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POR – HIDROPLAN / REDAÇÃO NEO MONDO
A crise climática global já é uma realidade da nossa sociedade: o aumento de temperatura provocada pelo ser humano desde o período de 1850-1900 até 2010-2019 é de 0,8°C a 1,21°C, segundo o último relatório IPCC – sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas.
Uma das inúmeras consequências dos efeitos da mudança climática global é a disponibilidade dos recursos hídricos, uma vez que o ciclo da água está diretamente ligado ao clima, podendo configurar crises hídricas relevantes em diversas regiões. Uma pesquisa publicada pelo Map Biomas (2021) causou grande surpresa e alarme ao mostrar que a superfície hídrica do Brasil reduziu-se em 15,7% nos últimos 36 anos, uma área de 3,1 milhões de hectares de superfície de água – correspondente ao tamanho do Estado de Alagoas.
A visão e a ação pautada na sustentabilidade para o uso e a gestão dos recursos hídricos faz-se necessária e urgente frente a esse panorama – o qual pode ser ainda pior nos próximos anos.
A Crise Climática e o aquecimento global
O aquecimento global refere-se ao aquecimento a longo prazo da superfície do planeta. A mudança ou crise climática abrange o aquecimento global, mas se refere à gama mais ampla de mudanças que estão acontecendo em nosso planeta, incluindo a elevação do nível do mar, redução das geleiras e aceleração do derretimento do gelo na Groenlândia, na Antártica e no Ártico, aumento de enchentes e secas prolongadas entre outros fatores climáticos.
Esses fatores, por sua vez, levam a consequências que afetam diretamente a vida dos seres humanos, sobretudo, das populações mais vulneráveis. Segundo o último relatório do IPCC, de 2021, os dados revelam que:
- As atividades humanas tenham causado aproximadamente 1,0°C do aquecimento global acima de níveis pré-industriais, com uma faixa provável de aumento de 0,8°C a 1,2°C.
- O aquecimento global deve chegar a 1,5°C entre 2030 e 2052 se continuar a aumentar na taxa atual.
- De 2021 a 2040, um aumento de temperatura de 1,5°C é, no mínimo, provável de acontecer em qualquer cenário de emissões.
- A estabilização da temperatura na Terra pode levar de 20 a 30 anos se houver redução forte e sustentada de emissões.
- Um aquecimento maior do que a média anual global está ocorrendo em muitas regiões terrestres, incluindo duas a três vezes mais alto no Ártico.
- Nos próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar deve aumentar 2 a 3 metros, se o aumento da temperatura ficar contido em 1,5°C. Se o aquecimento global ficar contido a 2°C, o nível deve aumentar de 2 a 6 metros. No caso de 5°C de aumento de temperatura, o mar subirá de 19 a 22 metros.
Os dados mostram que estamos passando por um momento crítico na mudança climática e é um momento onde importantes tomadas de decisões devem ser feitas pautadas em tais dados. Segundo o mesmo relatório do IPCC, ainda existe uma estreita janela de oportunidades para que a temperatura global média não suba além de 1,5 ºC até o final do século.
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Estamos secando os continentes
A mudança climática já está afetando o acesso à água para as pessoas em todo o mundo, pois impacta diretamente no ciclo da água e influencia quando, onde e quanta precipitação cai, além de consequências diretas na qualidade da água. Também leva a eventos climáticos mais extremos ao longo do tempo: inundações, secas, mudança nos padrões de precipitação e aumento do nível do mar.
Água limpa é vital para a saúde humana, a indústria, a agricultura e a produção de energia. No entanto, os sistemas de água do mundo enfrentam ameaças devido à gestão insustentável e às mudanças climáticas. Até 3,5 bilhões de pessoas podem enfrentar escassez de água até 2025, enquanto a demanda deve crescer até 30% até 2050. Conflitos relacionados à água e instabilidade política estão aumentando – e a mudança climática está piorando o problema.
Fatos preocupantes sobre a crise da água:
- 2.100 milhões de pessoas não têm acesso a serviços de água potável com segurança (WHO/UNICEF 2017)
- 4.500 milhões de pessoas carecem de serviços de saneamento com segurança (WHO/ UNICEF 2017)
- 1,5 milhões de crianças com menos de cinco anos morrem todos os anos de doenças relacionadas com a diarreia (WHO/UNICEF 2015)
- A escassez de água já afeta quatro em cada dez pessoas (QUEM)
- 90% de todos os desastres naturais estão relacionados com a água (UNISDR)
- 80% das águas residuais retornam ao ecossistema sem serem tratadas ou reutilizadas (UNESCO, 2017)
Estresse hídrico
O estresse hídrico é definido como a razão entre as retiradas de água (ou seja, usos domésticos, agrícolas e industriais de água) e o abastecimento de água renovável disponível. As categorias de risco de estresse hídrico “alto” e “extremamente alto” são alcançadas quando as retiradas anuais excedem 40% e 80% do abastecimento de água renovável disponível, respectivamente.
O número de pessoas com “estresse hídrico” continua a aumentar em meio ao crescimento populacional e à diminuição da disponibilidade. Em 2018, cerca de 3,6 bilhões de pessoas globalmente tinham acesso inadequado à água por um mês por ano, o que deve ultrapassar os cinco bilhões até 2050.
Segundo o Global Water Risk Atlas (2019) do World Resources Institute (WRI), 17 países – lar de um quarto da população mundial – enfrentarão estresse hídrico “extremamente alto” em 20 anos. Em tais países, a agricultura e a indústria consomem 80% das águas superficiais e subterrâneas disponíveis em média ao ano. Quando a demanda rivaliza com a oferta, mesmo pequenos eventos de secas – os quais devem aumentar devido às mudanças climáticas – podem produzir consequências terríveis.
Aumentos dos eventos de seca
O novo relatório do IPCC detalha que, dependendo da região, as mudanças climáticas já agravaram o calor extremo, as secas, os incêndios, as inundações e os furacões, que só se tornarão mais prejudiciais e destrutivos à medida que as temperaturas continuarem a subir. A maioria das regiões do território brasileiro, incluindo a região da Amazônia, estão entre as regiões nas quais os cientistas do clima têm maior confiança de que as mudanças climáticas continuarão a aumentar o risco e a gravidade das secas.
Infográfico feito pelo IPCC mostra regiões que devem ter aumento dos eventos de seca com o aquecimento global – IPCC
Os aquíferos – a perda “invisível”
Os aquíferos são os maiores reservatórios naturais de água dos continentes, armazenando 98% de toda a água doce líquida disponível. Tais reservatórios são subterrâneos e não são visíveis na superfície, onde muitos estudos sobre a perda de água são pautados. Além disso, aproximadamente metade da água superficial é proveniente de água subterrânea como fluxo de base, uma informação hidrológica importantíssima que deve ser levada em consideração na gestão da água.
O ciclo natural da água vem sendo alterado substancialmente pela ação humana e a crise climática gerada: o volume de precipitação que atualmente se infiltra no solo não é suficiente para compensar a quantidade de água que é retirada dos aquíferos, o que pode levar à exaustão do recurso. Esse caso se configura uma das ameaças aos aquíferos, a sobrexploração, quando o uso das águas subterrâneas ultrapassa o volume dos recursos hídricos subterrâneos renováveis.
De acordo com a ONU, a agricultura é o setor responsável por consumir a maior quantidade de água do planeta – cerca de 70% de toda a água consumida. Tal consumo também reflete no uso das águas subterrâneas, onde aproximadamente 40% da irrigação global é de água de poços. Segundo a revista Groundwater, Warren Wood e John Cherry (2021), há um alerta para a dimensão deste problema para a segurança alimentar do mundo, pois os dados de utilização da água dos aquíferos para irrigação pela agricultura são muito subestimados.
Outra grande ameaça aos aquíferos é a contaminação das águas, impossibilitando o uso da água. Alguns exemplos das causas de contaminação das águas subterrâneas seriam por resíduos contaminantes da agricultura, de hidrocarbonetos, resíduos sólidos urbanos e industriais.
“Água Subterrânea: tornar visível o invisível” é o tema do Dia Mundial da Água 2022, uma proposta do Centro Internacional de Avaliação dos Recursos Subterrâneos (IGRAC). Esse tema chama a atenção para a proteção necessária das águas subterrâneas, as quais apresentam uma interação permanente com as águas superficiais.
Crise hídrica brasileira
O Brasil já vem registrando as consequências da crise hídrica em diversas regiões, com a perda de superfície de água em todas as regiões hidrográficas e em todos os biomas do País. A pesquisa do MapBiomas (2021), indicou que a dinâmica de uso da terra baseada na conversão da floresta para pecuária e agricultura e a construção de represas contribuem para a diminuição do fluxo hídrico.
Segundo o pesquisador do MapBiomas Água, Carlos Souza Jr., o resultado é preocupante porque o sinal de tendência de redução de água no Brasil, com os dados de satélites, é bem claro. “As evidências vindas do campo indicam que as pessoas já começaram a sentir o impacto negativo com o aumento de queimadas, impacto na produção de alimentos, e na produção de energia, e até mesmo com o racionamento de água em grandes centros urbanos”, alerta.
O resultado para a perda da superfície de água, baseada em imagens de satélite, não acessa os dados de perda das águas subterrâneas e a crise instalada pode ser ainda mais preocupante.
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Sustentabilidade e recursos hídricos
A melhor gestão da água, seu monitoramento e previsão são necessários em face de uma iminente crise global da água, segundo a Organização Meteorológica Mundial da ONU.
O consumo individual mais econômico de água não será suficiente para reverter esse cenário, necessitando de políticas de gestão de recursos hídricos.
Segundo o coordenador do MapBiomas Água, o primeiro passo é ter um diagnóstico do problema na escala de bacias hidrográficas para identificar quais fatores estão comprometendo a disponibilidade de recursos hídricos. Segundo, é possível desenvolver um plano de ação multissetorial para mitigar e até mesmo reverter o problema. Mas, não podemos nos esquecer que boa parte da solução vai depender em reduzir as emissões de gases estufa para controlar o aumento da temperatura global”.
O aumento da agricultura juntamente com o aumento da concentração populacional e má gestão dos recursos hídricos são fatores cruciais para o desenvolvimento de crises hídricas. Estimativas mostram que até 2050 a população mundial deverá estar próxima de 10 bilhões de pessoas, um aumento de 25%, e com isso, o aumento do uso da água.
A expansão das fronteiras agrícolas têm significativo impacto sobre a disponibilidade hídrica, tornando-se imprescindível o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias que reduzam o consumo de água destinada à irrigação. Conforme as projeções da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o consumo de água no Brasil, incluindo todos os segmentos, deve aumentar em 24% até 2030, impulsionado pelo setor agropecuário.
É necessário ter uma economia circular do ciclo da água para que possamos armazenar água suficiente nos reservatórios naturais, mantendo assim a qualidade da vida e da ecologia. Há tecnologia e conhecimento disponíveis para essa mudança cultural necessária e despercebida pela maioria das pessoas.
ESG e a sustentabilidade dos recursos hídricos
Empresas já percebem a urgência de uma visão integrada de temas que envolvem o meio ambiente e a sustentabilidade em seus procedimentos. O ESG (Environmental, Social e Corporate Governance), que significa boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa, tem sido cada vez mais buscado impulsionado por essa pauta.
Para ser ESG, uma empresa precisa ter iniciativas para proteger os recursos naturais, reduzir a emissão de poluentes e impactar positivamente o meio ambiente.
O ESG é agora uma métrica essencial para os mercados de capitais e as empresas com forte desempenho ESG têm maior retorno sobre seus investimentos, menores riscos e melhor resiliência durante uma crise.
O uso dos recursos hídricos de forma sustentável já é uma realidade óbvia e deve haver portanto iniciativas empresariais nesse sentido – e investidores institucionais em todo o mundo já notaram: a água está entre as três principais preocupações ambientais, sociais e de governança, de acordo com a Pesquisa de Investimento Responsável da RBC Global Asset Management 2019.
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