A jornalista Eleni Gritzapis e o convidado Fabio Alperowitch gravando para o greenTalks – Imagem: Divulgação/Canta
Por – Eleni Gritzapis, especial para Neo Mondo
O mais novo episódio do greenTalks entrevista um convidado muito especial para falar de Sustentabilidade e Investimentos Responsáveis: Fabio Alperowitch
Em 1993, com 21 anos de idade, fundou a fama re.capital, uma plataforma de Investimentos Responsáveis, e atualmente ocupa a função de CIO. Em 2014, foi selecionado entre os 99 melhores investidores do mundo na publicação “The world’s 99 Greatest Investors: The Secret of Success”, organizado por Magnus Angenfelt. Durante a sua trajetória, participou da fundação de quatro ONGs.
Atualmente está no conselho de diversas instituições do terceiro setor, entre as quais: WWF-Brasil, Instituto Ethos, Pacto pela Equidade Racial e Museu Judaico de São Paulo.
O greenTaks é uma iniciativa pioneira entre a green4T e NEO MONDO para discutir o papel fundamental da tecnologia na promoção de um futuro mais sustentável.
Confira os alguns trechos da entrevista e não deixe de assistir a íntegra abaixo:
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(greenTalks) – Fabio, como foi sua jornada desde a fundação da fama re.capital até sua posição atual como CIO?
Várias vezes me perguntam de onde veio isso tudo e eu não sei exatamente responder. Tenho um pai que é engenheiro, super cartesiano e radicalmente ético, não faz absolutamente nada fora do lugar. E minha mãe é o contrário, super humanista, psicóloga, enfim, uma pessoa muito empática. Acho que sou um pouco desse mix, veio esse senso de justiça, de querer fazer o que é correto, sempre fui bastante inconformado com muitas coisas…
Aos 21 anos, quando decidi fundar fama re.capital, precisava fazer alguma coisa diferente do tradicional. Para mim, é impossível colocar dinheiro que fosse meu ou de investidores terceiros em empresas que fizessem mal para as pessoas ou mal para a sociedade ou para o planeta. Então, tudo começa desse jeito, que era mais uma grande lista de exclusão, não quero fazer negócio com quem estraga, mas depois evoluiu para uma agenda mais positiva, de tentar influenciar nas companhias para que elas fossem cada vez melhores.
Hoje estamos fazendo muita coisa legal, desde financiamento de povos da floresta, indígenas, quilombolas e agricultura familiar regenerativa até a descarbonização de empresas que são altamente poluentes.
(greenTalks) – Como a experiência de fundar ONGs e atuar em conselhos de instituições do terceiro setor influenciou sua visão sobre sustentabilidade e investimentos responsáveis?
Não considero as coisas de forma separada. Para mim, só é possível entender o mundo quando compreendemos que tudo faz parte de um sistema complexo, precisamos ter uma visão sistêmica e holística.
Infelizmente, muitos olham para investimentos como se fosse uma caixinha, querem maximizar resultado sem entender as externalidades negativas que esse resultado eventualmente traz e se esquecem da sociedade, se esquecem do planeta. Na minha visão, isso é algo impossível.
Então, quando falamos das ONGs, das minhas atividades no terceiro setor, do tipo de pessoas com quem me relaciono, isso faz parte do mundo de investimentos também, considero um mundo só. Infelizmente, não é assim que é visto. Precisamos derrubar esses muros.
(greenTalks) – Você pode nos explicar o que é investimento responsável, especialmente para quem é leigo? E como eles se diferenciam de outras formas de investimento?
Investir responsavelmente significa entender o que o seu dinheiro está nutrindo. Vou dar um exemplo hipotético: uma pessoa faz um investimento simples, compra um CDB num banco. Isso não significa que o seu dinheiro está indo para uma caixinha onde o banco, no final de cada mês, coloca ali o seu rendimento. Ele está indo para um banco que usa esses recursos para financiar diversas atividades. E essas atividades, muitas vezes, são controversas, financiam, muitas vezes, desmatamento, emissão de gás de efeito estufa etc.
Por isso, precisamos entender o que o nosso dinheiro, o investimento, provoca. E, infelizmente, no status quo que a gente vive, o sistema que a gente vive, nos trouxe algumas calamidades, como a calamidade climática e a desigualdade cada vez mais acentuada. E isso tudo tem sido, de certa forma, provocado e patrocinado pelo mundo financeiro.
Então, precisamos repensar um pouco como investimos nossos recursos para promover redução de desigualdades, promover justiça social, promover ética. Precisamos também levar em consideração que, óbvio, todo mundo quer ganhar dinheiro, quer ter maiores retornos, mas maximizar retornos sem entender o que aquele investimento provoca como consequência ou efeito colateral, é olhar só para si, e acho que isso está errado.
(greenTalks) – E, Fábio, por que você acha que ficou tão forte essa questão de maximizar investimento só, sem o olhar sistêmico do investimento?
Essa é uma pergunta bem complexa, porque acho que envolve desde questões antropológicas do ser humano, como ele se vê diante da sociedade – e acho que ele olha muito pra si, especialmente a geração a qual eu pertenço. Felizmente, a nova geração tem um olhar um pouco diferente.
A partir da década de 70, especialmente nos anos 80 e 90, quando o capitalismo passou por um momento de um capitalismo mais hostil, onde valia tudo para poder atingir resultados, e esse valer tudo significa eu quero todo o benefício para mim. Não pode esquecer também que, em 1971, Milton Friedman influencia muito o pensamento econômico, especialmente do mundo corporativo, dizendo que a maximização de resultados é principal alavanca de quase justiça social que as empresas poderiam fazer. E o mercado financeiro talvez maximize ainda mais, ou potencialize ainda mais essa compreensão.
Então, temos uma cultura corporativa, principalmente dentro do mercado financeiro, que é nociva em relação à questão social. Precisamos sair do capitalismo de shareholder, onde cada um olha para o seu umbigo e maximiza o seu resultado, para um capitalismo mais inclusivo, de stakeholder. Portanto, o bem-estar do seu fornecedor, do seu cliente, do meio ambiente, do governo, do seu competidor, do seu colaborador etc., precisa ser contemplado em todas as decisões do mundo corporativo.
(greenTalks) – Na sua perspectiva, como o resultado da próxima eleição dos EUA e novos frameworks, como CVM/IFRS e regulamentações da EU, podem influenciar o cenário de investimentos sustentáveis?
Tradicionalmente caímos na armadilha ideológica e entendemos as questões sociais e ambientais como direita versus esquerda. E isso é uma compreensão errada, porque acho que é legítimo entender que tanto direitos humanos quanto meio ambiente não têm lado. Eles devem estar acima de qualquer ideologia. E a abordagem da direita ou da esquerda em relação a essas questões pode se diferenciar, e isso é democrático. A direita pode ter as suas propostas, a esquerda pode ter as suas propostas, pode existir um debate de ideias, choque etc., como em toda a democracia.
Infelizmente, não é o que acontece na prática. De certa forma, a esquerda sequestrou um pouco desses temas, a direita repeliu e para, resolver questões fundamentais, precisamos que a direita também entenda que o direito dos humanos, do meio ambiente fazem parte de um processo civilizatório e que precisamos resolver problemas urgentes como a questão climática e a desigualdade social.
O debate que está em curso nesse momento é ainda mais perigoso porque não estamos no debate entre direita e esquerda. Nos encontramos num retrocesso que é um debate entre democracia e fascismo. No momento que voltarmos para um ambiente que é puramente democrático, o debate de ideias passa a ser saudável e as discordâncias fazem parte da natureza.
Quando falamos sobre fascismo versus democracia, nos deparamos com questões como negacionismo e opressão de minorias – e esse é um debate não possível, não é legítimo.
Dentro da legitimidade do processo, acho natural que a gente faça escolhas e elas fazem parte da vida entre uma agenda mais progressiva, mais conservadora e está tudo bem, desde que a gente respeite os direitos humanos e o meio ambiente.
(greenTalks) – Na sua visão, quais são os riscos relacionados às mudanças climáticas que os investidores devem considerar?
Os alertas científicos têm sido feitos há décadas e o mundo corporativo e financeiro estavam preocupado com outras coisas. Infelizmente, chegamos nesse caos que é irreversível de certo ponto, né?
E a mudança climática não é um problema ambiental, é fundamentalmente social. Estamos falando de áreas gigantes que passam a serem estéreis e não produzem mais alimentos. Ao não produzir alimentos, estamos falando de pessoas passando fome, ou uma inflação de alimentos, ou seja, as populações mais vulneráveis ficam mais vulnerabilizadas ainda. Estamos falando de regiões que passam a ser inviáveis de se morar e isso causa deslocamento, estamos falando de refugiados do clima.
O impacto nos investimentos é brutal, estamos falando de uma questão que é totalmente multifacetada. Isso pode ser, como eu comentei há pouco, um mundo mais inflacionário, um mundo com mais sinistros, um mundo com menos produção agrícola. No momento em que bancos, por exemplo, dão crédito para a agricultura, e o Brasil é um país essencialmente dependente do agro, mudanças climáticas significam mais quebra de safra, portanto mais risco para os próprios bancos. E um crédito mais caro.
E, eventualmente, para corrigir esses problemas que foram criados ao longo do tempo, vamos precisar encarecer alguns meios de produção. Então o carbono que hoje não é pago, ele passa a ser. Ignorar esses fatos, primeiro, na minha opinião, é uma quebra de dever fiduciário. Quem está gerindo recursos terceiros, ao ignorar questões climáticas, está quebrando o seu dever. E a segunda questão é que está sendo negligente. Precisamos, definitivamente, incorporar essas questões para gerir investimentos de uma maneira responsável.
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