A juventude precisa acreditar e transformar os gritos de desespero em um canto coletivo de compaixão e revolta para enfrentar o hoje e criar o amanhã – Foto: Freepik
ARTIGO
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Por- Fernanda Biasoli*, especial paraNeo Mondo
Por volta das três da tarde de 16 de janeiro de 2024, comecei a receber no WhatsApp vídeos de diferentes regiões de Florianópolis, capital de Santa Catarina, sofrendo com alagamentos e deslizamentos pela tempestade que atingia o território. Foram mais de 200 mm de água em poucas horas. “Estão todas bem?”, “por favor, deem notícias”, “alguém sabe como está a região central da cidade?”, eram as preocupações que vinham junto às imagens de carros arrastados, rodovias fechadas, enxurradas e caos. “Que medo”, escreveu uma de minhas amigas. Todas as outras concordaram. Talvez seja esse o sentimento que grande parte da minha geração carrega diariamente. Aos vinte e poucos anos, me pergunto com certa frequência se existirá um futuro para mim e para os meus. É bastante doloroso não saber a resposta.
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Ainda em janeiro de 2024, assistimos ao litoral sul de São Paulo e ao interior de Minas Gerais serem atingidos por tempestades, enchentes e deslizamentos e, dias depois, toda a região sudeste sofrer com um aumento das temperaturas que fez os termômetros chegarem perto dos 40 graus. Todos esses eventos climáticos extremos são consequências diretas das escolhas egoístas de alguns poucos (e poderosos) seres humanos. A responsabilidade pelo colapso climático é de um pequeno bocado de pessoas, como falou Eliane Brum ao portal Sumaúma. “Falar que a humanidade produziu a crise climática é uma mentira. Porque quem produziu a crise climática e produz todos os dias, é essa minoria. Essa minoria está nos matando”, disse.
E eram esses poucos e poderosos que estavam ao lado de Donald Trump durante a sua cerimônia de posse como presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro. Em escala mundial, também podemos chamar de desastre climático a volta do empresário para a Casa Branca o que, curiosamente, aconteceu no mesmo mês em que o país assistiu a um incêndio colossal devastar a cidade de Los Angeles. Um declarado negacionista climático à frente da maior potência mundial é de arrepiar os cabelos e a primeira sensação é de sentir minguar a já frágil esperança. Porém, como escreveu Bruno Toledo para o ClimaInfo: “se o negacionismo se prepara para bater com força, não há outra saída que não seja revidar da mesma forma”.
Acompanhando os acontecimentos, me pergunto: o sonho ainda é possível? Sinto que existimos numa constante corda bamba, ora pendendo para o medo, ora para a valentia. Neste mês, quase me desequilibrei totalmente para o pior dos lados. Foi quando saiu a notícia de que em 2024, pela primeira vez na história da humanidade, a temperatura média do planeta ultrapassou o limite de 1,5ºC, considerado pelos cientistas como o ponto de inflexão da Terra – a fronteira entre o menor dano possível e as consequências irreversíveis para a vida por aqui.
Mas é exatamente nesse momento que o sonho precisa ser possível. No auge dos meus vinte e poucos, não quero jogar a toalha, entregar os pontos, pendurar a chuteira. Quero gritar a plenos pulmões que ainda há tempo! Mas sei que sozinha, não existe fôlego. Ainda bem que também aprendi desde muito cedo que “solidão” não coexiste com “luta”. É preciso muitas mãos, cabeças e almas para reivindicar novas possibilidades. É preciso dois para um abraço.
E, retomando o equilíbrio na corda bamba de existir no fim do mundo, percebi que no mesmo mês de tantas tragédias climáticas, celebramos também o Dia Mundial da Educação Ambiental. Perto da devastação física e psicológica deixada pelos últimos eventos, uma simples e passageira efeméride não parece nem fazer cócegas, eu sei. Mas é a partir do subjetivo da data que podemos transformar o dia de hoje em uma retomada coletiva, em um fortalecimento de iniciativas, em um ponto de partida para se comprometer com o sonho e, quem sabe, finalmente desequilibrar, bambear e cair de braços abertos para o lado da esperança.
Podemos transformar o medo em potência criativa, em ação, em movimento, em caminho. Afinal, esse discurso de “fim do mundo” vivido pela minha geração é também uma forma de desmobilização. Semear desesperança faz parte da estratégia da extrema direita para agir no inconsciente coletivo. Se a juventude vive sem saber se existirá um futuro, qual o sentido de lutar por algo que nem chegará? O tempo presente torna-se, então, uma mercadoria a ser consumida, lambida, exaurida, pois é tudo o que se tem. Falácia.
Mais uma vez, o sonho precisa ser possível, pois é a partir dele que se constroem novos mundos. E é a partir da troca, do aprendizado, da caminhada e da escuta daqueles historicamente excluídos, que se abre uma nova estrada. “A gente tem achado mais fácil gritar ‘fim do mundo! fim do mundo!’ do que pensar a possibilidade de ações práticas – respeito, fortalecimento, disposição e disponibilidade são ações práticas, visse? – em comunidade, em solidariedade, em alteridade, em quilombo, em aldeia, em favela, em beira, em sertão, em roça, em floresta”, escreveu a antropóloga Carol Delgado.
E, para enfrentar o fim do mundo, é preciso falar em construção de políticas públicas. A Educação Ambiental, celebrada hoje, defende que os fazeres coletivos, conectados enquanto políticas públicas intencionadas na desconstrução e enfrentamento da crise climática, são uma poderosa ferramenta de transformação. Aqui, falamos em políticas de saneamento, de restauração, de combate ao desmatamento, de proteção de direitos de comunidades tradicionais e minorias sociais. É por meio da construção coletiva dessas políticas, fazendo valer o diálogo e a escuta, que se criam novas possibilidades de mundo.
No Dia Mundial da Educação Ambiental, precisamos retomar o sonho e, com ele, a esperança e sua prática subjetiva, mas principalmente política. Como disse Bruno, está na hora de revidar. A juventude precisa acreditar e transformar os gritos de desespero e os lamentos de desilusão em um canto coletivo de compaixão e revolta para enfrentar o hoje e criar o amanhã. Juntas e juntos, é possível.
*Fernanda Biasoli é jornalista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e atua no Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA).