Malationa e permetrina foram os compostos mais detectados em áreas urbanas e industriais, enquanto a atrazina predominou nas zonas agrícolas – Foto: NRCS Photo Gallery/USDA / Domínio Público
Por – Ivanir Ferreira, do Jornal da USP / Neo Mondo
Das amostras coletadas em pesquisa, atrazina e malationa são as substâncias mais associadas ao risco de câncer humano; atrazina teve maior concentração em região agrícola
Um estudo do Instituto de Química (IQ) da USP detectou a presença de pesticidas no ar tanto em áreas urbanas e industriais quanto nas rurais, desmistificando a ideia de que o ambiente no campo seja mais limpo do que o da cidade. As análises foram feitas em células epiteliais de pulmão humano expostas a soluções de pesticidas e a material particulado (MP) atmosférico, coletados em três regiões do Estado de São Paulo: Piracicaba – região agrícola; São Paulo – região urbana e Capuava, Santo André – região industrial. Malationa e permetrina foram os compostos mais detectados em áreas urbanas e industriais, enquanto a atrazina predominou nas zonas agrícolas.
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Segundo a autora da pesquisa, Aleinnys Marys Barredo Yera, o pesticida atrazina — um composto organoclorado — representa o maior risco de câncer para populações em áreas rurais. Já o malationa, da classe dos organofosforados, oferece maior perigo nas regiões urbanas. “Os pesticidas organoclorados são altamente persistentes no ambiente, com capacidade de se acumular no solo, na água e na cadeia alimentar. Já os organofosforados, embora se degradem mais rapidamente, são extremamente tóxicos e podem causar efeitos neurológicos agudos em casos de exposição direta”, diz a pesquisadora. No meio rural, o uso desses compostos é comum no controle de pragas agrícolas, e em áreas urbanas, substâncias como o malationa também são empregadas no combate a mosquitos transmissores de doenças por meio de pulverização.
De acordo com a pesquisa, a exposição contínua por 24 horas a concentrações iguais ou superiores a 352 picogramas por metro cúbico (pg/m³) desses pesticidas no ar pode aumentar significativamente o risco de câncer ao longo da vida, especialmente em bebês, considerados mais vulneráveis e pelo baixo peso corporal. Aleinnys explica que essas substâncias são citotóxicas, têm potencial para causar danos ou morte celular, além de possuírem propriedades oxidativas, o que favorece a formação de radicais livres e pode provocar danos a proteínas, células e até ao DNA humano.
Ar em zona rural pode ser mais tóxico que o urbano
A pesquisa também derruba a percepção de que áreas rurais tenham o ar mais limpo do que as regiões urbanas.
“Em Piracicaba, amostras de material particulado atmosférico devido à presença de pesticidas e outros compostos orgânicos apresentaram níveis mais altos de carcinogenicidade, citotoxicidade e potencial para induzir estresse oxidativo do que as amostras coletadas em uma região da capital paulista”, relata a professora Pérola Castro Vasconcellos, orientadora do estudo.
Cálculos de exposição diária por inalação de pesticidas também mostraram que as populações que moravam na área agrícola estavam mais expostas do que as que moravam nas regiões urbanas. Compostos como heptacloro e malationa, ambos associados a riscos cancerígenos, foram encontrados em níveis mais elevados na zona agrícola do que na urbana, o que indica maior risco de desenvolvimento de câncer entre a população rural.
O estudo ainda mostrou que a combinação de diferentes pesticidas presentes no ar tem efeito tóxico mais significativo do que a ação isolada de cada composto. “Como as amostras de Piracicaba continham uma maior mistura desses contaminantes, os efeitos à saúde tendem a ser mais severos”, explica Aleinnys.
Coletas por região
Em 2018, amostras de material particulado foram coletadas simultaneamente em três regiões durante 26 dias, com análise das concentrações diárias de pesticidas para avaliar a qualidade do ar. Em São Paulo, o equipamento de medição foi colocado no terraço do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, na Cidade Universitária, região arborizada, e próxima (2 km) da Marginal Pinheiros, um dos lugares de possíveis alvos de aplicação de pesticidas. Em Piracicaba, no Campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e em Capuava, região metropolitana de São Paulo, próximo ao Polo Petroquímico.
De acordo com a professora Pérola, os sítios onde foram feitas as coletas apresentaram picos de concentração de pesticidas em momentos diferentes, o que revela o uso intensivo dessas substâncias em diversos setores. A atrazina teve sua maior concentração em Piracicaba, região agrícola, com 163 pg/m³, enquanto em São Paulo, a área urbana, atingiu 93 pg/m³. Em Capuava, zona industrial, a substância não foi detectada. Já a substância malationa apresentou os maiores níveis no sítio de Capuava (concentração média de 101 pg/m³), seguida por São Paulo (88 pg/m³) e Piracicaba (79 pg/m³). O composto permetrina, por sua vez, foi mais encontrado no sítio da capital paulista (concentração média de 140 pg/m³), seguida de Capuava (108 pg/m³) e Piracicaba (93 pg/m³).
Em São Paulo, capital, foram coletadas amostras de material particulado durante duas campanhas, nos anos de 2017 e 2018. Em 2017, dos 34 pesticidas estudados, 18 foram detectados e 13 quantificados. Os compostos mais frequentes encontrados nas amostras foram o permetrina 1 e 2 (100%), diazinon (93%), β-endosulfan (87%), bifentrina (60%) e etiona (53%). Na campanha de 2018 foram estudados 11 compostos e sete foram detectados com alta frequência, com destaque para o malationa.
Em Piracicaba, município localizado a 369 km da capital paulista, as análises de amostras de material particulado foram realizadas em 2008 e 2018. Na campanha de 2018, feita simultaneamente com outras cidades, quatro pesticidas foram detectados em todas as amostras coletadas: atrazina (163 pg/m³), heptacloro (78 pg/m³), cresoxim metílico (50 pg/m³) e λ-cialotrina (210 pg/m³).
Segundo Aleinnys, apesar de ocupar a segunda posição em concentração (163 pg/m³), “o atrazina merece maior atenção, porque esse pesticida permanece por mais tempo no meio ambiente e sua dispersão na atmosfera ocorre tanto na fase particulada quanto na gasosa por até 11 meses após a aplicação, reforçando seu potencial de contaminação atmosférica”.
Entre os pesticidas encontrados em 2008, alguns chamam a atenção pela sua presença significativa. O inseticida etiona, amplamente utilizado em diversas lavouras, foi detectado em todas as amostras analisadas, com a maior concentração registrada de 160 pg/m³. Outro pesticida amplamente detectado foi o λ-cialotrina, também comum em áreas agrícolas.
Aleinnys explica que embora o etiona e o λ-cialotrina sejam frequentemente usados em regiões rurais na agricultura, alguns estudos mostraram a presença destas substâncias em áreas urbanas, sugerindo que os pesticidas podem se dispersar para fora de sua área de aplicação direta. “Em 2017, medições feitas nas cidades de São Paulo e em Houston (EUA) encontraram concentrações mais elevadas de λ-cialotrina, 41 pg/m³ e 57 pg/m³, respectivamente, superando os 27 pg/m³ observados em Piracicaba”, diz.
O heptacloro, um pesticida que já havia sido banido no Brasil quatro anos antes da coleta, foi detectado em todas as amostras coletadas em Piracicaba, com concentrações máximas de 89 pg/m³. “Esse resultado indica a persistência do composto no ambiente, mesmo após a proibição de seu uso, o que levanta questões sobre os impactos a longo prazo e a eficácia da fiscalização do uso de substâncias proibidas”, relata a pesquisadora.
Em Capuava, situada na região de Santo André, na grande São Paulo, campanhas de amostragem foram realizadas entre 2015 e 2018. Durante os quatro anos de coleta, o pesticida malationa foi o mais detectado em todas as amostras. Em 2015, os pesticidas mais frequentemente encontrados (em mais de 50% das amostras) foram o malationa (100%), o β-endosulfan, o permetrina 1 e 2 (93%) e o heptacloro (87%). A maior concentração registrada foi de 827 pg/m³ para o permetrina 2, o que representa o nível mais alto já reportado para um pesticida no material particulado atmosférico do Estado de São Paulo.
Em 2016, o malationa continuou a ser o único composto detectado em todas as amostras, com a maior concentração registrada de 161 pg/m³. Em 2017, observou-se o maior número de compostos detectados por amostra, com destaque para o etiona, que alcançou a maior concentração registrada no período, 750 pg/m³. Em 2018, os resultados foram similares.
A pesquisadora diz que os testes de potencial oxidativo, que expuseram células epiteliais de pulmão humano ao material particulado coletado nas áreas estudadas e a soluções de pesticidas, indicaram que amostras de Capuava apresentaram forte correlação entre pesticidas organoclorados e o estresse oxidativo celular — um fator que pode causar danos crônicos ao sistema respiratório. Segundo a pesquisadora, esses compostos são reconhecidos como disruptores endócrinos, e estudos de saúde na região já apontaram aumento nos casos de disfunções na tireoide. Ela destaca a necessidade de um estudo epidemiológico mais aprofundado para investigar essas possíveis relações.
Agricultura brasileira
A pesquisadora Aleinnys reconhece que a agricultura é crucial para a economia brasileira, com o País sendo líder global na produção de diversos alimentos. No entanto, esse crescimento resultou na expansão das áreas cultivadas e no uso intensivo de pesticidas, tornando o Brasil o maior consumidor dessas substâncias. A pesquisadora aponta que a solução não é eliminar os pesticidas, pois sua ausência poderia reduzir a produção de alimentos em até 78%, dependendo das condições específicas de cada região e das práticas agrícolas implementadas. Contudo, ela enfatiza a necessidade de um controle mais rigoroso sobre a quantidade aplicada e os tipos de pesticidas utilizados, tanto no campo quanto nas áreas urbanas.
Parte da pesquisa que trata sobre as concentrações dos pesticidas e os riscos da inalação já foi publicado em três artigos científicos: Pesticides in the atmosphere of urban sites with different characteristics, Particulate matter–bound organic compounds: levels, mutagenicity, and health risks e Occurrence of Pesticides Associated to Atmospheric Aerosols: Hazard and Cancer Risk Assessments. Em junho de 2025, será apresentada a tese pelo Instituto de Química da USP, Pesticidas na Atmosfera de Cidades do Estado de São Paulo: Avaliação de Riscos para a Saúde, orientada pela professora Pérola de Castro Vasconcelos e coorientada pela professora Ana Paula de Melo Loureiro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.