Quase 21 % dos negócios que impactam a região são greentechs e promovem ações urgentes para recuperação do meio ambiente e, sobretudo, de biomas – Imagem: Freepik
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Promovendo inovação sustentável e desenvolvimento regional
Na era atual, marcada pela urgência das mudanças climáticas e pela necessidade premente de adotar práticas mais sustentáveis, as Greentechs – empresas que desenvolvem soluções tecnológicas para promover a sustentabilidade ambiental – emergem como protagonistas na busca por um futuro mais verde e resiliente. Neste contexto, as Greentechs latino-americanas estão ganhando destaque, oferecendo soluções inovadoras para os desafios ambientais enfrentados pela região. Aqui exploraremos a crescente importância dessas empresas e seu impacto no cenário regional e global.
Apesar dos desafios socioeconômicos, a América Latina tem sido um terreno fértil para o surgimento e crescimento de Greentechs devido à sua rica biodiversidade, vasto potencial de energia renovável e crescente conscientização ambiental.
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A região testemunhou um aumento significativo no número de startups e empresas dedicadas a desenvolver soluções tecnológicas inovadoras para enfrentar questões ambientais, tais como energia limpa, gestão de resíduos, agricultura sustentável e transporte ecoeficiente.
Nos últimos quatro anos a Fundação Dom Cabral (FDC) vem investigando empresas de empreendedores sociais, chegando a criar o Selo Impact para reconhecer as melhores práticas geradoras de impacto positivo. Agora, com uma base de dados que já conta com mais de 2380 empreendedores sociais de 25 países, a escola de educação executiva identificou que quase 86% das greentechs possuem como foco a preservação ambiental aliada à otimização da produção visando a redução do desperdício de recursos naturais. Outro fator de destaque é que 78% delas estão no Brasil, divididas entre as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte.
À medida que a América Latina avança em direção a uma economia mais sustentável e resiliente, as Greentechs desempenharão um papel fundamental na condução dessa transformação. Ao promover a inovação, a competitividade e o desenvolvimento regional, essas empresas estão não apenas abordando desafios ambientais urgentes, mas também pavimentando o caminho para um futuro mais verde e próspero para todos.
O mapeamento revelou os seguintes dados:
- 54,5% estão na fase de crescimento com qualidade na entrega de valor e mais de 23% na etapa de scale-up (empresas consolidadas);
- Cerca de 50% são modelos de negócio pautados na relação B2B; 23% B2B2C e os outros 27% são dispersos entre modelos de negócios B2C, marketplace e P2P;
- Aproximadamente 50% das empresas têm foco em Desenvolvimento e Sustentabilidade e 10% em Sustentabilidade e Sociedade;
- 64% contam com até 10 funcionários;
- 78% das empresas impactam positivamente, em sua área de atuação, um número superior a 100 pessoas;
- Cerca de 50% faturam até R$ 500 mil anuais e 27,3% faturam acima deste valor;
- 90% são considerados negócios conscientes de ESG, impacto, sustentabilidade socioambiental;
- 79% abrangem o foco em planeta entre os 5P’s da Agenda 2030 da ONU (Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias), ligados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS. Além disso, 50% têm foco em prosperidade;
- 86% buscam adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos, com ênfase nas ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima), e ODS 15 (Vida terrestre, protegendo, recuperando e promovendo o uso sustentável dos ecossistemas terrestres);
- Cerca de 60% das empresas têm pequenas empresas como principais clientes.
Para termos uma noção real dos desafios e oportunidades que as greentechs enfrentam, entrevistamos Fabian Salum, professor e líder da pesquisa pela Fundação Dom Cabral.
Qual foi o principal objetivo da pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral em relação ao empreendedorismo latino-americano?
Em 2019, decidimos investigar o comportamento do empreendedorismo social com impacto socioambiental no Brasil. Nosso foco no início era o Brasil apenas. Buscamos entender de que maneira a Agenda 2030, da ONU, e as ODSs já davam sinais de interesse aos empreendedores para criar e investir tempo em estratégias e modelos de negócios de startups ligadas a este fim. Com o objetivo de medir, divulgar e principalmente consolidar conhecimento de impacto socioambiental positivo para com a sociedade, esse foi o principal intuito: conectar os objetivos estratégicos da Fundação Dom Cabral com o que, naquele momento, a gente começou a observar na sociedade brasileira. Em 2020, ampliamos nossa pesquisa para toda a América Latina, exceto Cuba e Belize, que não participam por características geopolíticas. Estamos, neste momento, conduzindo a pesquisa em parceria com o Innovation Latam, um hub digital que está conosco desde o início, é um hub de inovação aberto, com conexões em vários países. Estamos buscando um alinhamento da evolução e da necessidade de evoluir as métricas de impacto socioambiental dessas startups, empresas nascentes e já bem maduras em alguns casos, com os objetivos da sociedade e da Fundação Dom Cabral.
Quais são os principais destaques encontrados no mapeamento inédito das greentechs latino-americanas feito pela FDC?
As greentechs latino-americanas têm o foco na preservação ambiental, este é um ponto fundamental. A busca pela otimização da produção visando a redução de desperdício de recursos naturais é o segundo pilar que identificamos, com uma redução do uso inadequado dos recursos naturais promovendo o não desperdício. A América Latina possui muitos recursos hídricos e muitas florestas. E quando falamos de greentechs, estamos falando de regiões muito representativas no tema da sustentabilidade ambiental, geração de emprego, fontes renováveis (tanto de energia, quanto de alimentos). O ambiente latino-americano é responsável pela produção de alimentos para muitas partes do mundo, alimentos como café, proteína, derivados de soja, mudas de plantio para reflorestamento, entre outros.
Nós, inclusive, encontramos diversas startups com projetos de incubadora para trabalhar o aspecto do reflorestamento e garantia da captura de CO2 na atmosfera. Percebemos que nesta região se caracteriza muito forte o tratamento, prevenção e correção de desvios conduzidos ao longo dos últimos anos.
Como as greentechs estão contribuindo para a preservação ambiental e a redução do desperdício de recursos naturais na região latino-americana?
Muito tem a ver com o nível de maturidade das startups. Nos nossos achados, a pesquisa aponta que o percentual destinado da receita dessas startups para medir o impacto e promover um estágio de amadurecimento vem crescendo progressivamente a cada ano. No primeiro, 77% das receitas eram investidos na mensuração do impacto. No ano seguinte, em 2022, o percentual subiu para 81%. Isso demonstra como investir parte da receita obtida na geração de métricas promove a maturidade do negócio. As greentechs têm trabalhado muito na preservação do meio ambiente e redução do desperdício com medições de impacto. Este é o principal aspecto. Outro ponto importante é que aproximadamente 50% das empresas têm o foco no “desenvolvimento e sustentabilidade” e apenas 10% em “sustentabilidade e sociedade”. Ou seja, qualquer solução ou impacto promovido para o meio ambiente tem a ver com o desenvolvimento da comunidade local buscando sua autossustentabilidade. Além disso, 90% consideram seus negócios conscientes para resolver problemas de ESG na ótica das empresas e organizações.
A cada ano, a geração de conhecimento e a oferta de soluções que são apresentadas pelas startups tem amadurecido em relação à medição do impacto, desenvolvimento e sustentabilidade da sociedade no longo prazo. Refletindo também na consideração que a sua solução pode resolver desafios ESG, promovendo impacto positivo para a sociedade. O foco da greentech é transformar a sociedade para o uso consciente e aplicado de produtos e consumo. São soluções com um olhar para ampliar a atuação para inúmeras áreas ou centros e ambientes de relacionamento, crescendo de maneira escalada para a entrega de soluções para inúmeras outras regiões e pontos de atendimento.
Como as empresas participantes da pesquisa se relacionam com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente os relacionados à ação climática e à proteção da vida terrestre?
Considerando a ODS #15 (Vida sobre a Terra), este não era um número apresentado em termos de representatividade. Mas percebemos um crescimento no último relatório publicado, em 2023. Para a atual coleta de dados, temos a expectativa de identificar um número ainda mais representativo. A ODS #15 é uma das que possui menos aderência.
Quais são alguns exemplos de soluções oferecidas pelas greentechs latino-americanas para promover um uso consciente de produtos e colaborar com impactos positivos na sociedade?
Na Venezuela, em 2020, nós tivemos uma startup chamada “Água Segura” – que tem um modelo comunitário de instalar, operar e manter a unidade de purificação de água nas comunidades. Para se ter uma ideia, eles realizaram impactos promovidos em aproximadamente 638 pessoas que pertencem a uma comunidade, 308 pessoas foram avaliadas por profissionais da saúde e foi identificada uma redução no caso de doenças transmitidas pela água em populações absolutamente vulneráveis, muito pelo trabalho realizado pela startup. Esse é um exemplo claro com foco na ODS #11 (Cidades e Comunidades sustentáveis). Estamos falando de permitir que a sociedade possa viver em ambientes menos contaminados.
As ODSs mais frequentes ao longo desses anos de pesquisa são as ODS #8 (Trabalho decente e crescimento econômico), #11 (Cidades e Comunidades sustentáveis) e #12 (Consumo Responsável). As ODSs #1 (Erradicação da pobreza) e #10 (Redução das desigualdades) também aparecem com frequência oscilando entre o quarto ou quinto lugar entre as mais concentradas em modelos de negócios e estratégias dessas startups.
Quais são os desafios mais significativos enfrentados pelas greentechs latino-americanas em seu contexto atual, e quais estratégias estão sendo adotadas para superá-los?
O primeiro desafio é o fomento. A grande maioria não conta com recursos vindos de agentes externos. Esse é um problema que assola todas as startups fundadas por empreendedores sociais, não apenas as greentechs. A América Latina sofre disso, pouco recurso de fomento, a maioria das startups conta com recurso próprio (ajuda de amigos, crowdfunding e eventualmente algum investidor anjo).
A gestão e a persistência de projetos relacionados ao impacto positivo é o segundo desafio. Todos os projetos nessa linha demandam uma forma inédita de criação de métricas de referência para a mensuração do produto e, de fato, da transformação que ela se propõe a fazer em alguma dessas ODSs. Todas as startups têm como desafio mensurar a métrica, a escala desse impacto. Em termos de contexto atual, estamos vivendo um processo de evolução e aprendizado contínuo do entendimento de como essa métrica pode ser concebida, monitorada e comunicada.
O último desafio dentro do contexto atual é a oportunidade de desenvolvimento de Gestão, seja ela administrativa, financeira ou de liderança. Este é um desafio considerando o forte contexto de crescimento que elas começam a ter.
As estratégias adotadas para superar esses desafios são emergentes. Com recursos locais, mas de desenvolvimento, apoiadas principalmente por cooperativas de trabalho, ecossistemas, novas tecnologias e conexão a projetos do Banco Mundial ou do Banco de Desenvolvimento Interamericano (BID) ou por, eventualmente, fontes de fomento dos próprios países. Neste contexto de apoios, elas se dedicam a se conectar e, principalmente, solicitar recursos provenientes dessas fontes. Por outro lado, a participação em pesquisas, eventos e feiras focados em pautas ESG, também pode ser considerada uma estratégia para superar esses desafios na conexão com empresas de grande porte, por exemplo. E é nisso que nós da Fundação Dom Cabral acreditamos que podemos ofertar, uma conexão entre as soluções das startups com as demandas das grandes organizações. Essa é a nossa perspectiva, quando elas participam da pesquisa, por meio de dados, retribuímos divulgando por meio da nossa metodologia, totalmente idônea e isolada de qualquer interferência, com um selo que legitima a participação dessas startups nesse ecossistema.