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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
O primeiro aspecto do que penso sobre uma Educação Democrática para crianças está relacionado a dois eixos: como são garantidos os direitos e como agimos para protegê-los e ampliá-los.
O primeiro aspecto importante é trabalhar com as crianças a ideia de “invenção”. A Democracia não passa de uma série de combinados inventados. E esses combinados partiram de dois pontos básicos: todo mundo pode falar e deve ser ouvido com a mesma atenção; todas as decisões envolverão a todos, tanto os que apoiarem a ideia quanto os que se opuserem a ela.
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O segundo aspecto importante a trabalhar com as crianças é que a Democracia pode ser desinventada. E aqui temos também dois pontos básicos: pode ser desinventada quando não há, de fato, respeito pela voz de cada um; pode ser desinventada quando não há respeito pela decisão tomada pelo grupo.
O terceiro aspecto que considero importante trabalhar é que, na Democracia, o debate não é um problema, mas parte fundamental do jogo. Por isso, as decisões democráticas são mais demoradas. No entanto, são mais consistentes, pois se fundamentam na aceitação das regras do jogo e não no medo do castigo. Aqui reside a grande diferença entre a Democracia e os regimes autoritários. Estes últimos são mais práticos quando se quer implementar algo; a Democracia, porém, é mais importante para manter, por longo tempo, uma decisão, pois o temor típico das ditaduras precisa ser sempre renovado e cada vez mais ameaçador, enquanto a decisão compartilhada precisa apenas ser lembrada. E, quando a força do consenso for enfraquecendo, basta convocar outra eleição e repetir o processo de formação de maioria.
Destaco agora o que considero o maior obstáculo para trabalhar a Democracia com crianças e jovens: superar a visão individualista de mundo e construir uma visão intersubjetiva de mundo. Para isso, devemos trabalhar bastante com dinâmicas de internalização de práticas de percepção do outro, como ouvir, formular perguntas, resumir a fala do outro e construir respostas conjuntas — primeiro dois a dois, depois três a três, quatro a quatro.
Nesse processo, o papel do adulto mediador é apresentar as questões acima expostas e propor atividades práticas e contextualizadas. Por exemplo: todo professor sabe que nem sempre dá para o aluno esperar o recreio para ir ao banheiro, mas, por outro lado, não dá para ir toda hora, nem para todos irem ao mesmo tempo durante a aula. Como organizar essas duas necessidades? (Exemplo de dois princípios legítimos, mas conflitantes.)
Outro exemplo: a professora quer estabelecer um processo de avaliação continuada na sala de aula. Quais atividades devem ser avaliadas? Qual o percentual que cada uma terá na nota final? (Princípio da soberania popular.)
Ou: o espaço do recreio nem sempre é ocupado de forma adequada, e há conflitos de interesses entre séries e entre meninos e meninas. Como resolvê-los? (Elaboração de combinados e estabelecimento de limites.)
Ou ainda: há um colega que não obedece de forma alguma os combinados da sala e atrapalha as aulas o tempo todo. O que devemos fazer? (Ideia de sanção como internalização de uma norma social.) A lista é enorme. Quem é professor sabe disso.
Outro aspecto importante, que pode ser desenvolvido em atividades conjuntas com pais, professores, funcionários e direção, é o da formulação de cartazes, composição de poemas e canções, vídeos e fotografias (entre outros) sobre as regras que já existem e que definem quais são os direitos e como eles são implementados e protegidos.
Também é importante discutir as resistências aos projetos de garantias de direitos. Por que há quem se oponha a isso?
Creio que devemos pensar a linguagem e as estratégias de apresentar essas questões, assim como incluir as experiências práticas dos professores. Esse pode ser um começo de caminho. O que não é mais possível é criticar o caráter deficitário da nossa Democracia e ficar de braços cruzados.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros