Ao invés de pagar, fazer: a conversão de multas ambientais em serviços destinados à valorização da biodiversidade
POR – MARIANA GIOZZA*, PARA NEO MONDO
Há dez anos atrás, com a publicação da Lei de Crimes Ambientais (LEI Nº 9.605/1998), as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente foram detalhadamente descritas e suas sanções definidas. As lacunas deixadas pela legislação, seja aguardando futuras regulamentações, ou até o corpo técnico reduzido e muitas vezes incapaz de dar conta do volume de trabalho (incorrendo, inclusive, na prescrição de processos), são alguns dos motivos que desaceleram a factual implementação e eficácia das medidas de proteção do meio ambiente no país. Dados atuais mostram que, em média, o IBAMA aplica 8 mil multas por ano, somando mais de R$ 3 bilhões, porém, as multas efetivamente pagas representam em média 5% do valor total aplicado (IBAMA, 2018).
A conversão de multas ambientais é uma ferramenta já prevista nesta lei (complementada pelo Decreto Federal nº 6.514/2008), e que pode auxiliar na correção dessa inadimplência. Porém, foi precariamente divulgada, ganhando maior atenção da mídia neste último governo, quando foi suspendida provisoriamente, aguardando mais uma regulamentação, que só chegaria quase um ano depois. As estimativas em 2017, por exemplo, são de que existiam aproximadamente R$ 4,6 bilhões em multas que poderiam ser direcionadas à conversão (IBAMA, 2018). Ao invés de deixar que a arrecadação deste valor caduque, a conversão de multas agilizaria o processo, pois o autuado abre mão da discussão administrativa e judicial; oferece descontos ao infrator, reduzindo o custo para a empresa; além de contribuir de forma mais efetiva para a preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente, uma vez que o recurso será aplicado diretamente em finalidades ambientais, trazendo benefícios diretos à natureza e à sociedade.
Mas como funciona a conversão? Essa ferramenta estipula que a multa simples (aplicada pelo cometimento de uma infração ambiental não continuada no tempo) pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Hoje, estes serviços são definidos pela Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio nº01/2020, como projetos que objetivem a recuperação de áreas degradadas e processos ecológicos; proteção e manejo de espécies nativas da fauna e flora; monitoramento da qualidade do meio ambiente; mitigação ou adaptação às mudanças do clima; manutenção de áreas verdes urbanas; educação ambiental; dentre outros.
Há também duas modalidades previstas em lei para a conversão: a implementação pelo próprio autuado, em que ele é o responsável por executar o projeto; e a adesão a projeto previamente selecionado, em que o autuado investirá o valor da multa no Fundo de Conversão de Multas Ambientais (FCMA), gerido pelo MMA para custear serviços ambientais que ficarão sob sua responsabilidade. A conversão de multas pode ser requerida durante a audiência de conciliação ambiental, ou até as decisões de primeira e segunda instância, com descontos que vão de 60% até 40%, dependendo do momento em que é solicitada a conversão. Uma vez deferida, é assinado o Termo de Compromisso, que estabelecerá as condições a serem cumpridas pelo autuado, conforme aprovado pelo órgão emissor da multa, e poderá ser iniciado o projeto ou investido o valor no FCMA.
Conforme as últimas publicações sobre o assunto, percebemos que em ambas as modalidades de conversão, a seleção e apresentação de projetos para compor a “carteira” é mantida sobre o guarda-chuva do governo, onerando as equipes com a avaliação de diversos projetos que devem ser submetidos, mas que não necessariamente serão apoiados. A antiga proposta, talvez mais coerente, implicava que o autuado poderia apresentar um projeto que fosse de interesse dele, para aprovação do órgão emissor da multa. Por sorte, no Rio Grande do Sul, estado que parece estar um pouco mais na dianteira das questões legais ambientais, isso ainda é possível – claro, para infrações autuadas e de competência do órgão estadual.
Ademais, a modalidade de adesão a projeto previamente selecionado ainda requer que o MMA seja o responsável por gerir o dinheiro da multa e executar os serviços, o que só será eficaz disponibilizando esforços para a gestão financeira das cotas de projeto apoiadas, o que onera (mais uma vez) o órgão público. Já a implementação pelo próprio autuado coloca a responsabilidade pela execução nas mãos do infrator, que ainda pode recorrer a serviços terceirizados para o monitoramento das atividades do projeto, garantindo um acompanhamento eficaz e a sua correta execução.
Precisamos começar a pensar na sociedade – usuária e beneficiária dos serviços ambientais – como ferramenta para a conservação, dissociando a obrigação de o fazer por todos do governo, que deve atuar principalmente como fiscalizador, e não como executor.
Por isso, a conversão de multas em projetos ambientais executados pelo próprio infrator faz muito mais sentido, ainda mais quando se pensa nos benefícios que ocasiona: a atuação dos serviços fica mais dispersa, favorecendo diversos ecossistemas e comunidades, já que o infrator deverá priorizar atividades desenvolvidas em seu próprio estado; educa o infrator, mas também coloca nas mãos dele a possibilidade de atuar em prol do meio ambiente e dar mais sentido ao capital monetário; desafoga as equipe dos órgãos ambientais, economizando tempo e recurso público; e procura engajar o autuado na causa ambiental, induzindo a mudanças de comportamento.
*Mariana Giozza – Bióloga – Gestão de Contas na VBIO.eco