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ARTIGO
POR – ELLEN CARBONARI*, EXCLUSIVO PARA NEO MONDO
A contradição do século 21 que se encontra em trajetória de aceleração é esta: de um lado saltos tecnológicos e científicos, especialmente liderados pela inteligência artificial, biotecnologia e os algoritmos; Do outro, a consciência de viver em um país onde 55,2% dos lares, ou seja 116,8 milhões de pessoas, conviveram com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020, segundo estudo da Rede Penssan. Yuval Harari, Professor da Universidade de Jerusalém e autor dos livros HomoDeus e Sapiens, se vale de números para demonstrar que o processo de modernização foi um dos agentes mais importantes para a erradicação da miséria e o aumento da longevidade humana de forma ampliada.
Os paradoxos, entretanto, sempre estiveram presentes nas revoluções humanas. No século 21, o axioma se dá justamente na coexistência de tecnologias, que estão elevando os seres humanos à condição de deuses – especialmente via algoritmos – e redes neurais hiperconectadas de inteligência artificial. Como contrafigura, essas inovações produzem a imagem do humano ainda mais insignificante, precário e aleatório em relação a este mesmo universo descoberto pelo conhecimento.
É nesse paradoxo que reside o desejo de se fazer uso do conhecimento e da tecnologia para beneficiar e potencializar a existência e bem-estar de mais pessoas. Democratizar para garantir que todas tenham acesso a uma vida digna e sustentável. Eis a ousadia dos processos de inovação social.
O Stanford Social Innovation Review (SSIR) definiu Inovação Social como um conjunto de novas soluções para os problemas sociais; soluções mais eficientes, sustentáveis e/ou justas que as tradicionais e cujo valor gerado beneficia a sociedade como um todo. Os conhecidos negócios de impacto compõem uma parte importante do portfólio de inovação social. São organizações inovadoras que buscam resolver problemas reais em ambientes com altos níveis de incerteza ligados à demandas socioambientais.
É importante falar que esse termo é fruto de um outro conceito: o de negócios sociais, criado Nobel Muhammad Yunus. Yunus é reconhecido por ter estruturado o sistema de microcrédito, que revolucionou o mercado ao conceder pequenos empréstimos a empreendedoras que não eram aptas a receber os tradicionais empréstimos bancários. O GrameenBank, iniciativa de Yunus, possibilitou que milhões de pessoas se movimentassem na pirâmide social, via microcrédito e empreendedorismo de impacto local.
Empreendedores de negócios de impacto valem-se desta trajetória para pensar um novo formato de organização: um que busque contribuir para a produção de externalidades positivas e gerar impacto socioambiental positivo através de um modelo de negócio que possui uma governança estruturada para mensurar e avaliar este impacto. É o propósito da organização a centralidade da tomada de decisões estratégicas. Empreendedores de negócios de impacto social entendem de maneira integral o movimento que sua entrada gera na sociedade, que não basta analisar o que é feito, mas também as potenciais consequências de suas ações.
Assim como os empreendedores de impacto, aqueles que desejam se manter na vanguarda dos negócios precisam adentrar o processo de construir ferramentas e arranjos que nos permitirão prosperar enquanto sociedade. Para Björn Stigson, ex-presidente do World Business Council for Sustainable Development (CEBDS), negócios não podem prosperar em sociedades que falham. Sua lógica é um convite para que empresários passem a atuar no mundo de maneira a gerar valor compartilhado através de seus negócios, uma provocação central à inovação social.
Organizações que desejam prosperar, portanto, podem começar pela definição do seu propósito, algo que os empreendedores de impacto o fazem com maestria. Para além da performance financeira, devem evidenciar como estão entregando soluções mais justas, eficientes e sustentáveis para toda sua cadeia – clientes, fornecedores, colaboradores, acionistas, territórios que estão inseridos. A partir daí, é preciso desdobrar em ações concretas, novos arranjos que virem a chave de problemas reais e contribuam para a geração de bem-estar no sentido ampliado, para as pessoas e para o planeta.
A provocação útil e que gera reflexões é aquela que nos coloca na interseção entre a paciência (para entender que grandes transformações necessitam de tempo) e o senso de urgência (que nosso ecossistema nos endereça). É somente nessa intersecção que podem nascer projetos duradouros e sustentáveis, que geram valor para todos da cadeia produtiva. O paradoxo de Harari pode encontrar novos caminhos se alinharmos tecnologia e bem-estar e os negócios de impacto estão aí para nos ensinar como.