Ariranhas no Reservatório Intermediário da Usina Hidrelétrica de Belo Monte – Foto: Helder Lana
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Filhotes de lontras-gigantes são flagrados no reservatório da Usina de Belo Monte e reacendem a esperança de coexistência entre natureza e desenvolvimento
No coração da Amazônia, onde o Rio Xingu corre com força ancestral e silêncio reverente, a natureza nos ofereceu um raro gesto de confiança: filhotes de ariranha emergindo de sua toca, brincando sob os olhos atentos dos pais, diante das câmeras escondidas no Reservatório Intermediário da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
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Mais do que um registro técnico, é um sopro de esperança — uma evidência de que a vida selvagem, ainda que pressionada, resiste, floresce e encontra abrigo mesmo em territórios transformados pela ação humana.
A dança da vida nas águas do Xingu
As ariranhas, conhecidas também como lontras-gigantes, lobos-do-rio ou onças-d’água, são mamíferos aquáticos carismáticos e extremamente sensíveis à presença humana. O fato de terem sido flagradas com filhotes em uma área de acesso restrito, monitorada por câmeras camufladas, é mais do que raro: é revelador.
Desde 1999, a espécie está classificada como “vulnerável à extinção” pelo Ministério do Meio Ambiente. Seu toque macio, quase mítico, atraiu a cobiça do comércio de peles no século passado, e a destruição dos habitats onde vivem fez seu número despencar.
Mas ali, no reservatório artificial de 119 km², criado pela usina e cercado por vegetação protegida, elas retornaram. Com filhotes. E isso muda tudo.
“A presença de filhotes de ariranha na área de influência de Belo Monte indica que o ambiente está saudável, oferecendo condições reais para a reprodução de uma espécie sensível e vulnerável à extinção. É um indicativo claro de que as ações de conservação implementadas pela empresa estão dando resultado”, afirma Roberto Silva, gerente de Meios Físico e Biótico da Norte Energia.
Monitoramento, ciência e compromisso
Desde 2012, como parte das condicionantes do licenciamento ambiental de Belo Monte, a Norte Energia conduz um projeto de monitoramento de mamíferos aquáticos e semiaquáticos no entorno da usina. São 13 anos de observação silenciosa, coleta de dados e cooperação com instituições científicas.
O projeto é considerado um case de sucesso, selecionado pelo Ibama para apresentação nacional em seminários ambientais. Até agora, já foram registradas 280 ariranhas em diferentes momentos, fases da vida e comportamentos.
Os dados não ficam em gavetas corporativas. São compartilhados com universidades, ONGs e órgãos públicos — alimentando conhecimento, embasando políticas de proteção e servindo como referência técnica para outras iniciativas ambientais no país.
Um papel vital no ecossistema
A ariranha é mais do que bela — é essencial. Predadora de topo da cadeia alimentar, ajuda a equilibrar populações de peixes e outros animais aquáticos. É também um dos mamíferos mais sociais da fauna sul-americana, vivendo em grupos coesos, onde todos cuidam dos filhotes — um exemplo de solidariedade ecológica.
Seu retorno a áreas de preservação dentro de um ambiente modificado, como o reservatório de Belo Monte, levanta uma pergunta incômoda, mas necessária: é possível conciliar grandes empreendimentos com a conservação da biodiversidade?
O flagrante das ariranhas sugere que sim — desde que haja planejamento, compromisso e responsabilidade ambiental contínua.
Quando a natureza responde com gratidão
Ver uma espécie ameaçada criar seus filhotes em segurança é testemunhar a natureza nos oferecendo uma segunda chance. Uma chance de fazer melhor, de proteger mais, de escutar os rios antes de tentar domá-los.
A aparição das ariranhas em Belo Monte nos ensina que a regeneração é possível — mesmo em cenários de conflito, mesmo em espaços de intervenção. Mas ela não acontece por acaso. É fruto de vigilância, cuidado, respeito e da construção de novas relações entre o ser humano e o planeta.
“Em tempos de emergência climática, quando o futuro parece cada vez mais incerto, histórias como essa nos lembram que a vida insiste — e que temos o dever de ser aliados dessa insistência”, reflete Marina Corrêa, bióloga e pesquisadora da fauna amazônica.
As águas do Xingu continuam contando suas histórias. Desta vez, com a voz de pequenos filhotes de ariranha que, em meio ao silêncio da floresta, sussurram uma verdade ancestral: a vida floresce onde há espaço para ela respirar.
Que saibamos ouvir.