Vista aérea da destruição causada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, um dia após o ocorrido — Foto: André Penner/AP
ARTIGO
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Por – Roberta Danelon Leonhardt, Roberto Scacchetti, Isabella Guerrero, Ana Mársico e Sérgio Opice, especial para Neo Mondo
Após meses de debates sobre o assunto, a Secretaria Geral da Presidência da República prosseguiu com a criação de um conjunto de normas para regulamentar o processo indenizatório da população atingida por eventos relacionados a barragens. Assim, no dia 18 de dezembro, foi publicada, no Diário Oficial da União (DOU), a Lei nº 14.755/2023, a qual estabelece a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
A lei era muito esperada. Suas disposições, em grande parte, foram inspiradas pela Política Estadual dos Atingidos por Barragens em Minas Gerais (PEAB – Lei Estadual nº 23.795/2021), pioneira na regulação da matéria. A PNAB tem por objetivo conferir direitos às pessoas sujeitas a impactos provocados pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens de mineração e energia em todo o território nacional.
O Estado de Minas Gerais, por ser cenário de eventos pretéritos envolvendo o rompimento de barragens e remoção preventiva de comunidades, já havia publicado a Lei Estadual nº 23.795 em 2021, atribuindo e elencando as responsabilidades do Estado e dos empreendedores na prestação de assistência aos atingidos por barragens. O legislador federal, ao redigir as disposições da PNAB, encontrou inspiração no texto legal mineiro, trazendo previsões semelhantes àquelas lá previstas.
A PNAB deverá ser observada pelos empreendedores que possuem barragens enquadradas na Lei nº 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), tanto como medida preventiva, no processo de licenciamento ambiental de barragens, quanto como para fins de reparação daqueles efetivamente impactados em casos de vazamento e rompimento.
O art. 2º estabelece quais os indivíduos que podem ser considerados como “Pessoas Atingidas por Barragem” (PAB), sendo todos os aqueles que suportaram, pelo menos, um dos impactos abaixo listados:
- perda da propriedade ou da posse de imóvel;
- desvalorização de imóveis em decorrência de sua localização próxima ou a jusante das barragens;
- perda da capacidade produtiva das terras e de elementos naturais da paisagem geradores de renda, direta ou indiretamente, e da parte remanescente de imóvel parcialmente atingido, que afete a renda, a subsistência ou o modo de vida de populações;
- perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais;
- interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique o abastecimento;
- perda de fontes de renda e trabalho;
- mudança de hábitos de populações, bem como perda ou redução de suas atividades econômicas e sujeição a efeitos sociais, culturais e psicológicos negativos devidos à remoção ou à evacuação em situações de emergência;
- alteração no modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais;
- interrupção de acesso a áreas urbanas e comunidades rurais.
A PNAB estabelece algumas diretrizes para fins de indenização dos atingidos por barragens – o que antes ficava exclusivamente a cargo dos acordos coletivos celebrados entre empresas e instituições de justiça como Ministério Público e Defensoria –, ou mesmo fixadas judicialmente em ações individuais.
Ainda, a política prevê requisitos mínimos para compensação e reparação, que antes não eram obrigatórios e hoje devem ser realizadas pelos empreendedores nas situações previstas no texto da norma, tais como: indenização pecuniária, reassentamento coletivo de comunidades como opção prioritária, contratação de assessoria técnica independente para a comunidade, pagamento auxílio emergencial, dentre outros.
Outra inovação da lei é a previsão de disponibilização, pelo empreendedor, ao familiar ou indivíduo, de cópia de todas as informações constantes a seu respeito, até 30 dias após a atualização do cadastramento para fins de reparação, bem como a realização de consulta pública da lista de todas as pessoas e organizações cadastradas para fins de reparação.
Note-se, no entanto, que alguns desses aspectos ainda estão pendentes de regulamentação, nos termos citados na nova lei.
A legislação apresenta, portanto, premissas relativas às responsabilidades sociais dos empreendedores, privilegiando-se o princípio da centralidade da comunidade afetada pelo empreendimento, visando a assegurar os direitos ali previstos e sua efetividade.
Como mencionado, há conceitos abertos na norma no que diz respeito às formas de reparação, que pendem de regulamentação por decreto ou, enquanto não houver, caso a caso, conforme negociação entre empreendedor e comunidade. As negociações devem ocorrer de forma preferencialmente coletiva, em relação a parâmetros, etapas e projetos de moradia.
Nesse contexto, a PNAB trouxe como direito das comunidades a coexistência de diversas formas de reparação de um momento dano, de modo não concomitante (art. 3º, §§1º e 2º).
O que se nota, por outro lado, é que boa parte dos programas indenizatórios estabelecidos pelas empresas em situações análogas já cumpre com os princípios e premissas principais definidos pela nova lei, mesmo tendo sido criados preteritamente à sua edição.
Para efetivar as medidas estabelecidas na PNAB, o empreendedor deverá criar e estruturar, às suas expensas, um Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB), por meio do qual se assegurará um processo negocial indenizatório seguro e que respeite as premissas estabelecidas pela Lei nº 14.755/2023, garantindo a integral reparação aos danos causados.
O PDPAB deverá ser aprovado pelo Comitê Local da PNAB, que será composto por representantes do poder público, dos empreendedores envolvidos e da sociedade civil. O Ministério Público e a Defensoria Pública terão direito a voz nas reuniões dos órgãos, atuando como fiscais do processo reparatório.
A Lei 14.755/2023 também prevê a obrigatoriedade de criação de programas de assistência técnica necessários à reconstituição dos modos de vida e das redes de relações sociais, culturais e econômicas, inclusive as de natureza psicológica, assistencial, agronômica e outras, bem como de programas específicos destinados a mulheres, idosos, crianças, indígenas, pessoas com deficiência, pescadores, ribeirinhos e pessoas em situação de vulnerabilidade. O artigo 5º deixa em aberto a possibilidade de inclusão de outros públicos, em regulamento específico.
Para além da reparação em âmbito individual, também ganha destaque a reparação de eventuais danos coletivos causados a partir dos empreendimentos, como saúde, saneamento ambiental, habitação e educação da comunidade.
A Lei nº 14.755/2023 prevê a criação de um órgão colegiado a nível federal – composto por representantes do poder público, dos empreendedores e da sociedade civil, estes últimos indicados pelos movimentos sociais de atingidos por barragens –, de natureza consultiva e deliberativa, que será competente para acompanhar, fiscalizar e avaliar a implementação da PNAB em território nacional, cujo funcionamento ainda pende de regulamentação.
Como se pode observar, a PNAB visa a estimular o cumprimento da PNSB, evitando-se novos incidentes, bem como reforçar uma atuação social do empreendedor para com o território em que exerce suas atividades, mitigando danos pretéritos e prevenindo danos futuros envolvendo barragens.
As disposições da PNAB são relevantes não só para os casos de rompimentos de barragens ou remoções preventivas de população, como também para conscientizar e preparar o empreendedor para situações como essas. Isso é relevante tanto para que seja realizada estimativa de valores a serem despendidos, quanto para que seja preparado um plano de contingenciamento de emergências e atendimento imediato à comunidade afetada.
As medidas preparatórias minimizam riscos como: sanções dos órgãos públicos, ajuizamento de ações coletivas, e danos reputacionais ao empreendedor. A bem da verdade é que ser uma empresa consciente na preparação para situações de emergência e ter capacidade de dar respostas rápidas e eficientes a esse tipo de situação apenas reforça uma imagem positiva e a responsabilidade social da empresa perante o mercado.
Roberta Danelon Leonhardt, sócia da área Ambiental do Machado Meyer Advogados
Roberto Scacchetti, sócio da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados
Isabella Guerrero, advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados
Ana Mársico, advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados
Sérgio Opice, advogado da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados