Ano de 2025: desmonte climático à vista? – Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
POR – CARLOS PRIMO BRAGA
É difícil não ter a sensação de que as chances de um desastre futuro para a economia global e o meio ambiente vêm aumentando em 2025. Os primeiros quatro meses da administração Trump nos EUA têm sido caracterizados por reformas drásticas nas políticas relacionadas à proteção ambiental e ao comércio internacional. Além disso, a postura dos EUA em relação a conflitos internacionais, acordos e instituições importantes para a governança global tem sido marcada por atitudes unilaterais, que alimentam dúvidas sobre o futuro e sobre as alternativas à cooperação multilateral.
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Como discuti em artigo anterior “Mudanças Climáticas e a Ordem Global” (matéria acima), o negacionismo climático da nova administração Trump não surpreende. A Ordem Executiva que anunciou o abandono da participação dos EUA no Acordo de Paris já era esperada, repetindo a decisão tomada durante a primeira administração Trump, posteriormente revertida pelo governo Biden.
A série de medidas adotadas nos últimos meses, porém, contribui para ampliar o impacto dessa estratégia negacionista. Agências como a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) vêm sendo afetadas por medidas administrativas — como o controle burocrático e centralizado do processamento de contratos — e por demissões de pesquisadores, comprometendo pesquisas, a manutenção de satélites meteorológicos e contratos com universidades para previsão de eventos climáticos. Da mesma forma, o futuro do Inflation Reduction Act (IRA), a principal iniciativa da administração Biden para estimular fontes sustentáveis de energia, é incerto. O “One Big, Beautiful Bill”, aprovado pela Câmara dos Deputados dos EUA em 22/05/2025, elimina a maioria dos incentivos previstos no IRA. A decisão final dependerá de deliberações adicionais no Senado norte-americano.
O desmantelamento da USAID, por sua vez, tem impacto significativo nos fluxos de assistência bilateral dos EUA. Cerca de 60% dos recursos da USAID eram destinados à assistência humanitária, particularmente a programas de saúde. Em 2024, os EUA foram responsáveis por mais de 8% das doações voltadas ao controle de emissões de gases de efeito estufa e ao financiamento de projetos climáticos em países em desenvolvimento. Um terço desses recursos — incluindo contribuições para fundos multilaterais — era administrado pela USAID, e a maioria desses programas está sendo descontinuada.
O principal mecanismo multilateral de financiamento concessional para países de baixa renda é a International Development Association (IDA), do Grupo Banco Mundial. Em 2025, o processo de “reabastecimento” dos recursos do sistema (IDA21) está em andamento, com a meta de alcançar US$ 100 bilhões. No caso dos EUA, o compromisso anunciado em 2024 pela administração Biden, de US$ 4 bilhões, já foi reduzido para US$ 3,2 bilhões. Além disso, diversos outros países estão revendo suas contribuições. Embora o modelo financeiro da IDA seja resiliente — em virtude de suas múltiplas fontes de financiamento —, é evidente que sua capacidade de apoio está sob pressão. Vale lembrar que os países de baixa renda, clientes da IDA, são responsáveis por menos de 4% das emissões de gases de efeito estufa, mas estão entre os mais impactados pelas mudanças climáticas.
O objetivo de ampliar de forma significativa o financiamento climático no contexto da 30ª Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP30), em Belém, dificilmente será alcançado. Na COP29, os países concordaram, em princípio, com uma meta de mobilização de cerca de US$ 300 bilhões por ano — de fontes públicas e privadas — até 2035. Contudo, há um hiato substancial entre essa meta e a aspiração dos países em desenvolvimento, que defendem uma mobilização de cerca de US$ 1,3 trilhão. É evidente que o atual ambiente geopolítico não favorece progressos substantivos quanto ao financiamento climático.
Existem, no entanto, áreas em que a mobilização financeira pode avançar positivamente na COP30. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forests Forever Facility – TFFF), que conta com Brasil, Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia como membros do comitê organizador, está sendo estruturado com o objetivo de criar incentivos para a conservação de florestas tropicais. A meta é mobilizar US$ 125 bilhões, com um objetivo inicial de US$ 25 bilhões provenientes de países doadores, fundos soberanos e organizações filantrópicas. O capital adicional seria levantado por meio da emissão de títulos de longo prazo, administrado por um fundo de investimentos do TFFF.
Os países detentores de florestas tropicais receberiam cerca de US$ 4 por hectare preservado (ou restaurado), com penalidades de US$ 400 por hectare adicional desmatado. O monitoramento seria realizado por imagens de satélite, evitando a complexidade dos cálculos de estoque de carbono adotados na iniciativa REDD+. Importante destacar que cerca de 20% dos fundos seriam destinados às ações de conservação realizadas por populações indígenas e comunidades locais.
O sistema de incentivos do TFFF e seus mecanismos inovadores de financiamento são promissores. Ainda assim, resultados concretos durante a COP30 dependerão da superação de desafios relacionados à governança do fundo e às preocupações da sociedade civil quanto à distribuição dos seus benefícios.
Outra área que merece atenção diz respeito aos esquemas de sequestro e captura de carbono. Uma análise recente de José A. Scheinkman (“Carbon Prices and Reforestation of Tropical Forests”, BIS Working Paper No. 1223, outubro de 2024) sugere que transferências para o Brasil de US$ 25 por tonelada líquida de CO₂ capturado gerariam incentivos substanciais para o reflorestamento da Amazônia brasileira. Tal esquema poderia resultar na captura de 15 gigatoneladas de CO₂ em 30 anos. A análise indica que esses resultados superam os obtidos por esquemas de captura de carbono existentes e poderiam contribuir para mitigar as externalidades negativas do desmatamento na região amazônica.
Em síntese, avanços nessas áreas podem contribuir para restaurar a confiança no processo multilateral de combate às mudanças climáticas. No entanto, é fundamental que as autoridades brasileiras estejam atentas às fragilidades da infraestrutura de Belém, a fim de evitar um ambiente desfavorável às negociações em novembro. Recomendo também aos participantes do setor privado na COP30 a leitura do livro de um colega da FDC: The Corporate Hero’s Journey (Heiko Siptzeck, Routledge, 2024, eBook), que apresenta uma série de histórias inspiradoras sobre como executivos podem apoiar estratégias de desenvolvimento sustentável que gerem valor para suas empresas.
Carlos A. Primo Braga é atualmente Professor Associado da Fundação Dom Cabral, Brasil. Ele é também Professor Visitante do El Colégio de México. No período 2012-15, ele foi professor de Economia Política Internacional no IMD e Diretor do Evian Group@IMD, Suíça. Anteriormente como funcionário do Banco Mundial (1991-2012), atuou como Representante Especial e Diretor para a Europa, Relações Externas (2011-12); Diretor, Política Econômica e Dívida (2008-2010); Vice-Presidente e Secretário Corporativo Interino do Grupo Banco Mundial (2010); Secretário Executivo Interino do Comitê de Desenvolvimento do FMI/Banco Mundial (2010); e Administrador do programa infoDev (1997-2001). Foi também “Fulbright Scholar” (1988-89) e professor visitante (1988-98) na Paul Nitze School of Advanced International Studies, The Johns Hopkins University; Professor Assistente de Economia, FEA/USP (1984-91); e pesquisador senior da FIPE, São Paulo. Ele tem títulos de Ph.D., Economia, University of Illinois at Urbana-Champaign (1984), Mestrado, Economia, USP (1980), e Engenharia Mecânica, ITA (1976).