Foto: Divulgação/Pixabay
POR – FABIO ALPEROWITCH
Nos Estados Unidos, o ano é 2025. As manchetes dos jornais parecem retiradas de uma distopia de quinta categoria. O que antes soava como exagero agora é política oficial de Estado. A Suprema Corte se consolidou como bastião reacionário, abandonando qualquer pretensão de equilíbrio institucional. A proteção ambiental virou piada macabra: suas antigas funções foram substituídas por uma cruzada em nome da “liberdade energética”, celebrando petróleo, carvão e gás como se fossem símbolos de heroísmo patriótico, numa verdadeira guerra declarada contra qualquer regulamentação ecológica. Deportações em massa se tornaram espetáculo televisionado, embalado como entretenimento para as massas. E, claro, o presidente é ele: Donald J. Trump. De novo.
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Sim, ele voltou. E com ele vieram o negacionismo climático, o culto à ignorância, a sabotagem sistemática de instituições e o retorno triunfal de teorias da conspiração como base de políticas públicas. Um governo que, de tão grotesco, fez a série The Handmaid’s Tale parecer soft.
E desta vez, sem disfarces. O segundo mandato chegou com gosto de revanche. A USAID foi desmontada, acusada de “globalismo humanitário”. A cooperação internacional virou palavrão. Livros que falam sobre racismo, gênero ou história real estão sendo banidos em massa. Universidades estão sendo asfixiadas por se recusarem a se ajoelhar diante da nova ortodoxia trumpista. A nova doutrina é clara: ignorância, medo e autoritarismo como política pública. E quem ousa pronunciar a palavra diversidade é rotulado como inimigo do povo.
Na economia, o espetáculo é o de sempre: slogans ocos encobrindo retrocessos reais. Tarifas protecionistas, subsídios bilionários a fósseis, ataques à transição energética e desprezo absoluto pelas novas economias regenerativas. A ideia de capitalismo consciente virou “ameaça socialista” nas palavras do governo. Investimentos com propósito são ridicularizados como “lacração”.
Na política externa, Trump elevou o isolamento americano a um novo patamar, estremecendo relações com governos democráticos e correu para apertar a mão de autocratas. Putin sorri, Netanyahu agradece, Milei suspira — e o resto do mundo assiste, atônito, ao desmonte da ordem internacional.
Wall Street aplaudiu de pé no início. Mas o capital, quando inteligente, percebe o erro rápido. Porque nenhuma economia pode prosperar destruindo as bases do próprio futuro. Nenhum investidor sério aposta, a longo prazo, em colapso climático, desigualdade explosiva e regressão educacional. Nenhuma tese de valor sobrevive ao obscurantismo.
Mas — e aqui vem o plot twist — talvez a maior contribuição de Trump seja… involuntária.
Obrigado, Trump
Obrigado por nos lembrar do que acontece quando o ridículo chega ao poder. Obrigado por tornar o extremismo tão escancaradamente burro, tão ofensivamente grotesco, tão caricaturalmente cruel, que até os mais cínicos estão sendo forçados a reagir. Obrigado por desmascarar a extrema direita global — mostrando que por trás do discurso de “liberdade” há apenas autoritarismo, racismo, machismo e ganância.
Obrigado por deixar tão nítido que investir em destruição não é apenas moralmente repugnante — é financeiramente burro. Obrigado por empurrar as lideranças globais, o capital internacional e até os céticos de plantão a entenderem que o futuro dos investimentos não pode ser dissociado da dignidade humana e da integridade planetária.
Obrigado por mostrar que investir com responsabilidade, propósito e visão de futuro não é utopia. É sobrevivência. É inteligência. É o único caminho possível.
Se o futuro será progressista, regenerativo e inclusivo, é também porque você voltou — e, como uma caricatura distorcida do século XX, nos lembrou de tudo o que não queremos mais ser.
O populismo tóxico de ultradireita vai ruir, não por força de argumentos racionais, mas porque seus protagonistas são, no fim das contas, tão estúpidos quanto perigosos.
Então, com todo o sarcasmo do mundo, mas também com uma pitada de gratidão histórica: obrigado, Trump. Você pode até ter voltado. Mas será para enterrar de vez a era das trevas que você mesmo ajudou a construir.
Investidor, ambientalista e ativista, comprometido em causar impacto positivo no mundo através de investimentos sustentáveis. Casado e pai de cinco filhos, fundei a fama re.capital em 1993, quando tinha apenas 21 anos, estabelecendo um caminho pioneiro no campo dos investimentos responsáveis. Além da minha carreira na fama re.capital, fundei quatro ONGs dedicadas a diversas causas sociais e ambientais. Atualmente, tenho o privilégio de servir no conselho de várias organizações proeminentes, incluindo a WWF Brasil, Instituto Ethos e o Pacto pela Equidade Racial, onde continuo a promover a sustentabilidade e a equidade. Fui honrado ao ser selecionado entre os 99 melhores investidores do mundo na publicação “The World’s 99 Greatest Investors”.