Queimada registrada próxima à Terra Indígena Baú, do povo Kayapó, em Novo Progresso – Pará (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Algumas propostas podem ser implementadas já no primeiro dia da nova gestão, como retomada da homologação de terras indígenas; movimento pede redução de 70% do desmatamento durante mandato
Acabar com a fome, combater o desmatamento, gerar emprego e renda no campo: estes são os três pilares que devem nortear a agenda de agricultura e meio ambiente dos governos que tomarão posse em 2023, segundo a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. A entidade, que reúne mais de 340 membros, entre organizações do agronegócio, empresas, academia e ONGs, divulgou nesta segunda-feira (14) um documento com mais de 30 propostas consideradas prioritárias pelo setor. Algumas devem ser tomadas pelo presidente eleito já no primeiro dia de seu mandato, como a demarcação de terras indígenas, a retomada de planos contra a devastação do Cerrado e da Amazônia, a restauração do Fundo Amazônia, os preparativos para a criação da Autoridade Nacional do Clima e o retorno da sociedade civil a colegiados da administração pública. O relatório será entregue nas próximas semanas às equipes de transição da Presidência, de governos estaduais e parlamentares.
Outras propostas foram divididas de acordo com o prazo necessário para sua implementação: nos primeiros 100 dias de governo e as medidas estruturais, que demandarão atenção durante todo o mandato. Neste último caso, destaca-se reduzir o desmatamento da Amazônia em até 70%, o que seria possível, entre outros fatores, através do acirramento de políticas de comando e controle e o retorno imediato, em formato atualizado, do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
“Acreditamos ser possível reduzir o desmatamento da Amazônia em até 70% porque o Brasil já viu redução semelhante no passado e sem qualquer prejuízo à economia”, afirma Paulo Moutinho, cientista sênior do Ipam. “Reverter a ascensão do desmatamento com crescimento econômico é justamente o objetivo das propostas desenvolvidas pela Coalizão. Nessa tarefa, acreditamos que o país também poderá contar com o apoio da comunidade internacional engajada no combate à crise climática”, completa.
Entre as sugestões relacionadas com a segurança alimentar está a criação de um Pacto Nacional para a Alimentação Saudável e Biodiversa, por meio do qual o fomento à atividade agropecuária esteja vinculado à qualidade da alimentação do brasileiro, com impactos positivos sobre a economia e a saúde pública. Também é prioritário fortalecer o Programa Bolsa Verde e promover o acesso a mercados para produtos da agricultura familiar e da sociobiodiversidade. O aprimoramento do Plano Safra, privilegiando o Plano ABC+, é sugerido para fomentar a produção de alimentos, gerando emprego e renda no campo, ao mesmo tempo em que contribui com a descarbonização da economia brasileira.
“Combater o desmatamento da Amazônia é combater a fome hoje e no futuro. O atual nível de destruição já começa a comprometer a capacidade da floresta de produzir as chuvas necessárias à produção de alimentos. Se a Amazônia passar do ponto de não retorno a partir do qual se converte em uma savana, a capacidade do Brasil de produzir alimentos ficará severamente comprometida”, adverte Eduardo Bastos, CEO da MyCarbon e membro do Grupo Executivo da Coalizão. “Sem o combate ao desmatamento da Amazônia, não é possível combater a fome e a pobreza, pois a economia brasileira é totalmente dependente dos serviços ambientais que a floresta provê para sua segurança alimentar e energética”, ressalta.
A criação da Autoridade Nacional do Clima, por sua vez, é apontada como um elemento-chave para que as mudanças climáticas sejam tratadas de forma transversal pelo governo eleito, já que o órgão seria o responsável, entre outras funções, por definir novas metas de redução da emissão de gases de efeito estufa – atualmente consideradas pouco ambiciosas -, fiscalizar iniciativas voltadas à mitigação e adaptação contra eventos extremos, além de regular o funcionamento do mercado brasileiro de carbono. É, também, uma sinalização para o mundo de que o Brasil deseja retomar o protagonismo diplomático na agenda do clima.
“Além do combate às mudanças climáticas, outro tema que ganha visibilidade crescente na comunidade internacional é o das florestas. O Brasil tem todas as condições para se desenvolver mantendo a Amazônia em pé. Para isso, deve investir na criação de uma Política Nacional de Bioeconomia no fomento de setores como restauração e a silvicultura de nativas. Aqui há muitas oportunidades para o setor privado, porque a restauração florestal oferece múltiplos produtos inovadores madeireiros e não madeireiros, como, por exemplo, novos materiais para as indústrias têxteis, plásticos e construção civil. Além do sequestro e estoque de carbono, florestas adicionam um componente crescentemente valorizado pelos mercados: a biodiversidade”, explica Roberto Waack, membro da Coalizão Brasil e membro do Conselho de Administração da Marfrig.
Confira a seguir as propostas, que estão detalhadas aqui.
Propostas para o Dia 1
➔ Criar um Grupo de Trabalho para elaborar novos planos de prevenção e controle do desmatamento da Amazônia e do Cerrado;
➔ Aumentar a representação e retomar a proporcionalidade da participação da sociedade civil em colegiados;
➔ Restaurar a governança do Fundo Amazônia;
➔ Retomar a homologação de Terras Indígenas;
➔ Enviar ao Congresso Nacional instrumento legal de criação da Autoridade Nacional do Clima.
1) Combate ao desmatamento e à perda de recursos naturais
Ações para os 100 dias
➔ Implementar ações de comando e controle contra o desmatamento
➔ Acelerar as análises do Cadastro Ambiental Rural;
➔ Suspender projetos para redução de áreas de biomas e unidades de conservação;
➔ Promover a demarcação de terras indígenas e demais territórios tradicionais
➔ Regulamentar a Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA);
- Aperfeiçoar o processo de licenciamento ambiental.
Ações durante o mandato
➔ Reduzir a taxa de desmatamento da Amazônia em 70%;
➔ Destinar 10 milhões de hectares de florestas públicas para proteção e uso sustentável;
➔ Condicionar a regularização fundiária ao cumprimento do Código Florestal;
➔ Disponibilizar informações com transparência sobre supressão da vegetação;
- Fortalecer a transparência de dados e a integração de sistemas de informação;
➔ Implementar a rastreabilidade de produtos florestais madeireiros;
- Fortalecer a rastreabilidade nas cadeias produtivas;
- Dar escala às concessões florestais;
➔ Aumentar ambição para corte de emissões de gases de efeito estufa relacionadas ao desmatamento.
2) Produção de alimentos e combate à fome
Ações para os 100 dias
➔ Lançar um Pacto Nacional para Alimentação Saudável e Biodiversa;
➔ Reestruturar modelo de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER);
➔ Aprimorar os critérios socioambientais para concessão de crédito rural;
- Incentivar novos instrumentos econômicos privados para o setor rural.
Ações durante o mandato
➔ Aprimorar Plano Safra para aumentar investimentos em agricultura de baixa emissão de carbono e resiliência climática
➔ Fortalecer os instrumentos de gestão de riscos climáticos para a segurança alimentar
- Promover acesso a mercados para produtos da agricultura familiar e da sociobiodiversidade
3) Geração de emprego e renda
Ações para os 100 dias
➔ Retomar e fortalecer o Programa Bolsa Verde
Ações durante o mandato
➔ Promover a criação de uma Política Nacional de Bioeconomia;
➔ Incentivar a silvicultura de espécies nativas;
➔ Fortalecer o setor de restauração de paisagens e florestas;
➔ Investir em fontes de energia renováveis;
- Regular e implementar o mercado brasileiro de carbono.