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POR – ANA CHAGAS
O licenciamento ambiental é, há décadas, um dos instrumentos centrais da política ambiental brasileira — e, ao mesmo tempo, um dos mais controversos. Exemplo recente dessa complexidade foi a divergência pública entre o Presidente da República e o IBAMA quanto ao licenciamento para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que expôs não apenas a sensibilidade do tema, mas também a necessidade de se discutir critérios técnicos de forma estruturada, transparente e previsível.
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Diante disso, uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental faz sentido. Trata-se de um passo importante para conferir maior clareza normativa e segurança jurídica, especialmente em um país de dimensões continentais, marcado por diversidade ecológica, social e regulatória. No entanto, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, atualmente em tramitação no Senado, suscita preocupações legítimas quanto à forma como essa padronização está sendo proposta.
Embora apresentado como solução para uma suposta morosidade excessiva, o projeto acaba por atribuir ao licenciamento a responsabilidade por problemas que, na realidade, estão relacionados à escassez de recursos humanos e financeiros dos órgãos ambientais, ao seu constante sucateamento e, em muitos casos, à descontinuidade das políticas públicas, dependendo da orientação política de cada gestão.
Flexibilizar exigências sem enfrentar essas causas estruturais pode gerar efeitos contrários aos desejados. A proposta amplia hipóteses de dispensa de licenciamento, autoriza licenças por adesão e compromisso com base em autodeclarações — mesmo para atividades potencialmente poluidoras — e fragiliza o papel de órgãos de controle e de consulta.
Um dos pontos mais sensíveis do texto é a dispensa de consulta a comunidades indígenas e quilombolas potencialmente afetadas, nos casos em que seus territórios ainda não tenham sido formalmente demarcados. Essa omissão contraria não apenas tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção nº 169 da OIT, mas também ignora o papel da consulta prévia como medida de prevenção de conflitos sociais e de violação de direitos.
Outro aspecto que tem gerado debate é a descentralização para os entes subnacionais. Embora o texto concentre competências de regulamentação nos estados, esse ponto, por si só, não representa um retrocesso. Muitos estados já possuem normas consolidadas e instituições técnicas robustas. O risco, porém, está na ausência de diretrizes nacionais mínimas que assegurem um padrão mínimo de qualidade nos procedimentos, sobretudo em regiões com menor capacidade técnica instalada.
Chama a atenção, ainda, que, mesmo após mais de 20 anos de discussão legislativa sobre o tema, o texto atualmente em análise siga apresentando falhas conceituais e técnicas relevantes. Isso evidencia que o desafio não está no tempo de tramitação, mas na forma como o debate vem sendo conduzido — frequentemente orientado por interesses circunstanciais, sem a devida escuta da sociedade e sem a maturidade técnica necessária para enfrentar a complexidade que o licenciamento ambiental envolve.
É legítima a busca por maior previsibilidade, eficiência e segurança jurídica no processo de licenciamento. No entanto, isso não pode ser feito às custas do esvaziamento de um instrumento que existe justamente para prevenir impactos, proteger o meio ambiente e garantir o direito de todos à sadia qualidade de vida — um direito consagrado na Constituição Federal.
O país precisa de uma Lei Geral que promova equilíbrio: entre desenvolvimento e proteção, entre eficiência e responsabilidade, entre viabilidade econômica e respeito aos direitos fundamentais. E isso exige mais do que pressa. Exige técnica, diálogo e compromisso com o futuro.
Advogada com mais de 20 anos de atuação na área de sustentabilidade. É mestre em Direito Ambiental pela Université Paris 1 – Panthéon Sorbonne e sócia-líder da área Ambiental, ESG e Mudanças Climáticas do Simões Pires Advogados. Membro ativo da Rede LaClima (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), atuando como mentora do GT Corporativo e Clima, e como Conselheira Fiscal.