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POR – FREINEIA REZENDE
Pode ser bolinho de arroz no boteco, sushi, arroz com macarrão, canja, e, claro, arroz com feijão; fora sobremesa… arroz-doce! Quem nunca?
Não podem faltar os acompanhamentos mais importantes, correto? Arroz e farofa de mandioca. Sei que vinagrete é importante, mas desta vez não abordaremos esse assunto.
Bóra lá, então, garantir mais um item desse churrasco generoso. Mas hoje focaremos no arroz.
Originário do sudeste asiático, o arroz, Oryza sativa, passou a ser cultivado na China há cerca de 5.000 anos. Também a Índia abriga uma grande variedade de outras espécies que são cultivadas até hoje. Porém, a domesticação é ainda mais antiga; com dados que variam de 8 a 13 mil anos atrás, ainda na China, a partir da espécie selvagem, Oryza rufipogon. Mas o arroz não é exclusividade da Ásia! Na África, a Oryza glaberrina foi domesticada há cerca de 3 mil anos, no delta do Rio Níger, Nigéria.
O arroz está entre as espécies de cereais mais consumidas no mundo e cerca de 40.000 variedades são cultivadas ao redor do globo.
Aliás, você reparou que boa parte das commodities, como a soja, o arroz (que se tornou a principal base da alimentação da maioria do povo brasileiro) e o próprio boi, que vira carne, têm origem asiática?
São produzidas cerca de 500 milhões de toneladas de arroz no planeta; China e Índia lideram a produção global, com 27% e 25%, respectivamente. Indonésia, Vietnã, Tailândia, Filipinas e Myanmar as seguintes.
A segunda espécie vegetal mais consumida no mundo, o arroz, curiosamente, representa menos de 10% do comércio mundial agropecuário. E, bizarramente, ficou na 134ª posição em relação aos produtos mais negociados do mundo – com um mercado de cerca de US$ 26,7 bilhões, em 2020. Mas isso não se deve a uma baixa produção pelos países, ao contrário.
A verdade é que esses países produtores preferem garantir a segurança alimentar de seus povos, já que em certos países asiáticos o arroz é a base da dieta; ou seja, o alimento mais importante – bem diferente do Brasil, que tem priorizado o investimento em commodities. Desta vez tem gráficos para ajudar a entender essa treta. Vamos ver se você concorda comigo:
O Brasil é o maior produtor de arroz da América do Sul, produzindo em 2021, 11,5 e em 2022,10,2 milhões de toneladas.
Dê uma olhadinha no cenário de 2019 a 2023.
É nítido que o impacto do aumento do preço, obviamente ligado à inflação, contribuiu muito para a queda do consumo per capta ano a ano. Mas para se ter uma ideia, em 2019 o consumo per capta foi de 34 kg/ano e caiu para 29,2 kg/ano em 2023.
Li em alguns veículos que o brasileiro mudou seus hábitos alimentares, em relação ao consumo de arroz, por uma questão “cultural”. Será que foi isso mesmo?
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Em paralelo, é importante avaliar as condições para a produção do arroz no Brasil. Os jornais, no ano de 2024, falaram muito sobre o Plano Safra. Então, vamos entrar no túnel do tempo e avaliar a distribuição dos recursos desta iniciativa federal desde 2018.
De 2018 a 2022, o crescimento do investimento para o Plano Safra foi pouco significativo. Os investimentos mais significativos se deram, de fato, a partir da safra 2023/2024, atrelados ao início da recuperação da economia, em 2022. Mas reparem que em cinco anos, foram investidos mais de dois trilhões de reais, mas esse recurso foi direto, principalmente, para produção de soja e gado !!!
Em 2021, a Revista Forbes publicou a lista “Forbes Agro100”, apresentando as 100 maiores empresas listadas, que faturaram R$ 1,30 trilhão, mesmo em meio a pandemia! Apenas uma empresa entre essas 100 de fato é produtora de arroz; as demais que trabalham no ramo são apenas traders. Apesar de não terem entrado na Forbes, porque não são empresas gigantescas, 64% do arroz produzido no Brasil são oriundos de produtores empresariais e cooperativas.
Enquanto isso, a agricultura familiar é responsável por basicamente 70% do que chega na nossa mesa; mas no caso do arroz é responsável por aproximadamente 35%.
Nitidamente, a agricultura empresarial, todos os anos, leva quase todo o recurso do Plano Safra.
O incentivo à Agricultura Familiar, via Pronaf, de fato, cresceu e proporcionalmente seu percentual aumentou em relação ao incentivo ao agro empresarial, comparando-se as Safras 23/24 e 24/25. Ainda assim, está longe de ser minimamente justo.
E então, você concorda a narrativa de que o consumo de arroz caiu por uma questão de mudança cultural?
Se sim, veja aqui mais alguns dados: de 2006 a 2022, a produção de arroz e feijão caiu 30%! Em maio de 2024, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) recebeu do Governo Federal um total de R$ 7,2 Bi para comprar aproximadamente 1 milhão de toneladas de arroz, que veio dos nossos vizinhos como o Uruguai.
– Ué, tá aumentando os incentivo tudo aí e comé qui é esse lance de ter menos arroz e feijão sendo plantados?
Estranho, né? A questão é que o avanço do plantio da soja (e também do milho) não é exclusividade dos Estados da Amazônia (como já vimos na Parte II); os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina são os maiores estados produtores de arroz e, infelizmente, onde tem-se observado a maior redução de plantio de arroz para dar lugar à soja e ao milho.
Eu teria ficado mais feliz em saber que a agricultura familiar recebeu R$ 7 bi de incentivos diretos para produzir arroz e feijão e, assim, diminuirmos nossa dependência de importação de itens básicos do nosso PF de todo dia.
Ainda dentro do Plano Safra 2024/25, o Governo Federal criou o programa “Arroz da Gente”, com incentivos à compra de arroz da agricultura familiar e taxas de juros mais baixas; como exemplo a taxa de juros para a produção agroecológica e orgânica foi de 2% ao ano. Aliás, importante ressaltar que, cerca de 70% do arroz orgânico no país é produzido pelo Movimento dos Sem Terra (MST).
No entanto, temos um cenário complexo sobre acesso a financiamentos da agricultura familiar (o que inclui a bioeconomia). Para acessar financiamento/empréstimo, os bancos solicitam garantias, que no caso da agricultura, geralmente, é a terra (propriedade) ou até a produção. Mesmo o Plano Safra direcionando recursos via Pronaf, não necessariamente a família produtora tem condições de acessar o Pronaf. (Rever gráfico 3).
Apenas de 10 a 15% (a depender da metodologia e alcance de levantamento de dados) de agricultores familiares acessam financiamento rural, mesmo o Pronaf – que a princípio foi criado para esse perfil.
E não poderíamos ignorar os efeitos das mudanças climáticas, claro. Lembra-se que Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina são os maiores produtores de arroz no Brasil? Quase 47.000 hectares de lavoura foram totalmente inundados durante as enchentes de 2024 no RS; um prejuízo de R$ 68 milhões!!!!
Ou seja, as mudanças no mercado e decisões de grandes produtores estão se somando às mudanças climáticas e diminuindo a produção de arroz no Brasil. E o cenário não parece promissor. Ou pressionamos o mercado para garantir uma produção de arroz suficiente para a população ou jajá será feijão com soja, e não feijão com arroz.
Em breve, chegaremos na farinha e na cervejinha. Até lá, compre um guarda-chuva maior.
Bióloga, mestre em ecologia e recursos naturais, é especialista reconhecida em conservação da natureza e desenvolvimento sustentável, com vasta experiência na promoção de práticas de proteção aos ecossistemas marinhos e florestais. Com uma sólida carreira internacional, Frineia tem liderado programas estratégicos que integram comunidades locais e governamentais, bem como organizações privadas e não-governamentais, para a proteção e manejo de recursos naturais. Seu trabalho se destaca pelo compromisso com a proteção da biodiversidade e combate às mudanças climáticas e seus impactos sobre pessoas e ecossistemas, além da habilidade em promover parcerias colaborativas em prol de, não só um futuro, mas essencialmente, um presente sustentável. Frineia, além de executiva da área da conservação, é Advisor da Bio Bureau Biotecoologia.