A região do Raso da Catarina, no município baiano de Paulo Afonso, faz parte da nova zona de clima árido – Foto: Luiz G de Figueiredo / Getty Images
Por – Redação Neo Mondo, com informações de Marcos Pivetta e Renata Fontanetto da revista FAPESP
Em novembro passado, diversos veículos de comunicação trouxeram uma notícia alarmante: pela primeira vez, foi registrado no Brasil uma área com características de deserto. Localizada no vale submédio do rio São Francisco, no centro-norte da Bahia, próxima à divisa com Pernambuco, essa região abrange uma área aproximadamente quatro vezes maior que a cidade de São Paulo. Composta por uma pequena parcela nos limites de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, e uma extensão maior localizada entre 200 e 300 quilômetros ao norte, essa área agora figura como uma das mais áridas do país.
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A notícia do avanço das áreas secas, embora verdadeira, foi um pouco exagerada em seu tom. Na verdade, a área em questão foi elevada de seu histórico status semiárido para o atual de árido. Embora essa mudança de classificação seja inédita no Brasil e torne essa região nordestina, com pouco mais de 5.700 quilômetros quadrados, a mais árida do país, não significa que tenha se formado um deserto. O ecossistema classificado como hiperárido, um estágio mais extremo do que o árido e praticamente desprovido de vegetação, ainda não foi atingido. Além disso, a nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que embasou essa reclassificação confirma um cenário mais amplo: a maior parte do território nacional, exceto o Sul e partes litorâneas do Sudeste, está se tornando menos úmida.
Essa tendência geral indica que as regiões secas do Brasil e do mundo estão se tornando ainda mais secas, enquanto as úmidas estão perdendo sua umidade. No Brasil, essa tendência é clara, com exceção dos três estados do Sul, que permanecem úmidos e devem continuar assim no futuro. Essa propensão a um clima menos úmido também afeta partes da Amazônia, o bioma com o maior estoque de água do país. O desmatamento progressivo da floresta e as mudanças climáticas contribuem para tornar o ambiente mais quente e propenso a períodos de estiagem prolongada.
O aumento da demanda atmosférica por água é um fator significativo nesse processo, segundo Javier Tomasella, engenheiro de recursos hídricos do Inpe. O aquecimento global está elevando as temperaturas no país, intensificando a evapotranspiração, o processo pelo qual a água evapora do solo e das plantas para a atmosfera. Esse aumento na evapotranspiração, mais do que a falta de chuvas, é responsável pelo crescimento da aridez em muitas regiões.
O aumento da área semiárida no Brasil é um fenômeno observado desde a década de 1960. Hoje, essa área abrange cerca de 800 mil quilômetros quadrados, representando 9,4% do território nacional. A expansão dessas áreas está relacionada à redução de áreas subúmidas secas, especialmente entre 1970 e 2010, enquanto entre 1990 e 2020, as áreas consideradas secas no Brasil se expandiram.
Além do Nordeste, outras partes do país estão se tornando menos úmidas. Um estudo realizado pelo ecólogo Gabriel Hof-mann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta que o Cerrado, principalmente sua porção centro-norte, está se tornando significativamente mais seco nas últimas décadas. A redução da umidade também é observada no Pantanal, onde a área periodicamente alagada está diminuindo.
As mudanças climáticas, impulsionadas pelo aquecimento global, aceleram o ciclo da água, tornando os eventos climáticos mais extremos. Embora não haja consenso absoluto sobre as previsões de precipitação para o Brasil nas próximas décadas, os padrões históricos indicam uma tendência clara. O aumento das temperaturas e a redução da umidade representam desafios significativos para o país, especialmente para as regiões classificadas como secas.