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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Há cerca de dois mil e quatrocentos anos, Diógenes de Sinope resolveu viver em um barril. Como o Chaves do seriado mexicano, mas sem o tom da comédia autodepreciativa, Diógenes, grave e contundente, desafiava as convenções com seu questionamento das práticas cotidianas das pessoas de uma Atenas decadente e exaurida. Gritava, todos os dias, contra aquele estado de coisas e conclamava os cidadãos a reverem seus padrões de vida, incitando-os a se perguntarem: o que realmente precisamos para viver?
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Com a coragem de confrontar a comodidade dos seus concidadãos, como se o que estava acontecendo com aquela Grécia em crise fosse uma determinação da natureza — e não o resultado da falta de atitude das pessoas; com a coragem de agir conforme pregava, livrando-se, ele próprio, dos bens materiais inúteis à sua vida e vivendo livre e soberano como os cães de rua — que não carregavam fardos, não se sujeitavam a ninguém, não mobilizavam seu tempo para pagar por coisas inúteis; com a coragem de cobrar uma disposição coletiva, sabendo que a mudança de uma só pessoa não era suficiente para alterar um conjunto, embora fosse necessária para iniciar um processo — Diógenes lembra uma Greta Thunberg, um Paul Watson, em suas lutas incansáveis para nos lembrar da importância de revermos nosso modo de vida, sob pena de afundarmos todos juntos na hecatombe de um planeta incapaz de sustentar os desejos de luxo e consumo de oito bilhões de pessoas. Pois, mesmo aqueles que não têm nada sonham, quase sempre, com um modelo de vida de classe média americana — esse modelo que hoje atende pouco mais de 200 milhões de norte-americanos e consome um sexto das riquezas do planeta. Ou seja, para além de qualquer dúvida, trata-se de um modelo absolutamente insustentável.
Há dois mil e quatrocentos anos, Diógenes — que vivia em um barril nas proximidades do porto do Pireu, que comia o mínimo para matar a fome, que se vestia com um manto quando esfriava e que vivia nu sob o calor da cidade mediterrânea, que tinha como bens uma vasilha de madeira e uma lanterna com a qual percorria as ruas da cidade durante o dia, procurando “um homem honesto”, capaz de assumir seu papel na desordem e sua responsabilidade em corrigir os destinos do mundo — sabia que ninguém faria isso por ele. Diógenes, que chamou a atenção do próprio imperador Alexandre, teve a honra de receber sua visita. Alexandre, curioso, quis conhecê-lo, mas não entendeu nada do que ele dizia. Perguntou-lhe, à frente do barril, em uma linda manhã de primavera: “O que você deseja?” E ouviu de Diógenes:
— Só não me tire o que você não pode me dar. Sai da frente do barril, porque você está impedindo o sol de entrar.
Essa é a questão. Ninguém — por mais rico, poderoso ou influente — é capaz de substituir o que a natureza oferece desde sempre, graciosamente, exigindo quase nada em troca, exceto que a deixemos em paz. Não necessariamente intocada, mas sem violar seus limites de regeneração e sobrevivência.
Hoje, o ar está poluído, o mar devastado, a terra infértil, o clima ensandecido. E nós, como se não fosse conosco, continuamos a viver e a gastar como se não houvesse amanhã. Pois é: um dia, se não fizermos nada, acertaremos na previsão.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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