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POR – FABIO ALPEROWITCH
Ao longo da história, os momentos de maior transformação surgiram da resistência aos sistemas opressivos que tentaram sufocar o progresso humano. O abolicionismo enfrentou economias inteiras que lucravam com a escravidão. Seus líderes, como William Wilberforce e Frederick Douglass, desafiaram o modelo econômico e uma estrutura social que naturalizava a violência e a exploração humana. O movimento pelos direitos civis, décadas depois expôs a apatia de uma sociedade que preferia a estabilidade à necessidade da mudança. Esses movimentos nos ensinam que resistir a um status quo injusto exige coragem, visão e um compromisso inabalável com valores universais.
O progresso nunca aconteceu porque o status quo permitiu, mas porque houve resistência ativa contra ele. O trumpismo, com seu negacionismo climático, sua retórica racista e sua glorificação da desigualdade, é um teste moral e estratégico para o setor privado. Estamos novamente diante de uma encruzilhada histórica e as empresas de hoje não podem mais alegar neutralidade diante de forças que tentam reverter avanços conquistados a duras penas. De que lado da história as empresas escolherão estar?
O desmantelamento de regulamentações ambientais, a ridicularização da equidade racial e de gênero e a perseguição à ciência são tragédias morais, além de erros estratégicos de proporções gigantescas. Empresas que estão se curvando a essa agenda estão abraçando o retrocesso social; e se tornando modelos falidos de gestão.
Os exemplos são claros: o apartheid sul-africano foi sustentado por décadas pelo silêncio das grandes corporações, até que a pressão pública e os boicotes internacionais as forçaram a escolher um lado.
A crise climática não é um debate, mas um fato científico inquestionável. Negá-la é tão irresponsável quanto suicida. A descarbonização, além de uma questão moral, é uma maneira de criar valor econômico e mitigar riscos consideráveis. Tal qual, a diversidade vai além da questão ética: é um mecanismo de tomar melhores decisões e, portanto, com impacto econômico considerável.
As empresas hoje têm a oportunidade de ser as protagonistas de uma resistência moderna. Assim como os movimentos históricos que desafiavam sistemas injustos, o setor privado precisa reconhecer que metas climáticas e DEI são necessidades éticas e também estratégicas.
A resistência ao trumpismo e a tudo o que ele representa talvez não seja confortável. Nunca foi fácil desafiar sistemas enraizados. Assim como os cúmplices do apartheid, os beneficiários da escravidão ou os que ignoraram o Holocausto, as empresas que optarem por se calar diante da crise climática e da exclusão social serão lembradas sempre como os aliados do retrocesso.
Assim como a luta contra o apartheid, o movimento pelos direitos civis e o abolicionismo moldaram sociedades mais justas, a resistência corporativa hoje pode determinar o futuro do planeta e das comunidades que nele habitam.
No Brasil, a luta pela democracia em meio à ditadura militar não teria sido possível sem empresários, intelectuais e trabalhadores que, mesmo sob risco, bancaram a redemocratização. Nos anos 1980, a pressão de movimentos sociais e do empresariado progressista foi crucial para o fim do trabalho infantil em grandes indústrias. Mais recentemente, companhias como Natura desafiaram a lógica extrativista do mercado ao integrarem compromissos socioambientais às suas cadeias produtivas. Essas empresas entenderam o que muitas ainda relutam em aceitar: resistir ao atraso não é ativismo, é inteligência estratégica.
Grandes frigoríficos, como a Marfrig, ou gigantes do agro, como a SLC, que até anos atrás ignoravam sua responsabilidade ambiental, agora se veem motivados a descarbonizar suas operações e suas cadeias entendendo, inclusive, o potencial de criação de valor econômico a partir de tais iniciativas.
Os setores financeiros, que financiam boa parte da destruição, precisam justificar como continuarão sendo lucrativos num mundo que caminha para a precificação das externalidades ambientais e sujeito a fenômenos climáticos mais frequentes e intensos. A resistência, neste caso, não é um gesto altruísta, mas uma questão de sobrevivência econômica.
O futuro tem memória. O Brasil, que sempre oscilou entre progresso e retrocesso, não será exceção.
Aqueles que não resistirem à agenda do atraso verão suas marcas corroídas, sua legitimidade diluída e sua competitividade reduzida. O século XXI pertence a quem entende que resistir é uma resposta calculada ao inevitável colapso dos modelos predatórios.
Empresas que escolhem estar do lado errado da história podem até lucrar no curto prazo, mas quando o mundo mudar — e ele sempre muda — serão lembradas não por sua grandeza, mas por sua covardia.
Investidor, ambientalista e ativista, comprometido em causar impacto positivo no mundo através de investimentos sustentáveis. Casado e pai de cinco filhos, fundei a fama re.capital em 1993, quando tinha apenas 21 anos, estabelecendo um caminho pioneiro no campo dos investimentos responsáveis. Além da minha carreira na fama re.capital, fundei quatro ONGs dedicadas a diversas causas sociais e ambientais. Atualmente, tenho o privilégio de servir no conselho de várias organizações proeminentes, incluindo a WWF Brasil, Instituto Ethos e o Pacto pela Equidade Racial, onde continuo a promover a sustentabilidade e a equidade. Fui honrado ao ser selecionado entre os 99 melhores investidores do mundo na publicação “The World’s 99 Greatest Investors”.