Cena da série Adolescência – Foto: Reprodução
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
O grande desafio público do século XXI é o da comunicação intergeracional. Primeiro: como explicar paras os jovens esse mundo que estamos legando para eles? Segundo: como faze-los compreender que ainda temos lições a dar? Difícil. Os pais de 30 a 40 anos, de maneira geral, sequer sabem o que estão fazendo com os filhos. Nas escolas de Ensino Fundamental, os professores dividem-se sobre qual o principal fator de estresse: as crianças disfuncionais ou os pais furiosos com tudo. Dois pedidos de socorro diários, paraíso dos laudos e da terceirização de responsabilidades. O fato é que as crianças e os jovens estão sendo treinados pelos algoritmos e constroem, cada vez mais, uma relação com a realidade mediada por eles. Sua iniciação no mundo público se dá nos aplicativos privados, onde as experiências dos mais velhos não têm sentido nem valor. Não é de hoje que os especialistas alertam para a perda de funcionalidades cognitivas em face dessa dependência. No entanto, a regressão na capacidade de interação social é ainda mais grave. Há milhões de jovens que crescem dentro de seus quartos, sem assumir nenhum papel dentro da família e da comunidade, focados apenas no desenvolvimento das habilidades do mundo digital: jogos, aplicativos, redes sociais, tornando-se um alvo fácil de toda a escumalha que transita nas redes desregulamentadas, como racistas, misóginos, extremistas de toda ordem. Ao mesmo tempo, a família e a escola, lugares tradicionais de treinamento para o mundo público – principalmente a escola – mergulham em uma impotência misturada com perplexidade pela energia desprendida por essa fórmula que combina corpos em crescimento com falta de propósitos, projetos e performance adequadas, embebidos com discursos repetitivos e fragmentados sobre violência, machismo, minorias, etc.
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Nessas últimas semanas, uma minissérie parece ter conseguido colocar o dedo na ferida que a maioria busca esconder, puxando as mangas da blusa. Um relato realista e perturbador de uma família de classe média baixa da Inglaterra, estável e sem histórico de violência, depara-se com o filho de 13 anos, acusado de matar a colega de sala com sete facadas. Os quatro capítulos gravados em plano sequência revelam uma polícia, uma escola e uma família completamente despreparados para entender o que se passa com os jovens, quais são seus códigos de sociabilidade e quais as formas digitais de exclusão e de violência psicológica que praticam uns com os outros. Da mesma forma, fica claro que a origem desses discursos vêm de “celebridades” digitais que faturam com toda ordem de ideologias, criando nomes, códigos e imagens de poder e de autoridade completamente distorcidas, mas que são consumidas por milhões de crianças sem qualquer filtro ou controle. Os pais, afogados em seus próprios compromissos, tendo de pagar as contas e colocar comida na mesa, não têm tempo para acompanhar o desenvolvimento cognitivo e emocional de seus filhos. Ou muitas vezes têm, mas, da mesma forma, tornam-se dependentes das armadilhas sobre imagem e sucesso das mesmas mídias digitais que cooptam seus filhos e os alienam de uma vida concreta, real, minimamente satisfatória.
O choque é brutal. Atormentado pelas redes sociais, o jovem personagem de 13 anos acaba matando a moça que admirava, mas que o rejeitava porque ele não preenchia os requisitos ditados pelos gurus das redes sociais. A violência disseminada digitalmente encontra terreno fértil entre os jovens que não possuem mais outra referência para seguir. É emblemática a cena do professor assustado e da diretora alienada sobre o que se passa em sua própria escola, surpreendendo-se com tudo, penalizando-se com tudo, mas incapaz de estabelecer um diálogo consequente com os jovens, deixando espaço somente para a violência verbal e física, que mantém a tensão no ambiente da escola no limite do suportável.
Uma saída é apresentada pela série, de maneira quase subliminar. Trata-se de os adultos assumirem sua responsabilidade e estarem próximos dos jovens, ouvindo-os, deixando-os se expressarem. Isso ocorre com o policial que percebe que o filho enfrenta problemas e resolve mudar o cenário que até ali ele havia construído, de distanciamento e delegação das suas tarefas para a mãe.
No fim da série, diante do inevitável, os pais do menino assassino relembram as vezes em que notaram que havia algo que poderiam ter feito desde muito tempo antes, diante dos diversos momentos nos quais ficava claro que o menino precisava de ajuda, mas que acabaram deixando passar, tanto o pai quanto a mãe, sem que tivesse havido entre eles qualquer tipo de comunicação sobre o que viam e ouviam. A filha mais velha, pouco antes, deixa uma mensagem para o público, falando despretensiosamente sobre sua roupa: “o segredo é saber combinar”.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros