Só este ano já são mais de 90 mil crianças que , no dia dos Pais, vai perguntar: cadê ele? – Imagem: Freepik
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Todos os dias, no Brasil, cerca de 500 crianças nascem e são registradas sem o nome do pai. Só este ano já são mais de 90 mil crianças que , no dia dos Pais, vai perguntar: cadê ele? E a mãe fará um exercício de imaginação triste para poupar o canalha que a engravidou e não assumiu a responsabilidade de dividir a criação do bebê. Hoje, mais de 6 milhões de crianças e jovens não têm um homem para chamar de seu pai biológico. Algumas têm a sorte de um pai substituto, mas a maioria conta mesmo é com a coragem e o conforto das suas mães.
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O advogado Rodrigo da Cunha Pereira disse certa vez: é muito importante que haja o pai, ou melhor, ‘um’ pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial a que todo ser possa humanizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, como se disse, não é necessariamente o genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o ‘outro’ que possibilita ao filho o acesso à cultura”. Isto é, pai não é quem faz, mas quem cuida. Lógico que esse raciocínio é alentador, particularmente quando a mãe encontra um homem disposto a se tornar o pai de seus filhos, mas, além de uma tarefa difícil, não exclui o sentimento de perda e de falta para a criança que não conheceu ou não tem a atenção do pai biológico, principalmente quando ela se pergunta: por que ele não me quis?
Curioso é como os grupos da direita extrema armam suas esporas para atacar os filhos de mulheres homoafetivas, destacando que “esses meninos crescerão sem uma referência paterna e aí, como vai ser?”. Tá certo, é melhor a criança não ter afeto de duas mulheres que amam e cuidam e ter o desafeto do homem que recusa e abandona. Parabéns!
O ex-vice presidente da República, Hamilton Mourão já disse: “Família sempre foi o núcleo central. A partir do momento que a família é dissociada, surgem os problemas sociais que estamos vivendo e atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai nem avô, é mãe e avó. E por isso torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narco-quadrilhas que afetam nosso país”. Ou seja, para o ex-vice, se não tem pai nem avô, vira bandido. Interessante que nunca, nos quatro anos nos quais governou o país e nos já dois anos como senador da República, vimos o ex-vice propor algo para mitigar o problema dos pais ausentes ou, mais importante, implica-los na solução do problema que, segundo ele, é de segurança pública e não da covardia desses homens que não hesitam a participar da fase da produção da criança, mas fogem da fase de assumi-la e de cuidar e prover a sua vida e desenvolvimento saudável.
Agora, imaginem se o ex-vice tivesse razão e crianças nascidas sem pai fossem candidatas “naturais” à bandidagem. Conforme dados anunciados em março de 2023 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres. Dos 75 milhões de lares, 50,8% têm liderança feminina, o correspondente a 38,1 milhões de famílias. A nossa medalhista olímpica, Rebeca Andrade, seria um dos casos que tenderia a “ingressar em narco quadrilhas”. “Minha mãe é a minha heroína, fez tudo por mim e pelos meus irmãos. Sempre cuidou de tudo e batalhou para que nada faltasse à nossa família. Meus irmãos mais velhos também ajudavam a cuidar de tudo. E quem era menor ajudava nas tarefas dentro de casa”. E cadê o pai da Rebeca? Ele saiu de casa quando a ginasta ainda era muito pequena e , desde então, foi um personagem distante na sua vida. Ou seja, ao se separar da mãe, o cidadão entendeu que não precisava mais ser pai. Como milhões de outros “caras” por esse país afora.
Muitas escolas, inclusive, acabaram com as comemorações do dia dos pais nas escolas, substituindo-os pelo que chamam de “dia da Família”. Afinal, nada é tão triste como uma comemoração de uma “não-pessoa” ou de uma pessoa ausente. Por isso, nesse dia, viva as mães, viva os padrastos, viva os avós, viva qualquer pessoa que assumiu o carinho, o conforto e a responsabilidade por uma criança vítima de um pai que a abandonou por conveniência, covardia e leniência de uma sociedade machista e insensível ao drama das mulheres e das crianças.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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