Queimadas diminuem em 2025, mas trégua pode ser curta – Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
POR – OSCAR LOPES*, PUBLISHER DE NEO MONDO
Atualização do MapBiomas Fogo aponta redução sem precedentes nas áreas atingidas pelo fogo. Apesar do avanço, Amazônia ainda concentra 84% da devastação, e o Cerrado acende alerta vermelho
Num país frequentemente assolado por manchetes que escancaram o avanço das queimadas, uma notícia traz alento — e exige reflexão. O Brasil encerrou o primeiro trimestre de 2025 com uma redução de 70% na área queimada em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo dados do Monitor do Fogo do MapBiomas, foram 912,9 mil hectares consumidos pelas chamas, o que representa 2,1 milhões de hectares a menos de devastação ambiental.
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Trata-se de uma queda histórica, atribuída a uma combinação de fatores: clima mais úmido, ações de monitoramento mais eficazes e mobilização interinstitucional. Mas os especialistas alertam: a aparente trégua pode ser curta — e não deve nos distrair das vulnerabilidades persistentes.
A floresta ainda arde: Amazônia concentra o epicentro das queimadas
Mesmo diante da expressiva redução, a Amazônia segue como o bioma mais atingido. Foram 774,5 mil hectares queimados, o equivalente a 84% de toda a área queimada no país no período. O estado de Roraima lidera o ranking, com mais de 415 mil hectares em chamas, seguido por Pará e Maranhão.
Os municípios de Pacaraima e Normandia, ambos em Roraima, concentraram quase 240 mil hectares devastados — consequência direta de sua sazonalidade climática única, que inverte o padrão nacional: enquanto o restante do Brasil vive o período chuvoso, Roraima enfrenta sua estação seca.
“Roraima vivencia uma realidade distinta. No início do ano, o bioma ali se torna um barril de pólvora climático, extremamente vulnerável ao fogo”, explica Felipe Martenexen, pesquisador do IPAM e do MapBiomas Fogo.
Março confirma tendência, mas Cerrado exige atenção
No mês de março, o Brasil queimou 106,6 mil hectares, uma queda impressionante de 86% em comparação com março de 2024. A vegetação nativa representou quase 69% dessa área, com destaque para as formações campestres, altamente sensíveis à propagação do fogo.
Ainda assim, o Cerrado se destaca negativamente. Embora represente uma parcela menor da área total queimada, o bioma registrou um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2024, e está 106% acima da média histórica desde 2019. Um dado preocupante, que aponta para pressões crescentes sobre o segundo maior bioma brasileiro.
“O avanço do fogo no Cerrado é um sinal claro de que não podemos baixar a guarda. O bioma exige uma política de combate ao fogo diferenciada, sensível às suas características ecológicas e às atividades humanas que o pressionam cada vez mais”, alerta Vera Arruda, pesquisadora do IPAM.
Bioma a bioma: o fogo em números
De janeiro a março de 2025:
- Amazônia: 774 mil ha queimados (queda de 72%)
- Cerrado: 91,7 mil ha (alta de 12%)
- Pantanal: 10,9 mil ha (queda de 86%)
- Mata Atlântica: 18,8 mil ha (82,5% em áreas agropecuárias)
- Caatinga: 10 mil ha (queda de 8%)
- Pampa: 6,6 mil ha (alta de 1.487%, com 92% em formações campestres)
Apenas em março:
- Amazônia: 55,1 mil ha (queda de 92%)
- Cerrado: 37,8 mil ha
- Mata Atlântica: 9,2 mil ha (alta de 80%)
- Caatinga, Pampa e Pantanal: áreas menores, mas com padrões que exigem atenção local.
Esperança com responsabilidade: o fogo como termômetro da crise
Para os especialistas, os dados de 2025 devem ser recebidos com otimismo, mas sem ingenuidade. A redução das queimadas, especialmente na Amazônia, revela o potencial de políticas públicas bem direcionadas — mas também escancara a fragilidade dos sistemas naturais diante de um clima em mutação.
“A queda no trimestre é uma ótima notícia, mas não é o fim da história. A estação seca de 2025 ainda pode trazer surpresas. Precisamos fortalecer estratégias preventivas em todos os biomas, com especial atenção ao Cerrado”, alerta Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM.
O fogo é mais do que destruição: é um termômetro da nossa relação com a terra, com a ciência e com o futuro. O primeiro trimestre de 2025 mostra que é possível reverter trajetórias — mas apenas se a vontade política e o compromisso ambiental forem sustentados ao longo do ano.
Sobre o Monitor do Fogo: o Monitor do Fogo é o mapeamento mensal de cicatrizes de fogo para o Brasil, abrangendo o período a partir de 2019, e atualizados mensalmente. Baseado em mosaicos mensais de imagens multiespectrais do Sentinel 2 com resolução espacial de 10 metros e temporal de 5 dias. O Monitor de Fogo revela em tempo quase real a localização e extensão das áreas queimadas, facilitando assim a contabilidade da destruição decorrente do fogo. Acesse o Monitor do Fogo e o Boletim Mensal de janeiro
Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org.
*Com informações do Monitor do Fogo do MapBiomas.