Monark é desligado do Flow Podcast após fala sobre nazismo — Foto: Divulgação
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Monark é aquele apresentador de podcast que não se conforma por não poder dizer em público tudo o que lhe vem na cabeça. Punido por fazer apologia ao nazismo, amarga um ostracismo acabrunhado . Para ele, a liberdade de expressão não pode ter limite, mesmo que ofenda pessoas ou grupos, ou que discrimine ou que não corresponda aos fatos. Em uma conversa com a advogada Gabriele Priolli, o rapaz afirmou que é “muito chato ter de ficar apresentando dados para demonstrar o que acha sobre as coisas”. Monark quer apenas falar, sobre qualquer coisa, não assumindo nenhuma responsabilidade sobre o que diz. Ou seja, é uma perfeita criança.
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Há poucos dias, um pastor afirmou que o governo iria colocar vacina da Covid dentro da vacina da gripe. Disse isso para os seus fiéis, e gravou o que disse, viralizando nas redes sociais. Depois explicou que é leigo no assunto e só repassou o que ouviu dizer sobre a campanha de vacinação do governo , esforço fundamental para preservar a vida dos brasileiros. Mas, para o pastor, o “ouvir dizer” é suficiente para iludir e desinformar milhares de pessoas e expô-las a um risco elevado e absolutamente desnecessário.
As redes sociais pululam de fake news e , como sabemos, quanto mais polêmicas e atrevidas, mais geram engajamentos. “O ódio é generoso”, já disse o semiólogo Umberto Eco, por isso faz muito mais sucesso do que o amor. Qualquer um apresenta-se com uma opinião sobre os mais variados assuntos, afirmando coisas que não são nem de perto próximas da realidade, sem que isso não impeça sua disseminação nos grupos de WhatsApp , sempre com a desculpa de que “não fui eu quem disse, só achei interessante e resolvi compartilhar”.
A liberdade de expressão foi uma conquista importante da civilização, mas desde o seu início jamais excluiu a possibilidade de responsabilizar o seu autor pelos danos provocados pelo seu exercício inadequado. A mentira, por exemplo, não é uma expressão admissível e protegida A calúnia, a difamação são tipos penais previstos em lei. Outras leis que protegem bens maiores do que a liberdade de “dizer o que pensa” são as leis contra o racismo, a homofobia, a misoginia. Essas leis dizem claramente: não pode ser racista. Se for, haverá uma punição do Estado. E por que essa punição? Porque a sociedade entendeu que o racismo é destrutivo. E combate o que pode por em risco a sua existência. Simples assim.
No entanto, sabemos que não é possível evitar que alguém pense como um bárbaro estúpido. Mas é possível coibir que esse pensamento se expresse no âmbito público, pondo em risco a integridade física e moral das pessoas.
Monark acredita que tudo deveria ser permitido e , como isso não lhe é dado, julga que vivemos uma ditadura e considera-se um perseguido político. É engraçado até. As ditaduras impedem o exercício dos direitos legais e não as práticas ilegais. O que configura uma ditadura é a hipertrofia de um poder sobre o outro, impedindo o equilíbrio necessário para a convivência minimamente pacífica dos cidadãos. Ditadura é a pessoalização do poder. Isto é, exatamente o que Monark defende.
A liberdade de expressão é válida para qualquer um que deseje emitir uma opinião que não ponha em risco a garantia necessária de as pessoas poderem viver em um ambiente no qual possam, inclusive, emitir opiniões. Como lembrava Voltaire ( ou mais recentemente Karl Popper), o paradoxo da Tolerância é que ela não pode tolerar a intolerância, sob pena de sucumbir aos seus próprios termos.
Um certo Brasil não se importa em querer conhecer as coisas, mas explicitar suas ideias sem base. Querem gritar o que pensam, independente de seus pensamentos colocarem em risco vidas e reputações. Por exemplo: se eu acho que houve fraude nas eleições, mesmo que eu não tenha nenhuma prova disso, eu defendo um golpe para impedir a posse de um presidente eleito e creio que sou um cidadão exercendo meus direitos. E acho absolutamente injusto que queiram me responsabilizar por ter desejado e contribuído para uma tentativa de golpe, ou para um ataque aos prédios dos Três Poderes, ou ter financiado pessoas para agirem assim. Afinal, eu sou um patriota querendo o melhor para o meu país. Mesmo que não haja qualquer elemento razoável de que, invadindo o Congresso, depredando o prédio do STF ou gritando por intervenção militar inconstitucional haverá qualquer melhoria no país.
Nos anos 20 e 30 do século passado, houve um esforço enorme para se compreender o Brasil. Intelectuais de todos os espectros, dos jacobinos aos ultramontanos escreveram obras afirmando ser o Brasil e os brasileiros deste ou daquele jeito. De Caio Prado a Plínio Salgado, passando pela irreverência de Oswald de Andrade à carolice de Gustavo Corção, buscou-se entender o Brasil à partir de referência reconhecidas por todos, mesmo que não aceitas ou utilizadas. Hoje, não há debate, porque não há ideias. Há essa vontade infantil de impor vontades a todo custo, e há milhões de pessoas que se reconhecem nesse abismo de insuficiência cognitiva e aderem, sem qualquer critério, além da simpatia e identificação com o “jeito de falar”dessa ou daquela pessoa. E é nesse universo de anti matéria que vivem os Monarks do Brasil, julgando-se injustiçados pelo “sistema” e desejosos por um país de “liberdade” para que possam destruí-lo como as crianças fazem quando cansam do brinquedo ou querem irritar os pais ou o irmão mais novo.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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