A jornalista Eleni Gritzapis e a convidada Eleonora Pazos gravando para o greenTalks – Imagem: Divulgação
Por – Eleni Gritzapis, especial para Neo Mondo
A agenda de transição energética do transporte público e a sustentabilidade da mobilidade urbana na América Latina são os destaques deste novo episódio do greenTalks. Para isso, recebemos a Eleonora Pazos, diretora da Divisão América Latina da UITP (The International Association of Public Transport, a Associação Internacional de Transporte Público), organização líder mundial no desenvolvimento e promoção da mobilidade sustentável.
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Eleonora atua há mais de 15 anos área de políticas públicas, advogando em política setorial e global na América Latina. É especialista em políticas públicas, com foco no setor de mobilidade e logística há mais de 20 anos, com formação inicial como arquiteta urbanista e posteriormente aprofundando conhecimento em desenvolvimento sustentável com mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidad Politécnica de Madrid, na Espanha.
O greenTaks é uma iniciativa pioneira entre a green4T e NEO MONDO para discutir o papel fundamental da tecnologia na promoção de um futuro mais sustentável.
Confira os principais trechos da entrevista e assista a íntegra abaixo:
Quando falamos de América Latina, estamos falando de países com realidades muito distintas, mas todos têm em comum a desigualdade e muito a avançar em mobilidade. Na sua visão, qual os principais desafios da mobilidade urbana na América Latina e o quanto ele difere da Europa e dos Estados Unidos?
UITP – Realmente vivemos uma realidade, uma dimensão de investimentos e de políticas públicas completamente diferente das outras regiões. Ao mesmo tempo em que temos o desafio do investimento a longo prazo, da limitação de recursos e, muitas vezes, da ausência de políticas públicas, uma característica do nosso continente é a diversidade de ações no que se refere à mobilidade e à transição energética.
Temos os maiores exemplos de projetos de transição energética que são a cidade de Santiago, no Chile, e Bogotá, na Colômbia, com as maiores frotas fora da China de veículos elétricos. Ambas estão realmente puxando a transição energética com novos modelos de negócio e com uma inovação incrível.
Na Europa, vemos uma hegemonia maior, com políticas e metas muito mais claras, assim como nos Estados Unidos. Nesse sentido, a política pública ainda patina um pouco no nosso continente, apesar de termos dois dos maiores exemplos no mundo ocidental de transformação energética para a mobilidade urbana.
Você mencionou Santiago e Bogotá como exemplos de sucesso. Mas pesquisando para esta entrevista, fiquei sabendo de alguns cases muito interessantes no Brasil, como o BRT Sorocaba, que integra tecnologia e sustentabilidade no transporte público, e caso de retrofit de ônibus, que transformou um ônibus de piso elevado diesel em elétrico, com benefícios ambientais significativos. Conta para a gente um pouco mais sobre estes dois cases.
UITP – Quando falamos de transição energética, falamos também da melhoria da qualidade de vida nas cidades. O BRT surgiu há 50 anos e já vou fazer uma pequena propaganda de Curitiba, que há cinco décadas lançou para o mundo a questão do BRT por meio de um grande pensador que foi o Jaime Lerner, que deixou um legado incrível.
Muitas vezes esquecemos que a implementação de um corredor de ônibus traz um ganho ambiental incrível, uma transformação do espaço urbano com recuperação da qualidade urbana. Temos grandes exemplos na área metropolitana de São Paulo, com os ônibus elétricos e o projeto do BRT elétrico.
De fato, Sorocaba tem sido uma referência para a América Latina com o seu modelo do BRT. Estamos falando de modelo de negócio, de financiamento que se mantém a longo prazo, com impacto não só na questão ambiental de emissões, mas um modelo também na questão toda de modelagem da mobilidade.
Sobre o case do retrofit, temos que lembrar que há uma frota gigantesca de ônibus na América Latina, em que estamos falando do provimento de novos veículos. Mas por que não advogar pela transformação dos modelos usados para veículos elétricos, o chamado retrofit, que dá uma vida útil muito maior ao veículo? Temos cidades com frotas de cinco anos que têm que ser renovadas e aí entramos com o retrofit, trazendo transformação e reaproveitamento. Temos elementos incríveis que devem ser explorados.
Ainda falando de eletrificação da frota, a reciclagem de baterias é um desafio a ser enfrentando na direção de uma economia circular e sustentável, umas das prioridades da UITP. No entanto, li que vocês demonstraram que os mitos sobre o descarte prejudicial de baterias usadas não refletem a realidade com a criação da “mineração urbana”. O que é este conceito e como ele é aplicado na prática?
UITP – Muita gente tem advogado que ainda é prematuro entrar nessa questão do veículo elétrico, lembrando daquelas imagens antigas de pilhas de bicicletas elétricas descartadas na China. Isso não é mais verdade, porque hoje 100% da bateria é reaproveitada.
Outros dizem que haverá tanta bateria descartada que não teremos como reaproveitar essa segunda vida. E o conceito de mineração urbana mostra que é possível reaproveitar todos os componentes da bateria, desde os plásticos até os minerais que a compõem.
Um dos desafios frequentes na adoção de tecnologias sustentáveis é a questão da infraestrutura necessária para suportá-las. Como a UITP está trabalhando com governos e outras partes interessadas para desenvolver a infraestrutura adequada para veículos elétricos e outras tecnologias de transporte público mais resilientes e sustentáveis?
UITP – A infraestrutura exige produzir e cruzar uma série de dados e isso passa além da capacidade que uma cidade e um gestor público têm. Então, sem dúvida, isso requer parcerias com novos atores, que é mais ou menos os casos que temos visto tanto em Santiago quanto em Bogotá, envolvendo atores externos, provedores de energia, provedores de veículos, provedores de tecnologia, infraestrutura de dados etc.
Quando falamos de transição energética, não estamos falando de mudança de frota somente, de substituição de um ônibus a diesel por um ônibus elétrico. Trata-se de uma nova maneira de operar e ela requer uma sofisticação de infraestrutura para o provimento não só da energia, mas todo o sistema de recarga e operação passa por dados, passa por uma inteligência de dados que tem que ser desenvolvidas em centros de controles, que tem que ser desenvolvidas em softwares. O conceito de Smart City torna essencial, para a operação desses veículos, a transformação do espaço urbano.
É urgente a combinação da agenda de sustentabilidade com mobilidade, de maneira a fazer investimentos e entender que o setor tem grandes oportunidades de parcerias entre o público e o privado. Uma agenda pública de políticas e diretrizes sempre apoiam e ajudam o desenvolvimento, mas não temos que esperar, temos que atuar em conjunto.
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