A jornalista Eleni Gritzapis e o convidado Carlos Primo Braga gravando para o greenTalks – Imagem: Produtora Canta
Por – Eleni Gritzapis, especial para Neo Mondo
O mais novo episódio do greenTalks entrevista um convidado muito especial para falar de produtividade, comércio internacional e crescimento econômico: Carlos Primo Braga
Sabemos que a adoção de novas tecnologias, especialmente a automação e digitalização, é chave para melhorar a eficiência e a competitividade da economia brasileira. No entanto, os desafios são muitos. Para falar destes desafios e como superá-los, o greenTalks entrevistou um grande especialista e referência em temas como produtividade, comércio internacional e crescimento econômico para compartilhar experiências de políticas industriais para o desenvolvimento sustentável: o professor Carlos A. Primo Braga.
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Ele é professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial. Atuou ainda como consultor para a Organização dos Estados Americanos e foi Professor Assistente de Economia na USP e Pesquisador Sênior na FIPE.
Confira os principais trechos da entrevista e não deixe de assisti-la na íntegra abaixo, ou no canal de Neo Mondo ou da Green4T no Youtube.
O greenTalks é uma iniciativa pioneira entre a green4T e NEO MONDO para discutir o papel fundamental da tecnologia na promoção de um futuro mais sustentável.
(greenTalks) – No artigo As duas faces da improdutividade, escrito com o pesquisador Claudio de Mora e Castro, vocês afirmam que a baixa produtividade no Brasil é um desafio econômico. De que forma o aumento da produtividade pode estar alinhado com práticas sustentáveis?
Certamente elas estão involucradas. Economias que têm altos níveis de produtividade, tipicamente, também têm práticas melhores de sustentabilidade. Produtividade não é tudo na vida, mas no longo prazo é quase tudo, já dizia o Paul Krugman, prêmio Nobel de economia.
Por definição, o crescimento de uma economia é o resultado do crescimento da mão de obra e da produtividade do trabalho. Obviamente, uma sociedade, não depende apenas do crescimento, mas é muito mais fácil você adotar práticas adequadas de sustentabilidade se a economia está crescendo.
No caso brasileiro, entre 1950 e 1979, a produtividade do trabalho cresceu cerca de 4% ao ano. Nós estávamos convergindo com as economias industrializadas. A partir de 1980 até os dias de hoje, no entanto, ela vem crescendo abaixo de 1% ao ano.
As razões são várias. A produtividade é influenciada pelo investimento em capital fixo, máquinas, computadores, capital humano, educação e pela inovação. E, no caso brasileiro, em nenhum desses fatores estamos tendo bons resultados. Tem um setor que é exceção, que é o agronegócio.
No agronegócio, ela cresce por volta de 4% ao ano. Brasil e China são os países líderes em termos de crescimento de produtividade no agronegócio, mas para economia como um todo, nós temos um desafio muito grande.
(greenTalks) – O sr. falou do agro e sabemos o quanto o agro investe em tecnologia. Quais tecnologias emergentes o sr. acredita que terão o maior impacto no aumento da produtividade e na sustentabilidade das empresas, especialmente em economias com baixa produtividade, como a brasileira?
Olha, no caso do agro, certamente a agricultura de precisão é algo que o setor já vem investindo e, certamente, vamos ver que com a evolução da inteligência artificial e a internet of things vão ser criadas muitas oportunidades.
Precisamos ter uma alavancagem da produtividade no setor industrial e no de serviços. E, para isso, o que precisamos fazer? Investir em educação, particularmente preparar os mais jovens para revolução digital, a qual já estamos convivendo há algumas décadas, mas agora ela está acelerando, particularmente no contexto da inteligência artificial.
Nós precisamos também melhorar todo o ambiente de negócios no País. O Brasil investe em inovação em proporção do PIB em torno de 17% ao ano. Só para colocar em perspectiva, na Índia é 32% do PIB, na China é da ordem de 44%. Obviamente, não estou dizendo que a gente tem que virar a China, certo? Mas para podermos crescer da ordem de 4% ao ano, por exemplo, nós precisaríamos de ter uma taxa de investimento anual da ordem de 25% do PIB. Estamos muito aquém.
E, por último, toda a questão de inovação, né? Criar incentivos exatamente para melhorar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no País.
(greenTalks) – Você acredita que os investimentos em tecnologia e inovação são suficientes ou a gente precisa de tem mais outros fatores que tenham impacto grande nessa questão?
Sou engenheiro mecânico de formação. Estudei no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), sempre tive uma admiração muito grande por inovação. Depois vi a luz, fiz um mestrado, doutorado em economia, mas a resposta é muito simples: não, inovação não é suficiente. Como eu já mencionei, o ambiente de negócios num país como o Brasil é extremamente complexo.
Só para te dar um número: o IFC (International Finance Corporation), do grupo Banco Mundial, costumava publicar todo ano um relatório chamado Doing Business, que classificava as economias em termos da facilidade de se fazer negócios. Tinha vários critérios, como acesso à eletricidade, importação, exportação, abrir e fechar uma empresa, sistema tributário etc. Bem, só para resumir a última vez que esse relatório foi publicado, em 2020, o Brasil estava na posição 124 entre 190 economias. E o pior: no contexto de um desses parâmetros, que era o sistema tributário, o sistema tributário brasileiro era classificado na posição 184 entre 190 economias.
A reforma tributária, em tese, pode ajudar, dependendo das leis complementares, mas definitivamente pior não dá para ficar.
(greenTalks) – E quais leis complementares o senhor acha que seriam cruciais para que ela surtisse algum efeito?
O grande problema é que existem vários jabutis aparecendo nas negociações, seja a questão da legislação com relação ao tratamento da Zona Franca de Manaus, seja toda a questão relacionada com o que é a cesta básica ou não. Essa complexidade certamente não ajuda. Mas eu sou otimista, acho que vai acontecer na direção correta. Mas nós temos que lembrar que ela só vai aparecer em sua glória total, seja lá qual for a definição de glória, por volta de 2033. Ela tem um longo período de implementação.
(greenTalks) – A inovação resolve a produtividade?
Ela é fundamental. Mas se você não tiver um ambiente de negócio favorável para o investimento, se você não tiver um sistema educacional capaz de ajudar no processo de inovação, muito dificilmente a inovação vai acontecer.
(greenTalks) – Em um outro artigo “Inteligência Artificial e suas Implicações Econômicas,” é abordada a crescente preocupação com o impacto ambiental das tecnologias de IA, especialmente em relação ao consumo de energia necessário para treinar grandes modelos. Considerando este desafio, como podemos equilibrar os avanços tecnológicos com a necessidade de reduzir nosso impacto ecológico?
Escrevi este artigo junto com o Silvio Meira, um colega meu do ITA e que hoje é o fundador e diretor e economista chefe da companhia TDS, em que analisamos desde aspectos éticos até os desafios de IA.
Certamente, a questão do consumo de energia associado com os centros de dados necessários para o treinamento e toda a utilização da inteligência artificial é uma questão significativa. Nos Estados Unidos, os centros de dados já consomem cerca de 4% de toda a eletricidade no país, e a expectativa é que por volta de 2030 vão consumir 8%. Isso está crescendo de uma forma dramática, tanto que recentemente foi anunciado algo que causou uma certa estranheza. Você provavelmente se lembra do acidente da usina nuclear de Three Mile Island, o maior acidente nuclear já ocorrido nos Estados Unidos. Pois bem, a Microsoft acabou de entrar num acordo com a empresa que controla a Three Mile Island porque precisa aumentar tremendamente o seu acesso à energia limpa. Por isso, eu apostaria que nós vamos ver um renascimento de energia nuclear ao redor do mundo.
(greenTalks) – Ainda falando de inteligência artificial. A IA é frequentemente vista como um motor para o aumento da produtividade, especialmente em atividades cognitivas. Qual deve ser o impacto potencial da IA no aumento da produtividade econômica em longo prazo?
As atividades de características cognitivas, principalmente o setor de serviços em economias de alta renda, já são responsáveis hoje por mais do que 60% do PIB dessas economias. E há estimativas que a inteligência artificial nos próximos 10 anos pode aumentar em algo da ordem de quase 30% a produtividade dessas atividades
As atividades que utilizam conhecimento, atividades cognitivas de uma maneira geral, têm um potencial tremendo para serem alavancadas pela inteligência artificial. Então, nesse sentido, eu sou um técnico otimista. Acho que nós vamos ver uma renascença em termos dos níveis de produtividade naqueles países que tenham capacidade, particularmente no sistema educacional, para absorver e serem treinadas nessas novas tecnologias.
(greenTalks) – Pensando no Brasil, o que que o País teria que desenvolver para ter essa capacidade?
Olha, o caso brasileiro é extremamente complexo. Temos empresas como a Embraer e WEG, que são empresas de primeiro mundo. Mas temos que lembrar que 40% da mão de obra brasileira está no setor informal. Empresas no setor informal tipicamente têm, no máximo, quatro empregados. Se você pergunta qual é o nível de escolaridade dos administradores dessas empresas, tipicamente, não tem sequer escolaridade média.
O nosso problema não é apenas a tecnologia, é como resolver a situação da informalidade na economia. Para isso, precisamos de crescimento, precisamos de produtividade, mas não existe bala de prata. Nós temos que investir em educação com uma perspectiva de longo prazo.
(greenTalks) – E longo prazo seria quanto?
Previsões, particularmente com relação à tecnologia, são extremamente complexas, né? O John Kenneth Gaubret, já falecido, um economista canadense, professor de Harvard, costumava dizer que economista só faz previsão econômica para dar credibilidade à astrologia. E muito mais complicado do que previsão econômica é previsão tecnológica.
Vou só citar um exemplo que eu gosto muito: no final do século 19, qual era o grande problema de poluição de Nova Iorque? Esterco de cavalos, o cheiro era terrível. Então eles organizaram uma conferência de planejamento urbano com os maiores especialistas do mundo inteiro em 1898. Os especialistas vieram, passaram dias, não conseguiram chegar à conclusão de como solucionar a questão. Catorze anos mais tarde, tinha mais carro do que cavalo em Nova Iorque. Surgiram outros problemas de poluição, mas o estrume deixou de ser um problema. Por isso que fazer previsão de inovações tecnológicas é muito complicado agora.
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