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POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Em 2025, enquanto a humanidade corre contra o tempo para enfrentar colapsos climáticos, desigualdades históricas e disrupções tecnológicas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) decidiu fazer história — olhando pelo espelho retrovisor. Em sua nova formação diretiva, são 130 homens. E três mulheres. Isso mesmo: três. Um número que não precisa de lupa, mas certamente exige explicações.
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É quase uma obra de arte do anacronismo. Uma performance institucional que nos transporta para os anos 1950, onde os paletós dominavam a cena e o poder era passado de mão em mão — sempre masculinas, quase sempre brancas.
Manual de governança para quem não entendeu o século
O anúncio causou reações imediatas nas redes sociais, onde ironia e indignação se fundiram em comentários cortantes. “Fiesp inovando no retrocesso”, escreveu uma usuária no X. Outro completou: “A diversidade de nomes masculinos é realmente impressionante”. Entre um meme e outro, ressurgiu até a velha comparação com o levantamento do New York Times de 2015, onde havia mais CEOs chamados John do que mulheres em cargos de liderança. Parece que, por aqui, estamos substituindo os Johns por Josés — mas a lógica permanece intacta.
Num mundo em que a equidade de gênero virou critério de reputação, risco e inovação, a nova diretoria soa como um lembrete incômodo de que certas instituições ainda confundem estabilidade com imobilismo.
Diversidade: palavra bonita, prática ausente
Não estamos falando de “cotas por vaidade” ou de “pressão ideológica”. Estamos falando de estratégia, resultados e sobrevivência. Diversidade não é favor: é inteligência corporativa. Segundo o Fórum Econômico Mundial e a McKinsey, empresas com lideranças diversas são mais lucrativas, mais criativas e mais preparadas para lidar com incertezas. Mas a Fiesp parece adotar outro modelo: o da excelência homogênea.
Talvez por isso, em meio a tantas discussões sobre ESG, equidade e inovação sustentável, o “S” de social continue sendo o patinho feio da governança empresarial brasileira — tolerado no discurso, evitado na prática.
A democracia seletiva das cúpulas
Como justificar que, em uma federação que representa milhares de indústrias — onde mulheres lideram negócios, pesquisam tecnologias, empreendem, formam a maioria nas universidades — apenas três tenham chegado à mesa diretora?
A resposta, infelizmente, não está na falta de talentos femininos. Está no medo de abrir espaço. Está no apego à hierarquia verticalizada. Está na manutenção silenciosa de estruturas que resistem à renovação, como se liderar fosse um privilégio hereditário e não uma missão compartilhada.
Sentimento público: o cansaço da caricatura
O eco nas redes sociais vai além da crítica pontual: ele expressa um cansaço coletivo com estruturas que ignoram as transformações do presente. Há um tom sarcástico, mas também um lamento sincero. “E depois perguntam por que ninguém leva o ESG a sério”, escreveu um economista no LinkedIn. “Até os robôs de IA têm mais diversidade que essa diretoria”, zombou outro.
O público não está mais disposto a engolir diversidade cosmética. E quando a maior entidade industrial do país escancara seu descompromisso com a equidade de gênero, ela envia uma mensagem perigosa: de que o futuro pode esperar — desde que o passado esteja confortável.
Quem tem medo da liderança plural?
A nova diretoria da Fiesp é, acima de tudo, um retrato falado do medo de mudar. Um medo disfarçado de tradição. Um poder que se recusa a abrir espaço — mesmo quando o mundo inteiro já abriu a porta.
Mas o tempo é impiedoso com estruturas estagnadas. O futuro é plural, feminino, interseccional e regenerativo. E nenhuma federação — por maior que seja — conseguirá prosperar isolada em seu clube masculino. A pergunta que fica é: quanto tempo ainda levará para que liderar a indústria brasileira signifique, de fato, liderar o Brasil do século XXI?