Usina Hidrelétrica Belo Monte – Foto: Divulgação/Norte Energia
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Projeto inédito integra energia solar e hidrogênio verde para levar autonomia energética a comunidades isoladas da Amazônia
Num tempo em que a humanidade busca, com urgência, romper com os combustíveis fósseis e reinventar sua relação com o planeta, uma experiência pioneira começa a ganhar forma na imensidão verde do Pará. A Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, acaba de investir em uma inovação que pode redesenhar o futuro energético do Brasil: um software inédito que integra energia solar e hidrogênio verde, pensado especialmente para levar energia limpa e contínua a comunidades isoladas — sem depender de geradores a diesel, barulhentos e poluentes.
Leia também: Rara aparição de ariranhas indica saúde ambiental em Belo Monte
Leia também: Indígenas ampliam participação na produção de chocolate do Médio Xingu
Energia limpa, gestão inteligente e autonomia amazônica
Chamado de MIRAHV (Microrrede Fotovoltaica Isolada com Armazenamento de Energia Elétrica em Hidrogênio Verde para Atendimento Contínuo de Carga), o projeto é um exemplo concreto de como ciência, inovação e sustentabilidade podem caminhar juntas.
Fruto de um programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) regulado pela Aneel, o projeto reúne a expertise da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da empresa ERA Energias Renováveis. A microrrede será capaz de gerar, armazenar e distribuir energia em áreas fora do sistema elétrico convencional, abrindo caminho para a autossuficiência energética de territórios historicamente excluídos.
A planta-piloto está sendo implementada em Vitória do Xingu, no sudoeste do Pará. Ela promete fornecer energia limpa, mesmo em períodos nublados, com capacidade para abastecer até cinco residências por 48 horas, utilizando exclusivamente a energia acumulada em forma de hidrogênio.
“Estamos dando mais um passo firme na direção de uma transição energética justa e inclusiva. Além da geração de energia em Belo Monte, queremos fomentar soluções que eliminem de vez a dependência de fontes fósseis”, afirma Andréia Antloga, gerente de PDI da Norte Energia.
Como funciona a microrrede que transforma sol em esperança
O sistema que está sendo desenvolvido é um exemplo de engenharia aplicada à regeneração. A microrrede opera de forma off-grid, ou seja, totalmente independente da rede elétrica tradicional. É composta por:
- Painéis solares de 25 kWp, que convertem radiação solar em energia elétrica;
- Eletrolisador de 12,5 kW, que utiliza essa energia para produzir hidrogênio a partir da água;
- Tanques de armazenamento com capacidade para 45 kg de hidrogênio verde;
- Célula a combustível de 10 kW, que reconverte o hidrogênio em energia quando o sol se esconde.
Tudo isso é coordenado por um sistema digital sofisticado, o software MIRAHV, que garante eficiência energética, segurança e inteligência operacional.
Para o engenheiro Diego Rafael Staub, CEO da ERA Energias, trata-se de uma virada de chave:
“Estamos demonstrando que o hidrogênio verde pode ser uma solução modular, replicável e segura. Essa tecnologia viabiliza o armazenamento de excedente solar de maneira sustentável e eficaz, sem deixar rastros de carbono.”
Hidrogênio verde: do conceito à potência transformadora
No centro desse projeto está o hidrogênio verde, o mais limpo de todos os vetores energéticos. Produzido por meio da eletrólise da água, usando energia renovável (no caso, solar), ele gera apenas dois subprodutos: hidrogênio — que pode ser armazenado — e oxigênio — que retorna à atmosfera.
Ao contrário do hidrogênio cinza (produzido com gás natural) ou do azul (com compensações de carbono), o hidrogênio verde é carbono zero desde a origem, e é isso que o torna tão promissor para uma economia de baixo carbono.
Segundo o professor André Leão, da UFPA, um dos líderes do projeto:
“Qualquer local com sol e água é um candidato natural a ter uma microrrede dessas. Isso muda tudo. Estamos falando em substituir o diesel e o gás por um recurso limpo e abundante — é a própria Amazônia ensinando o caminho da descarbonização.”
Um projeto-piloto, um futuro replicável
Embora ainda esteja em fase de implantação, com entrega de equipamentos prevista para o segundo semestre de 2025, o projeto já se apresenta como um modelo estratégico para a transição energética em regiões remotas.
Os componentes — parte deles fabricados na China — serão testados e certificados por engenheiros brasileiros ainda este ano. A expectativa é que, uma vez concluído e validado, o modelo possa ser replicado em outras comunidades amazônicas, territórios indígenas, escolas rurais e polos agroecológicos isolados.
Além disso, a solução poderá ser integrada a sistemas híbridos de produção energética, fortalecendo a resiliência local diante das mudanças climáticas.
O projeto MIRAHV não é apenas uma inovação tecnológica. É uma afirmação ética, uma escolha civilizatória. Em vez de impor um modelo de desenvolvimento à floresta, ele aprende com ela: usa o sol, a água e o silêncio para oferecer energia limpa, acessível e duradoura. Em vez de depender de combustíveis fósseis, oferece autonomia, dignidade e futuro.
Num país que ainda luta para equilibrar progresso e proteção ambiental, a iniciativa da Norte Energia aponta um caminho: o da regeneração aliada à inteligência. E mostra que, mesmo os gigantes da infraestrutura, como Belo Monte, podem — e devem — reconstruir suas trajetórias por meio da inovação responsável.
Porque, no fundo, transição energética não é apenas sobre energia. É sobre justiça. É sobre pertencimento. É sobre reimaginar o futuro de todos — começando por quem mais precisa.