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POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Mesmo diante de todos os avanços e conquistas fruto de uma Gestão de Águas participativa e democratização das decisões, foi noticiada a intenção do Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Regional de protocolar no Congresso Nacional, uma nova proposta de “Marco Hídrico”*, a qual não foi construída com a vasta comunidade de técnicos, gestores públicos, estudiosos, usuários das águas, populações ribeirinhas, povos tradicionais, membros do poder judiciário, empresas públicas, privadas e parlamentares que se dedicam à temática das águas.
Considerando que depois do caminho aberto pela Constituição Federal de 1988, a Lei 9433/97 (Lei das Águas) instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, foi construída com ampla participação e discussão envolvendo técnicos(as), organizações da sociedade civil e congressistas que, durante cinco anos, em um amplo debate, formularam uma das leis mais avançadas no Brasil para promoção da política pública de água.
A promulgação da Lei 9433/97 representou um enorme avanço no modelo de governança e de gestão das águas no Brasil; afinal, anterior a Lei das Águas, tinha estado vigente o Modelo Burocrático, no qual apenas as entidades públicas decidiam sobre a gestão, sendo detentoras de autoridade e poder. Esse modelo não contemplava o planejamento estratégico, a análise de casos específicos e a resolução de conflitos, por isso, não deu o resultado esperado.
O modelo promovido pela Lei das Águas, revoluciona a gestão hídrica ao incorporar as questões de ordem econômica, política direta, política representativa e jurídica no planejamento e execução da gestão.
Neste modelo ocorre a inclusão dos colegiados no processo de gestão demonstrando a busca pela democratização das decisões. Entre seus instrumentos de trabalho estão: planejamento estratégico por bacia hidrográfica; tomada de decisões por meio de deliberações multilaterais e descentralizadas; estabelecimento de instrumentos legais e financeiros, tais como a cobrança pelo uso da água (desdobramento dos princípios poluidor/beneficiário-pagador).
Portanto, este modelo que estamos implementando desde 1997 representa uma verdadeira revolução conceitual na gestão das políticas públicas, muda o paradigma do papel do Estado/Poder Público, que passa a ter um papel de liderar o processo de resolução dos problemas coletivos, mas deve fazê-lo a partir da interação com a sociedade.
A gestão descentralizada e participativa, segundo estudiosos, traz vários benefícios para a gestão hídrica, que vão desde o aumento da legitimidade de decisões, ao desenvolvimento da democracia participativa, além da democracia representativa.
É importante destacar que a sociedade brasileira, mesmo que sem uma formação técnica e uma grande experiência para construção de políticas públicas de forma participativa, atendeu ao chamado da Lei 9433/97, com participação e voz ativa e uma evolução enorme na construção dos Comitês das Bacias Hidrográficas (CBHs), de forma que temos hoje mais de 200 CBHs e cerca de 40 mil atores envolvidos diretamente na gestão das águas no país.
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Portanto, mesmo que a implementação da Lei das Águas ainda não esteja completa, nota-se que a governança e a gestão das águas evoluíram significativamente, tendo potencial de aprimorar a gestão hídrica no país, caso esta seja fortalecida, considerando o aprendizado acumulado.
Diante deste contexto e considerando o potencial da nossa atual Lei das Águas e os aspectos que suscitam preocupação apontados na carta “Em defesa das políticas públicas das águas”, elaborada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, solicitamos que:
1 – O Ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho e o Ministério do Desenvolvimento do Desenvolvimento Regional (MDR) apresentem a proposta à sociedade civil, usuários e demais atores interessados e garanta um tempo de debate adequado dentro do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), a fim de aperfeiçoar a Lei 9433/97 de forma transparente, em processo virtuoso e amplamente democrático, antes de enviá-la ao Congresso Nacional;
2 – A proposta seja focada no fortalecimento dos entes do SINGREH, formado por entidades que estão preparadas para construir uma política que atenda aos diferentes interesses, fomentando a gestão hídrica participativa, representativa, integrada e descentralizada, bem como a elaboração e execução de projetos prioritários sustentáveis, de interesse da população, que adequem às bacias hidrográficas às consequências das mudanças climáticas;
3 – A proposta seja elaborada da mesma maneira que a atual Lei das Águas, isto é, em um ambiente de diversidade de interesses e atores, de uma forma amplamente participativa e representativa, focada na água como bem comum e de domínio público, com construção de consensos e integração;
4 – A gestão hídrica permaneça sendo realizada de forma descentralizada, participativa e integrada, tendo as bacias hidrográficas como unidades de planejamento, a fim de tomar decisões a partir da realidade local, considerando as diretrizes estaduais e federais;
5 – Uma proposta para enfrentar os desafios de recursos hídricos, deve ser inscrita no contexto da perspectiva da escassez, delineada pela emergência climática e pelas sucessivas crises hídricas; apoiar-se nas recentes avaliações já elaboradas por organizações governamentais, organizações da sociedade civil e agências internacionais, acerca dos avanços e desafios da gestão hídrica no Brasil; incorporar as lições aprendidas pelos atores corresponsáveis pela operação do SINGREH (isto é, governos, usuários, sociedade civil) no enfrentamento dos desafios e das crises.
Destacamos ainda que o modelo atual, como nenhum outro modelo de política pública, coloca no mesmo espaço público, atores e segmentos diferentes, com interesses diferentes e legítimos, para realizar um diálogo com informações técnicas, o conhecimento e a experiência de cada um, de forma a construir um consenso sobre os desafios em cada bacia hidrográfica e para a gestão das águas no Brasil.
Lembramos que o setor econômico é parte integrante e ativa nas diversas instâncias do SINGREH.
Portanto, defendemos que o novo marco, antes de ser enviado ao Congresso Nacional, seja discutido com transparência, tempo privilegiado e participação dos atores do SINGREH e da sociedade.