Daniel Medeiros, autor do artigo: Os eleitos – Imagem: Divulgação
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Escrevo este texto quando faltam 40 minutos para o início da apuração das eleições municipais. Aguardo para ver quem venceu, quem irá para o segundo turno, e, enquanto isso, reflito sobre a palavra mais importante do dia: eleição. Eleger é escolher algo para um fim. Escolher é indicar um entre muitos. Indicar apenas um é afirmar o caráter especial da escolha, seja por ter mais qualidades para o exercício da função para o qual é escolhido, seja por que me parece ter essas qualidades em face de sua persuasão, currículo ou ambos. De qualquer forma, o eleito é aquele , entre tantos, melhor se conforma às minhas exigências para o preenchimento de um cargo ou função, lugar no mundo ou tempo na existência.
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Jasão, quando foi incumbido pelo tio usurpador do trono a ir até Cólquida e resgatar o Velocino de Ouro, escolheu entre os homens mais capazes, aqueles que pudessem auxilia-lo na aventura quase impossível. Entre eles estava o poderoso Hércules, já testado por tarefas dificílimas ; Orfeu, que tudo encantava com a sua música; os irmãos Castor e Polux, sendo esse último um deus imortal, filho do próprio Zeus; Teseu, que havia mostrado sua inteligência e argúcia ao sobreviver ao labirinto do Minotauro; Peleu, o pai do herói Aquiles, que se notabilizará na guerra de Tróia. Eleitos para uma tarefa que não poderia ser destinada a qualquer um, por sua importância e magnitude. Assim como os eleitos para os cargos do Executivo e do Legislativo não poderiam ser. Mas são.
Há uma distorção na origem do processo eleitoral brasileiro que esvazia de sentido o termo que usamos para esse evento. Trata-se do requisito da “exigência para o cargo”. Uma função executiva deveria exigir habilidades fundamentais para o seu exercício. O mesmo pode-se dizer sobre os cargos legislativos. Uma delas, por exemplo, seria saber o que se vai fazer com antecedência. Saber não no sentido de apenas tomar conhecimento, mas saber efetivamente, seja por ter tido uma formação específica ou mesmo uma experiência anterior qualificada. Outra exigência seria a de propor algo que implique a possibilidade de uma melhoria na forma como se exerce essas funções, melhoria que afete os eleitores em geral ou pelo menos afete o grupo ao qual eu faço parte, motivo pelo qual eu indicaria esse representante para esse cargo.
Quando pensamos em comparações do dia a dia, a ideia de “exigência para o cargo” fica mais difícil de ignorar. Por exemplo: se precisamos de um motorista para levar nossos filhos para a escola, o que exigimos para eleger quem exercerá essa função? Ou se submetemos nosso pai ou mãe a uma intervenção cirúrgica , quem elegeremos para essa operação? Quais critérios usaremos? Partindo desses exemplos simples, a lista poderia se estender infinitamente. Afinal, tudo aquilo que tem valor para nós, precisa ser cuidado por quem mais sabe fazer o que precisa fazer. Isso é óbvio, poderíamos dizer. O que nos leva a uma conclusão importante sobre a eleição: ao votarmos como votamos para os pretendentes dos cargos do Executivo e do Legislativo, parece incontornável a ideia de que não damos nenhum valor ou damos muito pouco valor para o que eles vão cuidar. Não ligamos para o fato de que, na falta de qualidades do eleito, há o risco de que haja deterioração ou perda irreparável naquilo que será cuidado. Fosse diferente, não agiríamos como agimos. Até ontem, por exemplo, 24 horas antes do início do pleito, mais de 60% dos eleitores paulistas diziam não saber em quem votariam para vereador; segundo a pesquisa Quaest, de cada 10 eleitores, 4 vão decidir em quem votarão para prefeito no dia da eleição, isto é, hoje, nesse momento em que digito essas palavras. Prefeito que ficará por 4 anos gerindo o dinheiro de nossos impostos e decidindo se teremos uma educação melhor para as crianças, se as ruas e calçadas serão melhores ou não, se haverá reciclagem de lixo ou não, se teremos iluminação pública de melhor qualidade ou não, segurança de nossas praças, saúde nos postos com mais filas ou menos, entre tantas outras decisões que implicam viver com mais ou menos dignidade. Um trabalho de heróis, de Hércules ou Teseu, de Polux ou Orfeu. Ou de ninguém , de acordo com parte considerável dos cidadãos brasileiros. Porque o interesse comum, o bem público não parece merecer a mesma atenção ou nem algo próximo ao que dedicamos aos nossos filhos e pais. Porque parece que nossos filhos e pais vivem em outro mundo, outro planeta, outra galáxia. E não interessa se a luz da nossa cidade ficou ou não ficou acesa.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
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