POR – DEUTSCHE WELLE / NEO MONDO
Poucas pessoas usam bitcoin para comprar qualquer coisa, mas todos pagam por seu impacto ambiental. Será verdade que a mineração criptográfica consome mais eletricidade que a Irlanda?
Mina de bitcoin numa antiga fábrica de carros da era soviética em Moscou
Para os garimpeiros da Corrida do Ouro na Califórnia de 1860, os lucros eram mais importantes que a preservação do planeta. Mineradores com fome de dinheiro devastaram campos e vias navegáveis com tecnologia de mineração hidráulica ao cobrirem terras férteis com lodo e sedimentos. Florestas foram cortadas e rios condenados à seca através de barragens – tudo em nome de preciosas pepitas de ouro.
Avancemos 150 anos no tempo e veremos que alguns sucessores do Vale do Silício estão trilhando caminhos semelhantes. O bitcoin, a pretensiosa moeda virtual que disparou a um preço recorde de US $ 15 mil na quinta-feira (07/12), é acusado de causar contas de luz exorbitantes.
Os críticos dizem que a moeda é suja por um simples motivo: cada bitcoin – uma pepita virtual enterrada em algoritmos quase impenetráveis – exige uma energia computacional enorme para ser “garimpado”.
Após o valor do bitcoin disparar dez vezes em 2017, o site de analistas Digiconomist estimou que a moeda tenha uma demanda anual de eletricidade de cerca de 32 terawatt-hora (TWh), ou seja, o consumo de nações inteiras, numa posição entre a Sérvia e a Dinamarca.
A análise do Digiconomist não é a primeira a comparar o consumo de eletricidade do bitcoin a um país (em 2014, matemáticos da Universidade de Maynooth o classificaram como tão alto quanto o da Irlanda).
As minas bitcoin consistem em centenas ou milhares de computadores empilhados em prateleiras
As estimativas, no entanto, variam muito. No mês passado, a empresa de softwares SetOcean calculou o consumo de eletricidade do bitcoin em cerca de metade da avaliada pelo Digiconomist. Já em julho, o empresário Marc Bevand o havia estimado em cerca de um quarto, enquanto em janeiro, Harald Vranken, da Open University, colocou o valor ainda mais baixo.
Mas afinal, quanta eletricidade necessita o bitcoin de fato?
Descentralizado e anônimo
Traçar estimativas de energia é algo complicado porque o bitcoin não possui uma autoridade central.
Mineradores individuais – e não governos ou bancos – usam ferramentas especializadas para lavrar algoritmos registrando transações pela rede.
Quando os “garimpeiros” encontram ouro, e acrescentam o novo achado num “blockchain” (protocolo de confiança) das transações, eles são recompensados com fragmentos de um bitcoin recém-cunhado.
Para cada minerador, a energia necessária para isso depende de duas coisas: da complexidade do algoritmo e da eficiência de suas máquinas.
O analista do Digiconomist Alex de Vries, cujo modelo do Índice de Consumo de Energia Bitcoin enfrentou críticas devido a algumas de suas premissas, disse que uma estimativa mais “otimista” pode ser calculada de forma simples: dividindo a potência computacional total pela das máquinas de mineração mais eficientes e vendo quantas cabem na rede.
Com tal abordagem, a análise da DW produziu uma estimativa mínima de mais de um gigawatt de potência em toda a rede bitcoin para todos esses cálculos.
“Este método ignora completamente fatores significativos como o resfriamento em operações de grande escala e as gerações mais antigas [de máquinas]”, disse De Vries, “mas ainda nos deixa com cerca de 100 [quilowatts-hora, ou kWh] por transação, ao invés dos 250 kWh que eu estimo.”
Posto em perspectiva, a cada dia ocorrem cerca de 300 mil transações de bitcoins. Ao longo de um ano, uma conta de eletricidade de 100 kWh para cada uma equivale à metade de toda a eletricidade consumida pela Nigéria no ano passado.
Sem acompanhar o ritmo
Vranken disse que suas estimativas de janeiro, de menos de metade de um gigawatt, “não são definitivamente tanto quanto um país consome – mas, desde então, as coisas mudaram”.
Parte da confusão vem do salto meteórico do preço do bitcoin, que tornou muitas estimativas de energia ultrapassadas.
À medida que o preço do bitcoin aumenta, também cresce o incentivo econômico para ganhar dinheiro nessa onda. O delírio resultante – já descrito ao mesmo tempo como uma corrida do ouro e como uma bolha prestes a explodir – leva a mais cálculos de computador, ou hashes por segundo.
“A taxa de hashes em 2014 foi de cerca de 300 mil, e no início de 2017 eram mais de 2 milhões”, disse David Malone, da Universidade de Maynooth.
Nesse período, máquinas de ponta se tornaram cerca de cinco vezes mais eficientes na computação de hashes, disse Malone, superando assim uma fração significativa do aumento nos custos de energia.
Agora a taxa de hash saltou para quase 12 milhões – mas “não parece ter havido grande avanço em eficiência em termos de hardware este ano”.
Limpo ou sujo?
Também é motivo de preocupação o fato de a demanda de eletricidade do bitcoin ser suprida por combustíveis fósseis.
Segundo um estudo do Cambridge Center for Alternative Finance (patrocinado pela Visa), mais da metade dos “tanques de garimpo” do bitcoin têm base na China, que depende do carvão.
Uma análise do Digiconomist de uma mina de bitcoin no interior da Mongólia – cuja eletricidade era proveniente de usinas movidas a carvão – estimou que uma transação de bitcoin poderia emitir a mesma quantidade de carbono que um passageiro voando em um Boeing 747 durante uma hora.
Alguns analistas, no entanto, observam que o incentivo econômico para energia de baixo custo leva muitos a optarem por fontes renováveis. “Uma concentração significativa [dos tanques de garimpo chineses] pode ser observada na província de Sichuan, onde mineradores fecharam acordos com as usinas hidrelétricas locais para terem acesso à eletricidade barata”, escreveu Garrick Hileman, da Universidade de Cambridge.
Escala de impacto problemática
Independentemente da dificuldade em rastrear números exatos, muitos acreditam que a dimensão do problema é perturbadora. Embora o bitcoin tenha apenas oito anos de idade, ele já representa entre 0,05 e 0,15% da demanda global de eletricidade.
Para um serviço usado por apenas 3 milhões de pessoas, o bitcoin é muito menos eficiente que o atual sistema bancário global.
“De qualquer maneira, é um número ridículo”, disse de Vries. “O Bitcoin não é sustentável, não importa de que maneira o medimos. Estaríamos apenas discutindo se ele é 10 ou 20 mil vezes pior que o Visa”.