Apa do Lago do Amapá – Foto: Divulgação
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Apoio do WWF-Brasil ajudou a fortalecer ações de moradores da Estrada do Amapá, em Rio Branco. Mas ameaça urbana persiste
A organização comunitária é uma solução antiga, que se atualiza, constrói acordos locais com a participação ativa das pessoas, dentro de circunstâncias específicas de um território. E a ação de moradores da Estrada do Amapá, na zona rural de Rio Branco, é um bom exemplo disso. Eles viveram os últimos anos sob ameaça de extinção da Área de Proteção Ambiental (APA) Lago do Amapá. Isso porque um grupo de empresários do setor imobiliário pleiteou que a APA deixasse de ter uma finalidade especial de interesse público. Se a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas do Acre (Semapi) tivesse levado o pedido adiante, qualquer empreendimento poderia ser feito no local, que fica sobre um importante reservatório de água da capital acreana, o Aquífero Rio Branco.
A extinção só não ocorreu porque a organização comunitária mostrou que a voz dos territórios deve ser ouvida e entendida como uma aliada na luta contra o desmatamento e a emergência climática. “Tínhamos muitos problemas fundiários, de derrubada de árvores e retirada de vegetação, além do interesse do setor imobiliário. Mas nos reorganizamos comunitariamente porque não podíamos deixar a APA ficar desprotegida pela lei, pela sua importância natural”, explica Alieth Gadelha, presidente da Amprea (Associação dos Moradores e Produtores Rurais da Estrada do Amapá). Em 2022, a associação foi ao Ministério Público do Acre, com informações baseadas no plano de manejo da área realizado em 2021, e argumentou que ela era vital para preservar o local. Essa mobilização social local de diversas entidades evitou a extinção da APA.
A delimitação de uma APA ocorre de acordo com a sua vocação natural e essa é uma categoria legal que impõe garantias de proteção e conservação do local. A do Lago do Amapá tem área de 5.224 hectares e foi implementada em 2005. A proposta de transformar o local em uma área de proteção ambiental partiu da comunidade, com objetivos como recuperar remanescentes da biota local, fomentar a educação ambiental e promover o ecoturismo.
Além da importância ambiental, Claudio Oliveira, analista de Conservação do WWF-Brasil, destaca que a APA Lago do Amapá tem uma grande importância científica, histórica e cultural. “A APA possui diversos locais históricos, como o da emboscada sofrida por Plácido de Castro, onde pode ser encontrada a lápide de mármore erguida no ano de 1913 com esculturas em tamanho real”, diz.
Em 2021, em plena pandemia de covid-19 e sob a ameaça de perder o status de APA, a Amprea recorreu aos órgãos estaduais para pedir ajuda e fiscalização. “Começamos a fuçar na papelada do plano de manejo da APA e achamos contatos de pessoas e organizações que nos apoiaram quando fizemos o plano. Procurei o WWF-Brasil e marquei uma conversa para virem à associação”, lembra Alieth.
Para avaliar a situação, Moacyr Silva, então especialista em conservação do WWF-Brasil, visitou a sede da Amprea e conheceu o trabalho de seus integrantes. Após análise do quadro, o WWF-Brasil apoiou o projeto de reestruturação jurídica da associação e a reforma física do local, além de fomentar melhorias no manejo da água dos igarapés e da mata local e no cuidado com o lixo pelos moradores dentro da APA. O projeto foi realizado em duas fases, com apoio de R$ 135 mil executados em 2021 e 2022.
A primeira parte do recurso foi usada na compra de materiais de combate ao fogo para uma brigada comunitária, como cantis, uniformes e EPIs (equipamentos de proteção individual). O município de Rio Branco registrou alta de 36,8% nos focos de queimadas, ao passar de 795, em 2021, para 1088 em 2022, de acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
A brigada conta com dez pessoas, todas treinadas pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para atuar no combate inicial ao fogo e em ações de prevenção e educação ambiental para prevenção de focos de queimadas. A estratégia de brigadas comunitárias é importante em alguns territórios longe dos grandes centros urbanos que não têm unidades do Corpo de Bombeiros. Essas brigadas voluntárias fazem o primeiro combate ou o controle e prevenção ao fogo, até o socorro mais estruturado chegar.
A segunda fase focou em preparar a área para impedir a propagação das chamas. Para isso, foi preciso contratar um trator e fazer um aceiro de 132 mil m2, área equivalente a cerca de 132 mil campos de futebol. Além de comprar combustível, roçadeira e óleo. O aceiro foi feito para proteger a mata nativa. Trata-se de uma técnica simples e eficaz que abre uma estreita faixa do solo, impedindo o avanço do fogo em caso de incêndio. É um local capinado e limpo, livre de material inflamável, como mato seco, por exemplo, que não permite que as chamas se espalhem.
“Alieth e outras pessoas da associação fizeram as obras em mutirão, assim como limpeza da fossa, retirada de lixo na mata e a pintura da casa. A solução coletiva engajou e isso dá ânimo para quem quer lutar pelo território. Essas pessoas são verdadeiras guardiãs”, diz Silva. A presidente da Amprea lembra que a associação estava praticamente sem atuação antes da proposta de extinção da APA. “Por uma urgência, fomos obrigados a proteger a nossa área. Isso traz pertencimento e união. Salvamos até um igarapé grande que estava coberto de lixo, com as nossas próprias mãos.” Agora, Alieth planeja dar continuidade à conscientização de moradores, promovendo cursos sobre conservação ambiental e organizando atividades de turismo de base comunitária.
Ameaça imobiliária
Dentro da APA Lago do Amapá, por cerca de 15 quilômetros, passa a Via Verde, ou BR-364, cujo trecho foi construído recentemente pelo governo do Acre. A lógica de intervenção, de acordo com especialistas, seria direcionar o crescimento urbano para a região da APA. Para isso, decidiu-se criar um novo centro administrativo e descentralizar alguns serviços do poder público.
“No começo de 2022, um grupo de empresários do setor imobiliário conseguiu inserir no plano de manejo da APA Lago do Amapá a aprovação de um loteamento popular sobre o aquífero em Rio Branco, que fica em parte da área da APA”, salienta Silva. Foi a possibilidade de construção desse tipo de obra que fez o setor buscar a extinção da área de preservação ambiental. “A alegação dos empresários era de que seria relevante para o desenvolvimento da cidade fazer obras urbanas ali. Mas parece que ignoraram a relevância dos serviços [ecossistêmicos] prestados pela APA”, acrescenta Moacyr.
Alieth lembra que Rio Branco vem sofrendo mais a cada ano com a escassez de água. Dados do MapBiomas Água confirmam a tendência de perda de superfície no local desde 2018, quando a capital acreana tinha 3.113 hectares de água. Em 2022, esse número caiu para 2.797 hectares – redução de 10,1%. “O setor imobiliário ainda é uma ameaça, pois estão pedindo na prefeitura de Rio Branco a expansão urbana para cima da nossa APA. Além de casas, o setor que construir galpões na região porque dizem que é mais lucrativo. Nossa luta agora é convencer a prefeitura para não permitir isso”, alerta Alieth.
Outro ponto de grande interesse histórico é o cemitério do Seringal Benfica. “Naquele lugar foi enterrado o coronel Plácido de Castro, comandante militar da revolução Acreana e outros seringueiros. Essas atividades têm grande atrativo para o turismo de base comunitária que Alieth quer oferecer, mas busca parcerias ainda. As invasões e os loteamentos das propriedades pelo setor imobiliário são ruins para o local e sua história”, explica Claudio. As atividades de turismo estão associadas aos atrativos naturais próximos a florestas densas e o Rio Acre, como no caso do Lago, meandro abandonado do rio. A maior incidência desse tipo de atividade ocorre nos finais de semana.
As pessoas que vivem na APA tiram seu sustento de atividades econômicas primárias, como a agricultura familiar e a pecuária. “Ocorrem em propriedades de pequeno e médio porte com plantios de frutas, mandioca e outras culturas produtivas voltadas à subsistência do núcleo familiar e comercialização em mercados da cidade”, afirma Claudio.