Cultura Destaques Diversidade e Inclusão Mobilidade Urbana Política Saúde Segurança

Pandemia de coronavírus é um teste de nossos sistemas, valores e humanidade

Escrito por Neo Mondo | 18 de março de 2020

Compartilhe:

Foto -  PublicDomainPictures por Pixabay

POR - Michelle Bachelet e Filippo Grandi* / NEO MONDO

 
Se nós precisávamos lembrar que vivemos em um mundo interconectado, o novo coronavírus tornou isso mais claro do que nunca
  Nenhum país pode resolver esse problema sozinho, e nenhuma parcela de nossa sociedade pode ser desconsiderada se quisermos efetivamente enfrentar este desafio global. O Covid-19 é um teste não apenas de nossos sistemas e mecanismos de assistência médica para responder a doenças infecciosas, mas também de nossa capacidade de trabalharmos juntos como uma comunidade de nações diante de um desafio comum. É um teste da cobertura dos benefícios de décadas de progresso social e econômico em relação aqueles que vivem à margem de nossas sociedades, mais distantes das alavancas do poder. As próximas semanas e meses desafiarão o planejamento nacional de crises e os sistemas de proteção civil — e certamente irão expor deficiências em saneamento, habitação e outros fatores que moldam os resultados de saúde. Nossa resposta a essa epidemia deve abranger e focar, de fato, naqueles a quem a sociedade negligencia ou rebaixa a um status menor. Caso contrário, ela falhará. A saúde de todas as pessoas está ligada à saúde dos membros mais marginalizados da comunidade. Prevenir a disseminação desse vírus requer alcance a todos e garantia de acesso equitativo ao tratamento. Isso significa superar as barreiras existentes para cuidados de saúde acessíveis e combater o tratamento diferenciado há muito tempo baseado em renda, gênero, geografia, raça e etnia, religião ou status social. Superar paradigmas sistêmicos que ignoram os direitos e as necessidades de mulheres e meninas ou, por exemplo, limitar o acesso e a participação de grupos minoritários será crucial para a prevenção e tratamento eficazes do COVID-19. As pessoas que vivem em instituições — idosos ou detidos — provavelmente são mais vulneráveis ​​à infecção e devem ser especificamente incluídas no planejamento e resposta à crise.
Foto -  Mabel Amber por Pixabay
Migrantes e refugiados — independentemente de seu status formal — devem ser plenamente incluídos nos sistemas e planos nacionais de combate ao vírus. Muitas dessas mulheres, homens e crianças se encontram em locais onde os serviços de saúde estão sobrecarregados ou inacessíveis. Eles podem estar confinados em abrigos, assentamentos, ou vivendo em favelas urbanas onde a superlotação e o saneamento com poucos recursos aumentam o risco de exposição. O apoio internacional é urgentemente necessário para ajudar os países anfitriões a intensificar os serviços — tanto para refugiados e migrantes quanto para as comunidades locais — e incluí-los nos acordos nacionais de vigilância, prevenção e resposta. Não fazer isso colocará em risco a saúde de todos — e o risco de aumentar a hostilidade e o estigma. Também é vital que qualquer restrição nos controles das fronteiras, restrições de viagem ou limitações à liberdade de movimento não impeça as pessoas que possam estar fugindo da guerra ou perseguição de acessar a segurança e proteção. Além desses desafios muito imediatos, o coronavírus também testará, sem dúvida, nossos princípios, valores e humanidade compartilhada. Espalhando-se rapidamente pelo mundo, com a incerteza em torno do número de infecções e com uma vacina ainda a muitos meses de distância, o vírus está provocando ansiedade e medos profundos em indivíduos e sociedades. Sem dúvida, algumas pessoas sem escrúpulos procurarão tirar vantagem disso, manipulando medos genuínos e aumentando as preocupações. Quando o medo e a incerteza surgem, os bodes expiatórios nunca estão longe. Já vimos raiva e hostilidade dirigidas a algumas pessoas de origem do leste asiático. Se continuar assim, o desejo de culpar e excluir poderá em breve se estender a outros grupos — minorias, marginalizados ou qualquer pessoa rotulada como “estrangeira”.
Foto - Locies por Pixabay
As pessoas em deslocamento, incluindo refugiados, podem ser particularmente alvo. No entanto, o próprio coronavírus não discrimina; os infectados até o momento incluem turistas, empresários internacionais e até ministros nacionais, que estão localizados em dezenas de países, abrangendo todos os continentes. O pânico e a discriminação nunca resolveram uma crise. Os líderes políticos devem assumir a liderança, conquistando confiança através de informações transparentes e oportunas, trabalhando juntos para o bem comum e capacitando as pessoas a participar na proteção da saúde. Ceder espaço a boatos, medos e histeria não apenas prejudicará a resposta, mas poderá ter implicações mais amplas para os direitos humanos e para o funcionamento de instituições democráticas responsáveis. Atualmente, nenhum país pode se isolar do impacto do coronavírus, tanto no sentido literal quanto econômico e social, como demonstram as bolsas de valores e as escolas fechadas. Uma resposta internacional que garanta que os países em desenvolvimento estejam equipados para diagnosticar, tratar e prevenir esta doença será crucial para proteger a saúde de bilhões de pessoas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) está fornecendo experiência, vigilância, sistemas, investigação de casos, rastreamento de contatos, pesquisa e desenvolvimento de vacinas. É a prova de que a solidariedade internacional e os sistemas multilaterais são mais vitais do que nunca. A longo prazo, devemos acelerar o trabalho de construção de serviços de saúde pública equitativos e acessíveis. E a maneira como reagimos a essa crise agora, sem dúvida, moldará esses esforços nas próximas décadas. Se nossa resposta ao coronavírus estiver fundamentada nos princípios de confiança pública, transparência, respeito e empatia pelos mais vulneráveis, não apenas defenderemos os direitos intrínsecos de todo ser humano; usaremos e criaremos as ferramentas mais eficazes para garantir que possamos superar essa crise e aprender lições para o futuro. *Michelle Bachelet é a alta-comissária da ONU para direitos humanos. Filippo Grandi é o alto-comissário da ONU para refugiados. Este artigo foi originalmente publicado no site The Telegraph.
Foto - Sabine van Erp por Pixabay

Compartilhe:


Artigos anteriores:

O Silêncio das Ostras: ficção cravada na lama da realidade

Adeus, Pepe Mujica: o camponês que semeou humanidade na política

Projeto Arranque: Iniciativa do Instituto Redemar Brasil visa revitalizar pesca artesanal em Maricá


Artigos relacionados