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Por – Manuela Bergamim, Embrapa Florestas, para Neo Mondo
Valores contribuem para reduzir o saldo líquido de emissão de gases de efeito estufa (GEE) do País
Um estudo inédito da Embrapa Florestas (PR) começou a mensurar os dados de acúmulo de carbono em produtos florestais madeireiros (PFM), como madeira serrada, painéis de madeira e papel e papelão, bem como resíduos descartados desses materiais. O primeiro levantamento foi elaborado em 2020, utilizando o ano de 2016 como referência, e contabilizou 50,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente no País. O número obtido, apesar de ser considerado ainda pequeno, quando comparado a outros países, representa 3,5% do total de emissões de gases de efeito estufa (GEE), e é deduzido da conta final de emissões brutas, o que pode ser cada vez mais estratégico para o Brasil.
Esses dados foram incluídos no Inventário Nacional de GEE enviado à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). O relatório, publicado a cada cinco anos, apresenta um panorama sobre a implementação no País da chamada Convenção do Clima e tem como um dos principais componentes a revisão e atualização do Inventário Nacional de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa (GEE) não Controlados pelo Protocolo de Montreal.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Florestas Luiz Marcelo Rossi, responsável pela coordenação do relatório sobre a remoção dos PFM, a metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC-2006) estabeleceu modelos, cálculos e dados de referência, como a densidade de cada madeira considerada e o teor de carbono dos produtos. “A madeira é composta por carbono em cerca de 50%, assim todo PMF, como um móvel, um livro ou uma tábua, contém carbono que foi retirado da atmosfera pelas árvores. Dessa maneira, o carbono permanece armazenado no produto até que se inicie a decomposição e a consequente emissão de CO2 após o uso. Assim, a produção e o uso de PMF são formas de aumentar a remoção de CO2 da atmosfera, contribuindo para redução dos efeitos das mudanças climáticas”, afirma Rossi. A contribuição dos produtos florestais na remoção de CO2 representa cerca de 13% das emissões brutas do setor Uso da Terra, Mudança do Uso da Terra e Florestas (LULUCF).
Produtos contabilizados
Os dados brutos de produção madeireira são obtidos do banco de dados estatísticos da Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e usados nos cálculos do carbono dos produtos florestais. O banco de dados possui informações desde 1961, com atualizações periódicas. “Para o cálculo das estimativas de carbono, considera-se a produção e as perdas de madeira anuais, além do descarte dos produtos em uso e a taxa de decomposição da madeira, a qual emite CO2 para a atmosfera, obtendo-se assim o balanço de carbono desses produtos a cada ano”, explica o pesquisador.
Para a estimativa final do estoque de carbono dos PFM é considerada a produção de toras que se destina a vários processos industriais, exceto madeira e carvão, já que, pela metodologia do IPCC, essas categorias geram emissão imediata de carbono. “A madeira em tora produzida pelos plantios é transformada em três tipos principais de produtos industriais: produção de papel e papelão, painéis, chapas e laminados e madeira serrada”, acrescenta Rossi. Os produtos são contabilizados até essa etapa de processamento, apesar de a madeira seguir por outros processos de transformação, como painéis que viram móveis, papéis para confecção de livros e madeira serrada para construção de casas.
Perdas e cálculos
Após serem colhidas, as toras geram resíduos, como galhos, pontas, raízes e cascas, que são descartados e, portanto, não considerados na conta do carbono estocado, além das perdas no processamento industrial da madeira.
Para os cálculos de carbono nos produtos, pela metodologia do IPCC, considera-se o tempo de meia-vida de cada produto, sendo dois anos para os de papel e papelão, e 30 anos para a madeira sólida (serrada) e painéis de madeira. A medida de meia-vida significa que, ao final daquele tempo, o produto terá somente metade do carbono que possuía no momento da fabricação ou retirada da floresta. Para cada ano decorrido desses produtos, contabiliza-se também a perda natural do carbono que é emitido pela decomposição. E todos esses produtos são adicionados à conta, os novos, os já existentes e os descartados, que ficam em decomposição em aterros e lixões, ou que são reaproveitados/reciclados.
Segundo o guia metodológico do IPPC, as estimativas de carbono em produtos florestais podem ser feitas por três diferentes abordagens (mudança de estoque, fluxo atmosférico e de produção), cabendo a cada país decidir qual a mais adequada para elaborar seu inventário de emissões. Isso porque cada uma delas é influenciada pelas características de produção, consumo, exportação e importação de produtos florestais de cada país. A abordagem utilizada pelo Brasil para a estimativa da contribuição dos produtos florestais madeireiros é a de fluxo atmosférico, que favorece os grandes países produtores e exportadores de produtos madeireiros.
Acúmulo e emissão
O gráfico acima mostra a contribuição dos produtos florestais madeireiros para o setor de Agricultura, Florestas e Uso do solo (Agriculture, Forests and other land use – AFOLU). A remoção de CO2 promovida pelos PFM aumentou muito com o passar dos anos. De 1990 a 2016 a remoção anual variou de -11 milhões a -50 milhões de toneladas, segundo a abordagem de fluxo atmosférico. O valor negativo retrata justamente que houve remoção de carbono da atmosfera por parte desses produtos.
Construções mais sustentáveis
O aumento do número de produtos florestais madeireiros, além de estratégico para o País no balanço final de emissões, é um fator que está atrelado a políticas mais sustentáveis, que incentivam o uso da madeira. “A madeira é um bem renovável, em substituição a outros materiais, principalmente na construção civil na qual tem dupla função: além de armazenar o carbono nas estruturas de madeira, substitui o aço e o concreto, produtos com grande emissão de CO2 na produção”, pontua o pesquisador.
A utilização da madeira em construções é uma prática milenar e muito comum na atualidade, sendo empregada há várias décadas por países como Canadá, Alemanha, Estados Unidos, Chile e países escandinavos, entre outros de regiões mais frias. No Brasil (São Paulo e Paraná) também já existem construções modernas feitas de madeira, que usam tecnologia sustentável. Atualmente, a busca por materiais mais sustentáveis e de menor impacto ambiental – que reduzem a emissão de resíduos e o consumo de água – tem se tornado uma tendência global, o que coloca a madeira em maior evidência no mercado da construção.
A madeira engenheirada passa por processos industriais que otimizam seu desempenho para uso na construção civil e tem sido usada na composição de prédios com dezenas de andares como um de 85 metros, localizado na Noruega. Há países, como a França, que deram um passo além, ao tornar obrigatório, a partir de 2022, o uso de materiais naturais, como a madeira, em pelo menos 50% dos edifícios públicos financiados pelo Estado. Seu objetivo é continuar a melhorar o desempenho energético e o conforto dos edifícios, ao mesmo tempo em que reduz o impacto da emissão de gases de efeito estufa, durante toda a sua cadeia produtiva.
A tecnologia embutida na madeira engenheirada usada nas construções atuais traz muita inovação, minimizando as vulnerabilidades da madeira comum. O processo construtivo atual oferece materiais em madeira com maior potência, durabilidade, segurança e resistência a insetos.
“Nas últimas décadas, priorizamos o uso de tijolos e cimento na construção, o que levou à diminuição da oferta de madeiras de florestas nativas. Culturalmente, casas de madeira passaram a ser vistas como mais simples ou pobres. Essa tendência começa a se reverter com o avanço na arquitetura de madeira e no desenvolvimento de novos sistemas construtivos, com peças industriais”, diz Erich Schaitza, chefe-geral da Embrapa Florestas.
Schaitza enfatiza que cada vez mais a madeira tem se destacado como material construtivo de qualidade e com emissões menores do que as de outros materiais. “Daqui para frente, vamos ter que pensar em balanços de gases de efeito estufa em todas as nossas atividades e construir casas de madeira de forma sustentável, o que implica manter mais florestas produtivas e armazenar carbono nas estruturas das casas. Estudos como este, que contabilizam o carbono nos produtos florestais madeireiros, evidenciam o lado positivo de se usar madeira”, aponta.