas mais resistentes enquanto ignoramos a raiz do problema.
A resiliência na prática
Nos Estados Unidos, estados como a Flórida e a Califórnia estão investindo bilhões para reduzir riscos e fortalecer sua infraestrutura contra o clima extremo. Na Flórida, US$ 1,8 bilhão já foram alocados para conter enchentes e proteger áreas costeiras. Na Califórnia, os eleitores aprovaram um financiamento histórico de US$ 10 bilhões para fortalecer a resiliência climática.
Mas há algo inquietante nesses investimentos: eles estão na maioria focados em conter danos, não em prevenir sua causa.
E o Brasil? Aqui, os desafios são ainda mais profundos. Apesar de termos programas estruturados, como o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, os entraves financeiros e políticos continuam a dificultar avanços em larga escala. O recente desinvestimento estrangeiro, com a retirada de US$ 500 milhões dos EUA de projetos socioambientais no Brasil, é mais um reflexo da instabilidade dessa agenda.
O clima como risco e oportunidade
Empresas e investidores já perceberam que a crise climática não é apenas uma ameaça ambiental, mas um risco econômico real. O WEF Global Risks Report 2025 e o Eurasia Group Top Risks 2025 alertam para os impactos de eventos climáticos extremos, mudanças abruptas nas políticas ambientais e a crescente volatilidade dos mercados globais.
Aqueles que não se adaptarem pagarão um preço alto. Mas aqueles que enxergarem além da crise encontrarão oportunidades.
O setor de energia renovável, a tecnologia climática e as soluções de infraestrutura sustentável não são apenas tendências — são os pilares da nova economia. A inteligência artificial e o big data estão transformando a gestão de riscos, permitindo previsões mais precisas e respostas mais rápidas. Tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) e biocombustíveis estão ganhando força. O avanço da economia circular e o uso de materiais sustentáveis começam a diferenciar empresas no mercado global.
As escolhas feitas hoje definirão quem estará na vanguarda dessa transformação.
O que está em jogo
A substituição de “mudança climática” por “resiliência” pode parecer um detalhe burocrático, mas tem um significado profundo. Ela sinaliza uma mudança de direção — e talvez um desvio da urgência necessária. A resiliência é essencial, mas ela não pode ser uma desculpa para adiar a mudança estrutural.
A transição para uma economia sustentável exige coragem. Não basta reforçar as paredes contra a tempestade — precisamos reconstruir as fundações.
Porque ignorar metade da paisagem significa perder de vista o horizonte.
É diretora de Sustentabilidade e Comunicação da green4T, uma empresa de tecnologia e serviços para gestão de infraestrutura de dados presente em toda a América Latina. Está na companhia há cinco anos, tendo iniciado como diretora de Marketing e Sustentabilidade. Além disso, coordena o grupo de Sustentabilidade da Associação Internacional de Transporte Público (UITP) na América Latina. Foi diretora de Comunicação da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação de São Paulo (Assespro SP), onde atuou por quase dois anos.