Alta do preço do boi gordo, do bezerro e o crescimento nas exportações de carne contribuíram para o aumento das criações no Brasil – Foto: REUTERS/Pilar Olivares
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
A questão é crucial para promover o desenvolvimento sustentável e lidar com as diversas crises globais
O bem-estar animal é uma questão central para o desenvolvimento sustentável e ético da humanidade e da vida no planeta. O mundo vive desafios complexos, como evidenciam as crises do planeta para as quais o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) definiu estratégias de médio prazo: perda da biodiversidade, mudanças climáticas, poluição e a emergência de pandemias provocadas por doenças zoonóticas. A exploração de animais para consumo em larga escala impacta, hoje, todas as quatro crises.
A exploração animal gera impacto significativo no aumento da poluição, pois, de acordo com estudos, inclusive do próprio programa de alimentação e agricultura da ONU (FAO), a pecuária e a pesca industriais prejudicam o solo, a água, o ar e o clima, em uma escala sem precedentes. Além disso, a exploração da vida selvagem está entre as principais causas da perda de biodiversidade, o que ameaça a manutenção dos sistemas que garantem a vida no planeta, para citar apenas algumas relações de causa e efeito.
O tamanho dessa complexidade exige abordagem integrada e diversificada. Foi considerando esta lógica que 27 organizações da sociedade civil, representando mais de 1 milhão de membros e apoiadores no Brasil, enviaram uma carta ao Ministério do Meio Ambiente, solicitando o apoio do país a uma resolução que introduz o bem-estar animal como preocupação política essencial, considerando o crescente consenso em torno de sua relação com a proteção do meio ambiente e a garantia do desenvolvimento sustentável.
Acreditamos que a aprovação da resolução, além de reforçar a relevância do tema a nível internacional, também pode influenciar no estabelecimento de políticas públicas no Brasil. Esse movimento tem potencial de impactar a sociedade brasileira, ao endereçar as principais crises globais citadas anteriormente.
Com a emergência da pandemia de COVID-19, a relação entre bem-estar animal e saúde global se fez presente. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, 75% das doenças emergentes e reemergentes do último século são zoonoses – doenças infecciosas transmissíveis de animais para seres humanos. Com isso, fortaleceu-se o conceito de saúde única, que trata sobre a correlação entre a saúde animal e a saúde humana.
No campo das mudanças climáticas, foi comprovado que metade da capacidade de captura de carbono de florestas e do nosso oceano, que equivale a 60% das emissões antropogênicas globais, está diretamente ameaçada devido à exploração excessiva da vida selvagem terrestre e marinha e pelas limitações à sua livre circulação.
O envio da carta pela coalizão de organizações é mais do que simbólico: representa a participação ativa da sociedade civil em um pedido concreto e urgente pela formulação e implementação de políticas públicas que beneficiem seres humanos e animais. A busca pelo desenvolvimento sustentável e pela proteção do meio ambiente, essenciais para o enfrentamento de crises globais, não pode ocorrer se o bem-estar animal for deixado de lado.
Nos últimos 20 anos, vemos um crescimento notável no Brasil da discussão e produção de conhecimento em torno do bem-estar animal, dos direitos dos animais e da promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis, saudáveis e compassivos. O mercado brasileiro também vem respondendo a esta demanda, com a gradual inclusão do tema nos índices de sustentabilidade. Entretanto, é necessário dar um passo adiante para que estes temas sejam incluídos como uma prioridade nas políticas públicas do país.
A melhoria do bem-estar animal está diretamente relacionada não apenas com a redução de sofrimento intenso a bilhões de animais – o que não podemos mais ignorar – como também com a prevenção de futuras pandemias, com a conservação e proteção do meio ambiente e com a preservação dos meios de subsistência, além de impactar na saúde e bem-estar das pessoas e na sustentabilidade dos sistemas socioeconômicos.
Sendo detentor da maior biodiversidade do planeta e dada a relevância do setor do agronegócio para o Brasil, emerge fundamental a participação brasileira na aprovação desta resolução e na promoção de melhores condições para os animais. Somente assim, com políticas públicas efetivas, conseguiremos solucionar as raízes das crises globais e, assim, tornar a sociedade mais sustentável, inclusiva e resiliente.
Por fim, o conceito da sustentabilidade está relacionado à garantia aos direitos e ao bem-estar humanos, sem exaurir ou diminuir a capacidade dos ecossistemas e sem ferir o bem-estar de todos os seres. Humanos, representamos insignificantes 0,01% do total de seres vivos do planeta e, no entanto, fomos capazes de destruir 83% dos mamíferos selvagens desde o início do processo civilizatório. É o que informa artigo científico publicado nos Anais da Academia Nacional de Ciências (PNAS) e reproduzido no The Guardian, cuja foto ilustrativa retrata não menos que uma fazenda em Mato Grosso.
A ordem de grandeza é desproporcional. O mundo não poderá mais viver na lógica do antropocentrismo, diante de outras formas de vida. Esta é a reflexão que nos levou a todos assinarmos a carta em favor do bem-estar animal. Esta é a nossa decisão de influenciar e, juntos, nos tornarmos capazes de agregar mais vozes e transformar este paradigma.
Cristina Diniz – Coordenadora Sênior da Open Wing Alliance na América Latina
Cristina Mendonça – Diretora Executiva da Associação Mercy For Animals Brasil
Eduarda S Nedeff – Diretora Internacional de Relações Corporativas da Sinergia Animal
Fernando Schell Pereira – Diretor Geral do Princípio Animal
Helio Mattar – Diretor Presidente do Instituto Akatu
Ilan Zugman – Diretor da 350.org na América Latina
João Cerqueira – Coordenador de Relações Institucionais do Clima de Eleição
João Vasconcellos de Almeida – Diretor Executivo Interino da Proteção Animal Mundial Brasil (World Animal Protection)
Juliana Tângari – Diretora do Instituto Comida do Amanhã
Mariana Guimarães – Diretora Administrativa do Instituto Tucunduba (Ame o Tucunduba)
Nathalie Gil – Diretora Executiva da Sea Shepherd Brasil
Patrycia Sato – Presidente e Diretora Técnica da Alianima
Rodrigo Perpétuo – Secretário Executivo do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade
Solange Alfinito – Coordenadora do Conscient – Laboratório de Estudos em Consumo Sustentável – e Professora Associada da Universidade de Brasília
Taylison Santos – Gerente Executivo do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal
Thaís Zschieschang – Cofundadora do Delibera Brasil
*As organizações signatárias são parte da coalizão de 27 organizações em apoio à aprovação da resolução “Nexo entre Bem-Estar Animal, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável”na 5a sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5.2).