Escrito por Neo Mondo | 2 de junho de 2025
O desrespeito é fruto de uma sociedade na qual não há mais espaço nem tempo para observar e ouvir os outros - Imagem gerada por IA - Foto: Divulgação
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
O desrespeito está no ar. Ninguém mais se intimida em parecer grosso e insensível. O que já foi considerado um traço vergonhoso da personalidade hoje é trampolim para uma eleição garantida. Basta xingar, humilhar, desconsiderar, ignorar, envergonhar — e pronto. Multidões deliram com o estilo “honesto” e “despojado”, não deixando pedra sobre pedra da sensibilidade, da diferença, da singularidade das pessoas.
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O desrespeito é fruto de uma sociedade na qual não há mais espaço nem tempo para observar e ouvir os outros. Tudo é transparente e imediato. Nas redes sociais, o tempo para prender a atenção de alguém é de três segundos. Caso contrário, parte-se para outro vídeo, post, meme. É o fim da era da explicação, da análise, da busca por compreensão. Tudo o que resta é sentir — mas sem nenhum refinamento. Nada de harmonia, melodia, arranjos. Só ritmo, simples e repetido. Tum, tum, tum. “Ah, isso eu entendo. Isso eu apoio.”
Ninguém duvida que o ódio é mais básico e rápido do que a admiração e a curiosidade — porque o ódio não necessita de nenhuma mediação e nem precisa transformar um estado de espírito em outro. Quando ouço, quando me disponho ao Outro, entro na seara da mudança, pelo simples fato de que o Outro, para o qual me disponho a ouvir, não sou Eu. O que implica, necessariamente, um acréscimo ou uma diminuição da minha persona — ou seja, uma transformação. Já o exercício de odiar não exige nenhuma compreensão, apenas o reforço de um sentimento básico e instintivo, da época das cavernas: uma reprodução do grito da Tribo, negando tudo que não sou Eu, anulando qualquer chance de intercâmbio, ignorando qualquer gramática de reconhecimento, em nome da sobrevivência.
Odiar é imediato. Respeitar é processo — exige reconhecer um campo comum de existência, uma linguagem coletiva, um tema compartilhável, uma diferença a ser alcançada, um lugar comum construído como resultado. Muito mais do que sobreviver: conviver. E é isso que está em risco.
Nossa humanização atravessou as dificuldades da natureza externa e interna. Transformamos o mundo e transformamo-nos na mesma medida. Criamos Cultura — e Cultura é a negação dialética da Natureza: uma transformação por incorporação e construção de sínteses provisórias. Mas hoje nada disso importa mais. E há cada vez menos plataformas disponíveis para manter o exercício da Cultura. Não será surpresa que, em algum momento próximo, ela só exista em nichos muito específicos, onde pessoas sem importância ainda reconhecerão seus códigos como quem estuda uma língua morta e publica em edições de quinhentos exemplares numerados.
Ainda não estamos nesse fim de mundo, e o desrespeito ainda causa certa indignação — como uma lanterna em uma galeria escura. Indignação pelo homem que ofende a mulher; o jovem que ofende o velho; o ignorante que ofende o erudito; o branco que ofende o negro; o rico que ofende o pobre — e todas as variações possíveis dessa ciranda de ofensas, entre risos e sarcasmos, sem esconder o rosto ou o nome. Pelo contrário: rejubilando-se por aumentar o número de seguidores que exultam com a contaminação rápida que só o ódio é capaz de promover. Um lugar onde a indignação também é objeto de ofensas. O indignado é o próximo peão a ser tombado nesse tabuleiro.
E o que fazer diante da barbárie que avança como o anjo de Benjamin — figura trágica e impotente, preso em um movimento incessante imposto pelo "progresso", que, na verdade, é uma acumulação contínua de desastres e ruínas? Fugir? Aceitar? Ceder inutilmente diante da força maciça do inimigo?
Poesia.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros
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