Seca na Represa do Jaguari na cidade de Vargem, interior de São Paulo – Foto: Luiz Augusto Daidone/ Prefeitura de Vargem
Por – Philip Martin Fearnside, para Amazônia Real / Neo Mondo
O ano 2021 é um ano La Niña, e eventos La Niña normalmente levam a secas no Sudeste brasileiro. Eventos La Niña resultam de um esfriamento da água na superfície da parte oriental do Oceano Pacífico. Em uma escala decadal, as décadas mais secas nessa região correspondem às que apresentam uma combinação de água fria no Pacífico, indicado por valores negativos do Índice da Oscilação do Pacífico (POI), e água mais quente no Atlântico Sul, indicado por valores positivos do índice da Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO). Isto é o caso em 2021, e o POI assumiu valores ainda mais negativos.
O gradativo aumento de desmatamento não é o que explica uma grande variação na chuva no Sudeste brasileiro este ano. No entanto, ao longo do tempo, o avanço do desmatamento vai, sim, levar a mais seca no Sudeste, especialmente se for desmatada a região “Trans-Purus” entre o rio Purus e a fronteira com o Peru. É possível que o desmatamento na Amazônia já esteja tendo algum efeito sobre a média da precipitação no Sudeste, pois modelos climáticos comparando a Amazônia brasileira com a vegetação original versus com a vegetação que estava presente em 2007 indicaram que na chuva na parte sul da região amazônica já estava sendo prejudicada. O fato que a faixa sul da região está localizada no caminho dos ventos do tipo “jato sul-americano de baixa altitude” (SALLJ), conhecidos como “rios voadores”, implica que a região Sudeste, que fica mais adiante no percurso destes ventos, também seria afetada. No entanto, isto se refere à precipitação média, e não à variação que domina na explicação da seca atual.
A frequência de grandes secas no Sudeste está aumentando sensivelmente e apresenta um risco de consequências maiores. A seca no Sudeste de 2014 foi marcante. A “crise hídrica” de 2014 resultou de uma combinação de causas. Houve chuva abaixo do normal desde o ano anterior, a temperatura era anormalmente alta, e um sistema de alta pressão estacionou sobre a área de São Paulo durante 51 dias, criando uma barreira na troposfera, bloqueando a entrada de umidade do Atlântico e inibindo chuva.
Ao mesmo tempo, um deslocamento da Zona de Interconvergência do Atlântico do Sul (SACZ) impediu a chegada de vapor d’água da Amazônia pelos “rios voadores”, este deslocamento sendo o mesmo que contribuiu para a enchente recorde do rio Madeira naquele ano. O sistema de ventos que desviou os “rios voadores” foi ligado a uma teleconexão (uma ligação causal à distância) com a célula da circulação Walker no Pacífico, que, por sua vez, foi alterado por uma fonte calor anormal perto de Austrália. A água na superfície do Atlântico perto a costa do Sudeste brasileiro era quente, e esta condição é associada às secas na região. A tendência de ter água mais quente nesta parte do Atlântico Sul é, em parte, devido ao vazamento de Agulhas, que está ligado ao aquecimento global.
O volume de água nos reservatórios abastecendo a grande São Paulo chegou a apenas 5% de sua capacidade total. Com o “volume morto” dos reservatórios sendo bombeado, e quase esgotado, a cidade de São Paulo chegou a poucos dias de faltar água até para beber. Medidas mitigatórias foram implantadas nos anos subsequentes, mas mesmo assim foi alertado que “A suposição de que os problemas de água serão finalmente resolvidos com a construção de mais infraestrutura pode falhar devido às crescentes necessidades humanas e às mudanças climáticas”.
As causas da seca de 2014 provavelmente resultaram de mudanças climáticas antropogênicas, mas não eram diretamente ligadas ao desmatamento na Amazônia. O problema é que se for acrescentado a esta variação o efeito de mais desmatamento na Amazônia, o somatório poderia ser catastrófico não só para os grandes centros urbanos do País, mas também para o agronegócio. A bacia do rio Paraná/La Plata depende da Amazônia por 70% da sua água. O desmatamento segue de forma paulatina, aumentando um pouco a perda dos serviços ambientais da floresta cada ano. A floresta recicla uma enorme quantidade de água todo ano, maior do que a vazão do rio Amazonas, e se a região for transformada em pasto isto não vai mais acontecer. A água que hoje é reciclada é transportada adiante por ventos conhecidos como “rios voadores”, assim fornecendo o vapor d’água para gerar chuvas, inclusive em São Paulo. Se não for reciclada, a água que entra na Amazônia após evaporar do Oceano Atlântico vai cair apenas uma vez como chuva e depois voltar para o Oceano via o rio Amazonas.
A dependência das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste de água da Amazônia, por si só, faz com que seja fortemente no interesse nacional parar todo o desmatamento na Amazônia. Não é suficiente parar apenas o desmatamento “ilegal”, que é o objetivo anunciado do governo. Isto é possível, pois praticamente todo o desmatamento é para pasto e soja, a parte para culturas de subsistência da população local sendo mínima.
Desmatamento na Amazônia para plantação de soja – Foto: Divulgação