POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Campanhas conscientizam a população que quanto mais esmolas, mais crianças nas ruas.
Fecha o farol. Constrangido pela visível necessidade da criança que pede alguns trocados, é quase impossível não se sentir impotente diante desta triste realidade. As moedas estão no bolso, mas será esta a melhor maneira de ajudar? O que fazer? Não ceder pode significar que aquela criança não terá o que comer, mas doar pode contribuir para que ela continue nas ruas, possivelmente sendo explorada por algum adulto.
Oferecer esmolas está na cultura do povo brasileiro por ser considerado um gesto solidário, pois enxerga-se nisso uma forma de sentir-se bem em ‘ajudar’ ao próximo. No entanto, de acordo com o consultor do Terceiro Setor, Takashi Yamauchi, esta prática assistencialista, em suprir a necessidade do momento, pode ser perigosa. “Você pode estar alimentando a criminalidade. Por exemplo, ao ter a atitude de dar um tênis a uma criança, sem fazer com que ela dê valor a isso, está implantando em seu inconsciente que ela não é capaz de comprá-lo com seus esforços. Então, quando lhe for oferecido dinheiro para ser ‘avião’ do tráfico, ela não irá pensar duas vezes para aceitar, e provar que é capaz” – destaca o consultor. Para ele a assistência é válida, só não pode ser uma atitude isolada, mas complemento de um programa com base no desenvolvimento social em que a educação, a consciência cidadã e o fortalecimento da família sejam os principais pilares.
Além disso, convencer uma criança a sair da rua, de onde ela tira seu sustento, para levá-la a um abrigo onde há regras de convivência, é um trabalho árduo, portanto é preciso ter um suporte para oferecer. Uma vez que, se na liberdade da rua ela consegue o que quer e, muitas vezes, está livre da violência doméstica, por que aceitar ir pra outro lugar?
Conscientização da sociedade
Cientes do risco social a que estas crianças estão submetidas e frente à problemática de convencimento, prefeituras de grandes cidades estão se organizando para combater a prática de financiar a miséria, conscientizando a população de que quem dá esmola tira a oportunidade de futuro.
Marlene Bueno Zola, presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, autarquia que em 1998 substituiu a antiga FUBEM (Fundação do Bem-Estar do Menor), diz que a sociedade em geral quer ajudar, mas por não saber como, cede aos pedidos e fixa ainda mais a criança nessa situação de risco. “Enquanto a sociedade agir assim, a rua continuará sendo violenta” – enfatiza a diretora.
Para, então, conscientizar e oferecer uma nova opção para a população que deseja auxiliar os jovens pedintes, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania (SEDESC), junto com a Fundação Criança, lançou em 2006 a campanha permanente “Quem dá esmola não dá futuro. Criança precisa brincar e estudar e não trabalhar”, uma extensão do trabalho que está em andamento para a erradicação e prevenção do trabalho infantil.
Foram distribuídos pela cidade outdoors e panfletos com informações e dicas para não incentivar o trabalho infantil, em destaque àquele que prende a criança na situação de rua, como vendedores nos faróis e carregadores em feiras livres. Segundo Marlene, na maioria das vezes as crianças saem de casa para ‘trabalhar’ e, por passarem muito tempo na rua, perdem gradativamente o vínculo familiar, sobretudo se houver um histórico de violência doméstica.
Resgatando da rua
No plano de fundo da campanha, a Fundação promove uma rede de projetos que oferecem suporte aos meninos e meninas em risco social. Baseados no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), os programas são focados, primeiramente, no resgate do vínculo familiar e na inclusão social, por meio de atividades socioeducativas que despertem potencialidades.
Entre eles, o trabalho desenvolvido pelo Centro de Convivência e Acolhimento à Criança e Juventude, conhecido como Espaço Andança. Diariamente, quinze educadores, entre psicólogos e assistentes sociais, das 8h às 22h, se dividem entre os bairros de todo o município, à procura de crianças ociosas. O trabalho consiste em observá-los, se aproximar e convencê-los a conhecer o Espaço Andança. Se houver o aceite, ao chegar ao local é feita à higiene pessoal e alimentação, realiza-se uma entrevista para coleta de dados – na qual se descobre por que estava na rua – e verifica-se o cadastro em algum projeto de auxílio à renda. Após esse processo é feito o contato com a família para que haja o encaminhando à SEDESC e aos projetos da Fundação (Centro de Atendimento à Criança e Juventude, Centro de Atendimento à Família, Centro de Atendimento às Medidas Socioeducativas, Centro Integrado de Apoio e Defesa à Infância e Juventude, Centro de Iniciação ao Trabalho, Programa Rotativo Cidadão e Centro de Atendimento à Drogatização).
Segundo a coordenadora do Espaço, Maria Helena Placeres Simões, a criança permanece hospedada no Espaço até a localização dos responsáveis, período que pode durar até 15 dias. Se passado este tempo, o jovem é encaminhado para um dois abrigos da rede, porém, grande parte dos casos é solucionada em uma média de 72 horas. Os casos que têm mais incidência, e que a resolução é mais demorada, são os de crianças de outros municípios. “Quando isso acontece entramos em contato com o Conselho Tutelar do local” – diz Maria Helena.
Para ela, o bom desempenho do projeto pode ser observado nas ruas de São Bernardo onde há poucos casos de crianças e adolescentes nas ruas. “Em menos de um ano e meio de trabalho estamos conseguindo incluir estas crianças à sociedade e ao ciclo familiar” – acrescenta.
Como ajudar?
O Espaço Criança disponibilizou o número 0800 7730063 para que a população possa informar a presença ociosa de crianças e adolescentes. Ao ligar, basta relatar o local e os educadores irão até lá fazer a abordagem.